Diário do Alentejo

Alunos com necessidades especiais não têm professor especializado

06 de agosto 2022 - 09:00
Estuda da Fenprof revela que mais de metade dos alunos do distrito de Beja com necessidades especiais não tem apoio direto de professor especializado
Ilustração | Susa MonteiroIlustração | Susa Monteiro

De acordo com um inquérito sobre a educação inclusiva promovido pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof), 56 por cento dos alunos do distrito de Beja com necessidades especiais não têm apoio direto do docente de educação especial. A Fenprof e o Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS) consideram que o Ministério da Educação deve fazer, o mais rapidamente possível, “uma avaliação séria” das necessidades das escolas e dos alunos e dar a resposta adequada.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Quarenta por cento dos alunos com necessidades especiais não tem qualquer apoio direto do docente de educação especial, que apenas aconselha o professor titular da turma, conclui um inquérito sobre a educação inclusiva promovido pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof). O estudo contou com a participação de 80 agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, cerca de 10 por cento do total dos estabelecimentos de ensino do continente.

 

No caso do distrito de Beja, em que responderam 15 por cento dos estabelecimentos de ensino, a percentagem de alunos com necessidades especiais sem apoio direto do docente de educação especial é superior à média nacional – 56 por cento –, adianta, ao “Diário do Alentejo”, Ana Simões, vice-presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS) e coordenadora nacional da Educação Especial e da Educação Inclusiva na Fenprof.

 

A dirigente sublinha que o docente de educação especial muitas vezes “nem conhece o aluno” em causa “e diz apenas como o professor titular deve atuar, o que não é um apoio sério às necessidades dos alunos”. A amostra de 15 por cento respeitante ao distrito de Beja corresponde, segundo Ana Simões, a três agrupamentos de escolas, num total de 101 turmas e 1697 alunos, sendo que, destes, 8,9 por cento (151) têm necessidades especiais, beneficiando, assim, de medidas seletivas e/ou adicionais (ver caixa).

 

Noventa e sete por cento destes alunos estão mais de 60 por cento do tempo letivo na sala de aula com os seus pares, o que, frisa a vice-presidente do SPZS, “é muito positivo, claro”.

 

PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS “SÃO INSUFICIENTES”

Os resultados do estudo mostram, igualmente, que num dos agrupamentos do distrito de Beja inquiridos nenhum dos técnicos que dá apoio é “do quadro do agrupamento”.

 

A nível nacional, por exemplo, 33,2 por cento dos técnicos a trabalhar nos estabelecimentos de ensino são colocados através de protocolos com outras instituições, como a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral, e 25,4 por cento através dos centros de recursos para a inclusão, entidades privadas subsidiadas pelo Estado.

 

Uma vez que os técnicos contratados exercem as suas funções “num espaço que é escola pública”, a Fenprof e o SPZS defendem “que devem ser contratados diretamente pelas escolas”.

 

Aliás, realça Ana Simões, o mesmo consideram os diretores dos agrupamentos do distrito de Beja inquiridos. Ainda ao nível dos profissionais especializados, é referido pelos agrupamentos de escolas do distrito que, por um lado, há falta de técnicos e, por outro, os que existem “são insuficientes para dar respostas às necessidades dos alunos”, adianta a dirigente.

 

No que concerne aos assistentes operacionais, apenas um dos agrupamentos refere “que tem um assistente operacional com formação adequada para estar a trabalhar com estes casos mais complicados de alunos com estas medidas”.

 

Quanto aos docentes de educação especial, os três agrupamentos de escolas do distrito de Beja “são unânimes em afirmar que não existem em número suficiente para dar resposta aos alunos, que não é possível com este número de docentes prestar o apoio individualizado que cada aluno precisa”, acrescenta.

 

Os dados disponibilizados ao “Diário do Alentejo” indicam, ainda, que 54 por cento das 101 turmas têm 20 alunos e até dois com medidas seletivas e/ou adicionais, “cumprindo o que diz a legislação” relativamente à constituição de turmas que integram alunos com necessidades especiais; 11 por cento das turmas têm mais de 20 alunos e até dois com as referidas medidas; oito por cento têm 20 alunos e mais de dois nessa situação; e três por cento não respeitam qualquer dos limites legalmente estabelecidos, ou seja, têm mais de 20 alunos e mais de dois com estas medidas.

 

A vice-presidente do SPZS frisa que os resultados do estudo espelham, “não na totalidade”, mas em grande parte, a realidade vivida pelos estabelecimentos de ensino que não responderam ao inquérito. Até porque, diz, o grupo de trabalho da Educação Inclusiva da Fenprof integra “um dirigente de cada sindicato, das várias regiões do País, pelo que temos as várias perceções e a maior parte vai neste sentido”.

 

FENPROF QUER “AVALIAÇÃO SÉRIA” DAS NECESSIDADES SENTIDAS PELAS ESCOLAS

Ana Simões esclarece que o estudo promovido pela Fenprof surge da necessidade de, decorridos quatro anos desde a implementação do decreto-lei 54/2018, que estabelece os princípios e as normas destinadas a garantir uma educação inclusiva, se “fazer uma avaliação mais aprofundada da aplicação da legislação”.

 

A dirigente lembra que a Fenprof “foi muito crítica” aquando da publicação do novo decreto-lei, “não pela legislação em si, mas pela falta de diálogo que houve com os intervenientes”, e sublinha que enquanto a legislação anterior se destinava “exclusivamente aos alunos com necessidades educativas especiais, a maior parte das vezes com deficiência”, o novo regime é aplicável a todos os alunos.

 

“O Ministério da Educação decidiu publicar a legislação em julho [de 2018] para ser implementada, com toda esta mudança de paradigma de educação especial para educação inclusiva, em setembro. Apenas com a diferença de um mês. Sem discutir, sem saber o que é que as escolas tinham em termos de condições, de recursos. Isso originou muita confusão nas escolas. Como houve uma mudança muito rápida, as coisas foram sendo implementadas conforme foi possível e mesmo agora, e o estudo da Fenprof mostra isso, passados quatro anos, há ainda muita confusão do que é que se entende por estas medidas, o que é que se entende por uma educação inclusiva, o que é que se entende pelo Centro de Apoio à Aprendizagem”, uma estrutura de apoio que agrega todos os recursos humanos e materiais das escolas com vista a apoiar a inclusão de toda a comunidade estudantil, independentemente das suas necessidades, e que veio substituir as unidades especializadas.

 

No caso dos agrupamentos do distrito de Beja inquiridos, diz Ana Simões, verifica-se “que estão em níveis diferentes de inclusão”, cada um a “fazer o seu percurso”, com “uma perceção muito diferente”, por exemplo, do que é o referido Centro de Apoio à Aprendizagem. “Há um agrupamento que diz que o Centro de Apoio à Aprendizagem é apenas para os alunos com as medidas seletivas e adicionais, há outro que diz que é para todos e outro que é apenas para as medidas adicionais, ou seja, os casos mais problemáticos”.

 

A vice-presidente do SPZS sublinha que, embora a nova legislação “tenha a intenção de alargar mais o espetro do apoio aos alunos”, tal “só é possível se as escolas tiverem os recursos necessários para dar essa resposta a todos os alunos, o que não acontece”. “Há aqui um entrave muito grande, que vem referido na própria legislação, que é as escolas terem de implementar a educação inclusiva com os recursos que têm. Os recursos já eram poucos, abrangendo mais alunos, ainda menos são”, reforça.

 

Segundo a dirigente, há casos de alunos a necessitarem de mais do que um apoio, por exemplo, de psicologia e terapia da fala, e porque “o ministério não autoriza que se façam mais contratações, as escolas são obrigadas a decidir qual é mais necessário”.

 

“O Governo e o Ministério da Educação sempre disseram que a inclusão não se fazia só porque existiam mais recursos, é verdade. A mudança de mentalidade e de prática pedagógica de todos os docentes, técnicos e assistentes operacionais, tem de ser feita, ou seja, a tal transição do paradigma só da educação especial para um paradigma de inclusão em que todos os alunos devem ter as respostas de que necessitam. Mas mesmo que exista essa mudança de mentalidade, se não existirem os recursos suficientes para dar resposta, então, continuamos a fazer de conta”, realça.

 

A Fenprof e o SPZS defendem, assim, diz Ana Simões, que o Ministério da Educação “faça, rapidamente, uma avaliação da implementação deste decreto-lei, porque temos a consciência, e o estudo comprova isso, destes diferentes níveis de entendimento do que é que se pretende com esta legislação. É necessário que o Governo e o ministério façam uma avaliação séria do que é que os alunos e as escolas precisam e que depois deem resposta a essas necessidades”.

 

A dirigente acrescenta que “é verdade que tem havido formação, mas os professores, os técnicos, os pais, os assistentes operacionais, não têm tempos no seu horário laborar para discutirem, para aferirem o que é que é melhor para os alunos, o que é que se pode fazer mais”.

 

No caso da Escola EB 2,3 de Santiago Maior, em Beja, por exemplo, diz a presidente da direção da associação de pais ao “Diário do Alentejo”, apesar dos esforços do estabelecimento de ensino no sentido de “todos os anos” solicitar os profissionais especializados para dar respostas às necessidades dos alunos, “a verdade é que existe falta”.

 

“Se, por exemplo, por um motivo qualquer, faltar uma auxiliar, é muito difícil fazer a sua substituição. E quandoestamos a falar de crianças que muitas das vezes, ou quase sempre, precisam de alguém que as apoie a tempo inteiro, quando falha esse apoio, essas crianças têm de ficar em casa e, portanto, não têm o acompanhamento diário e o ganho de competências sociais”, revela Margarida Duarte Patriarca. Verificam-se ainda situações, adianta, em que “é pedido o apoio, por exemplo, da psicomotricidade para três horas, mas esse apoio acaba por ser apenas de 45 minutos, porque o técnico tem de se deslocar para outra escola”.

 

A presidente da direção da Associação de Pais da EB 2,3 de Santiago Maior considera que “o facto de existir, também, uma maior consciencialização faz com que mais meninos, mais precocemente, sejam identificados com algum tipo de necessidade especial, o que leva a que este universo esteja a aumentar cada vez mais, e se a escola não acompanha esse aumento em termos de recursos humanos e físicos, isso acaba por ser um problema”.

 

Por isso, diz, “importaria perceber se há também, cada vez mais, professores e auxiliares com estas competências e com estas especializações. Se não há, tentar perceber o porquê. O curso não é atrativo? Será que não há vagas suficientes? Se o universo de professores é pouco, e estou convencida de que é, as pessoas acabam por concorrer para outros sítios que lhes sejam mais atrativos e favoráveis familiarmente, como os grandes centros, à semelhança do que acontece com os médicos ou com outro tipo de profissões. Parece-me que, infelizmente, é um problema transversal”.

 

Para Margarida Duarte Patriarca, “a resposta” à escassez de profissionais especializados “não é fácil e nem é direta”, ouseja, “as respostas que se possam dar hoje não vão verter, necessariamente, resultados já amanhã, porque isto é o acumular de vários anos em que esta situação não foi olhada como deveria ter sido e agora é muito difícil dar uma resposta eficaz e imediata a uma necessidade que é gritante”. Mas ainda assim, sublinha, o Centro de Apoio à Aprendizagem da Escola EB 2,3 de Santiago Maior, “uma resposta que é resultado de um trabalho excecional de conjunto entre o corpo docente de educação especial e os pais”, está a funcionar, disponibilizando “ferramentas muitoimportantes, um apoio essencial”. “Ainda não está na sua plenitude, mas está a fazer esse caminho”, afirma.

 

MEDIDAS DE SUPORTE À APRENDIZAGEM E À INCLUSÃOSegundo o decreto-lei 54/2018, as medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão são organizadas em três níveis deintervenção: universais, seletivas e adicionais. A definição de medidas a implementar “é efetuada com base em evidências decorrentes da monitorização, da avaliação sistemática e da eficácia das medidas na resposta àsnecessidades de cada criança ou aluno”. As medidas universais “são mobilizadas para todos os alunos, incluindo os que necessitam de medidas seletivas ou adicionais, tendo em vista, designadamente, a promoção do desenvolvimento pessoal, interpessoal e de intervenção social”. As medidas seletivas “visam colmatar as necessidades de suporte à aprendizagem não supridas pela aplicação de medidas universais”. As adicionais “visam colmatar dificuldades acentuadas e persistentes ao nível da comunicação, interação, cognição ou aprendizagem que exigem recursos especializados de apoio à aprendizagem e à inclusão”.

 

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