Diário do Alentejo

Como a pandemia afetou o País e o Alentejo

15 de julho 2022 - 17:00
“A pandemia de Covid-19: desafios para a saúde dos Portugueses” faz um diagnóstico nacional do anos 2020 e 2021
Ilustração | Susa MonteiroIlustração | Susa Monteiro

O relatório “A pandemia de Covid-19: desafios para a saúde dos Portugueses” foi apresentado, no passado dia 11, no 5.º Fórum do Conselho Nacional de Saúde. Um retrato de como a pandemia afetou a vida dos portugueses, com especial destaque para as questões da saúde. Na região Alentejo, a taxa de mortalidade, os crimes de violência doméstica, os hábitos alimentares e os números das cirurgias pioraram. Por outro lado, o acesso a consultas e cuidados de saúde hospitalares mantiveram-se estáveis.

 

Texto Marco Monteiro Cândido

 

O auditório António de Almeida Santos, na Assembleia da República, foi o cenário escolhido, no dia 4 de julho, para a apresentação pública dos resultados do relatório “A pandemia de Covid-19: desafios para a saúde dos Portugueses”. Realizado pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS), o relatório refere que “os direitos e liberdades individuais foram desafiados por uma omnipresente saúde pública a quem se pediu o compromisso prescritivo de atitudes que evitassem, afinal, a morte”. O documento acrescenta também que um “desafio inequívoco da pandemia” foi o lidar, por parte dos cidadãos, com a “visibilidade pública da morte e da doença” e também com “o sofrimento, o medo, a impossibilidade” de se movimentarem livremente e “a necessidade de trabalhar por obrigação atrás de ecrãs”.

 

O ALENTEJO NO PAÍS

Entre os diversos dados referidos no relatório, e no que diz respeito à taxa de mortalidade durante o ano de 2020, este aponta que houve um aumento em todo o território nacional, passando de “10,9 por mil em 2019 para 12,0 por mil em 2020”. Assim, no primeiro ano de pandemia houve um excesso de cerca de 12 mil óbitos, quando comparado com o número médio observado entre 2016 e 2019. O aumento dos números verificou-se logo a partir de março de 2020, com a região Alentejo a aparecer em segundo lugar no que diz respeito ao excesso de mortalidade: 144 óbitos por 100 mil habitantes. O Baixo Alentejo apresentou uma taxa de 153 por 100 mil.

 

Respeitante à natalidade e fecundidade, o documento apresentado pelo CNS refere que estas “podem ter sido, ou vir ainda a ser influenciadas pela pandemia e pela alteração da vida quotidiana dos portugueses”. Se em 2020 nasceram 84 426 crianças em Portugal, menos 2294 que na média dos anos 2016-2019 e, ao final de 2021 os dados provisórios do Instituto Nacional de Estatística indicavam que tinham sido registados apenas 79 548 recém-nascidos, o que corresponde a menos 4878 do que em 2020. Na região Alentejo, o número médio de crianças nascidas por cada mulher com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos, foi de 1,43 (0,04 acima da média entre 2016 e 2019). A região do Baixo Alentejo apresentou valores na casa dos 1,53, ou seja, -0.01 do que a média 2016-2019.

 

Quanto aos crimes por violência doméstica, e “apesar de o número registado pelas forças policiais ter sido menor do que em 2019 (0,1 pontos percentuais), foi superior aos registados nos três anos anteriores”, uma das regiões onde o aumento foi especialmente marcado foi, também, na região Alentejo. O relatório sublinha que “o confinamento poderá ter dificultado a denúncia das situações de violência familiar e, por isso, poderá ter havido um subestimar da magnitude deste tipo de violência”.

 

Outros dos aspetos focados no relatório “A Pandemia de Covid-19” tem que ver com os hábitos alimentares e atividade física da população. Abordado o estudo “REACT-COVID”, realizado entre abril e maio de 2020, numa amostra de 5874 indivíduos com 16 anos ou mais em confinamento, quase metade da população afirmou ter mudado a sua alimentação, com a perceção de que terá sido para pior. Questões como as alterações do horário de trabalho, o modelo de compras dos alimentos, bem como o stress vivido, mudanças no próprio apetite e receios com a situação económica, foram algumas das razões apontadas. “De facto, um em cada três inquiridos (33,7%) manifestou preocupação quanto a uma possível dificuldade no acesso aos alimentos e 8,3% indicou mesmo ter dificuldades económicas no acesso a alimentos. Estes valores são muito elevados e merecem uma análise aprofundada, mas revelam uma enorme preocupação face ao acesso à alimentação num grupo significativo da população, em particular nas regiões do sul do país (Alentejo e Algarve) e Ilhas. Coincidentemente, estas são as áreas que historicamente apresentam valores mais elevados de insegurança alimentar e que nesta crise aparecem de novo como aquelas com mais pessoas em risco”.

 

O ACESSO À SAÚDE

Ao longo dos anos 2020 e 201 observou-se, no geral, “uma quebra do número de consultas médicas nos cuidados de saúde primários, comparativamente ao período de 2016 a 2019”, aponta o relatório, sendo que, nesse período, a região Alentejo (a par com Norte e Centro) era uma das que apresentava maiores proporções de utentes inscritos com acesso a consultas, com um diferencial de cerca de 10 pontos percentuais relativamente às outras regiões de Portugal continental, o qual foi mantido durante a pandemia.

 

Quanto aos cuidados de saúde hospitalares, a redução da proporção de utentes com acesso a cuidados foi um pouco mais marcada: de 12,2 a 21, 6 por cento em 2020 das primeiras consultas hospitalares, a nível nacional. Não tendo sido das regiões onde esta quebra foi mais acentuada, o Alentejo foi, sim, uma das que teve uma recuperação especialmente marcada a valores pré-pandemia, já em 2021.

 

A área das intervenções cirúrgicas foi uma das que se ressentiu particularmente. Comparando a média 2015-2019 com o ano de 2020, a nível nacional, houve uma redução de 19 por cento no que diz respeito às cirurgias programadas. Menos cerca de 700 mil, “com redução superior (23,1%) nas cirurgias convencionais”. As urgentes reduziram 8,3 por cento, cerca de 50 mil. A região Alentejo ganha destaque neste contexto, mais propriamente nas cirurgias convencionais, com uma redução de 27,5 por cento. As cirurgias urgentes tiveram um decréscimo muito inferior nesta região quando comparado com o panorama nacional: 1,8 face a 8 a 9 por cento.

 

O número de internamentos também sofreu uma redução no Alentejo. Entre 2016 e 2019, esteve sempre próximo dos 35 mil. Em 2020 ficou abaixo dos 30 mil e em 2021 (dados de janeiro a maio) à volta dos 20 mil. Traduzido em dias de internamento, se, entre 2016 e 2019, estes estiveram sempre entre os 250 e 300 mil, em 2020 ficaram abaixo dos 250 000 e nos primeiros cinco meses de 2021 pouco acima dos 150 000.

 

Na saúde infantil, a vigilância médica a recém-nascidos, até ao 28.º dia de vida, manteve-se elevada em todo o País em 2020 e 2021, apesar do Alentejo apresentar uma ligeira redução. Já na área dos rastreios à população, o Alentejo teve uma quebra de 17 por cento, em 2020, no que diz respeito ao cancro da mama (a nível nacional a quebra foi de 10 por cento). No entanto, para o cancro colo-retal as proporções foram superiores às médias de 2016-2019 no Alentejo.

 

AS LIÇÕES DA PANDEMIA

Para o futuro, o relatório do CNS deixa 10 recomendações transversais a todo o País: estudar os efeitos da pandemia de forma “multidisciplinar, transparente, exaustiva e sistemática”, com o intuito de contribuir para “um plano que garanta a normalidade dos cuidados e a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde e do restante sistema de saúde perante futuras emergências de saúde pública”; ter mais acesso a dados em saúde, promovendo a transversalidade em todo o sistema; haver tomadas de decisão mais transparentes; identificar as áreas prioritárias para atuações mais imediatas (saúde mental, programas de rastreio e promoção da saúde), ultrapassando necessidades vincadas pela Covid-19 e pelos contextos geográficos ou sociais; robustecer o Serviço Nacional de Saúde em recursos humanos (principalmente médicos e enfermeiros), organizacionais e financeiros; reformar a saúde pública; haver uma maior coordenação para respostas melhores e mais eficazes; acelerar a transição digital; proporcionar uma melhor promoção da saúde; e, finalmente, reforçar a proteção dos mais vulneráveis.

 

 

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