Diário do Alentejo

Diretores escolares do distrito de Beja e sindicatos de professores da zona Sul criticam seriação de escolas

15 de julho 2022 - 13:30
Ilustração | Susa MonteiroIlustração | Susa Monteiro

Nos vários rankings publicados na semana passada pela comunicação social referentes aos exames nacionais do 12.º ano, as escolas privadas voltam a ocupar os lugares do topo. A publicação das habituais listas, elaboradas com base em dados oficinais do Ministério da Educação, motivou já diversas críticas por parte dos sindicatos de professores e dos diretores escolares, por compararem realidades incomparáveis.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Foram publicados recentemente os rankings das escolas referentes ao ano letivo 2020/21, elaborados pela comunicação social com base nos resultados da primeira fase dos exames nacionais do 12.º ano, segundo dados oficiais disponibilizados pelo Ministério da Educação. Devido aos constrangimentos impostos pela pandemia de covid-19, apenas realizaram exames nacionais os alunos que pretendiam concorrer ao ensino superior, à semelhança do que aconteceu em 2020 e também no presente ano letivo, deixando, assim, de ser obrigatório para todos.

 

Como é habitual, os órgãos de comunicação usaram diferentes critérios na elaboração das referidas listas de escolas agora divulgadas, optando, por exemplo, por considerar todas as disciplinas a exame ou só aquelas que têm um maior número de alunos inscritos ou ainda por excluir os estabelecimentos de ensino com um reduzido número de provas realizadas.

 

As escolas privadas voltam a ocupar os primeiros lugares dos rankings de 2020/21. Os primeiros estabelecimentos públicos aparecem por volta da 30.ª posição, variando consoante o órgão de comunicação. A publicação das listas motivou já diversas críticas por parte dos sindicatos de professores e também dos diretores escolares, à semelhança de anos anteriores. O próprio ministro da Educação, João Costa, em declarações à Lusa, disse não reconhecer nos rankings, “que são meras hierarquizações de escolas, um grande indicador sobre a qualidade do trabalho que se faz nas escolas” (ver caixa). O secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, por sua vez, desafiou o ministro a deixar de fornecer aos órgãos de comunicação as informações que dão origem aos rankings, reconhecendo que possivelmente seria “devorado” por isso.

 

De acordo com o ranking elaborado pelo jornal “Expresso”, num total de 645 estabelecimentos de ensino, contabilizando a totalidade das provas realizadas, a Escola Secundária Diogo de Gouveia, em Beja, surge como a melhor posicionada do distrito, ocupando o 126.º lugar, com média de 12,12 (356 provas). Em segundo lugar, no conjunto dos estabelecimentos do distrito, surge a Escola Secundária de Castro Verde, na posição 211, com 11,64 de média (170 provas), e, no fim da tabela, em 576.º lugar, a de Moura, com média de 9,90 (281 provas).

 

Já no ranking divulgado pelo “Jornal de Notícias”, que considera a nota das 10 disciplinas com o maior número de exames e exclui os estabelecimentos de ensino com menos de 10 provas realizadas, a Escola Secundária de Castro Verde é a melhor classificada do distrito, ocupando o 161.º lugar, com 12,52 de média (131 provas), num total de 640 escolas. Segue-se a Escola Secundária Manuel I, em Beja, na posição 276, com 11,93 de média (456 provas). No total das escolas secundárias do distrito, a Secundária de Serpa posiciona-se no fim da lista, no 556.º lugar, com 10,36 de média (166 provas).

 

DIRETORES ESCOLARES DESVALORIZAM RANKINGS 

“Ficamos sempre satisfeitos com os bons resultados dos nossos alunos, mas ser os primeiros, ser os segundos, isso neste momento não é importante”, diz ao “Diário do Alentejo” a diretora do Agrupamento de Escolas de Castro Verde, adiantando que os “rankings valem o que valem”, porque não é através dos rankings que se “faz uma avaliação da qualidade do ensino, da qualidade das aprendizagens”, uma vez que se “comparam realidades que não são comparáveis a nível nacional”.

 

Madalena Coelho sublinha que “os indicadores de avaliação de uma escola são muito mais” do que os resultados dos exames nacionais e lembra que devido ao contexto de pandemia “os alunos estão a fazer exames apenas às disciplinas específicas que necessitam como disciplinas de acesso à faculdade”, o “que faz com que os rankings de hoje não possam também ser comparados com os rankings do passado”.

 

A responsável salienta ainda que o ensino à distância originou “um acesso diferenciado à escola, por parte dos alunos, em todo o País”. “É muito difícil, de facto, aferir a qualidade do ensino de uma escola só através deste tipo de resultados, porque uma coisa é um aluno que parte com quase nada e consegue ter algum sucesso, outra coisa é um aluno que já parte com quase tudo e que, obviamente, vai ter uma classificação de topo. Mas, se calhar, o investimento que foi feito por uma escola, o trabalho que foi desenvolvido com alunos com baixas expetativas, com contextos mais complicados mesmo a nível de aprendizagem, um trabalho muito meritório e que faz com que uma escola dê muito de si, muitas vezes não se reflete nestes resultados de topo que fazem com que determinadas escolas apareçam na hierarquia das melhores, por isso tudo isto é muito subjetivo”.

 

Para a diretora do Agrupamento de Escolas de Castro Verde, a “melhor forma de avaliar as escolas é através dos mecanismos que já estão a ser, de alguma forma, implementados pela Inspeção-Geral da Educação e Ciência”, que têm em conta “um conjunto de fatores”, como, por exemplo, “a prestação do serviço educativo, a liderança, os resultados”.

 

“Estamos contentes com os resultados dos nossos alunos e vamos continuar a trabalhar para que eles tenham bons resultados, e isso é que é o mais importante de tudo”, conclui Madalena Coelho.

 

Também o vice-diretor do Agrupamento de Escolas n.º 1 de Beja considera que “os rankings, como todos os dados estatísticos, valem aquilo que valem”. “É bom ver, a nível nacional, os resultados adquiridos pelos alunos que frequentaram a escola, de resto não retiramos mais nada dos rankings”, afirma José Manuel Ferro, adiantando que “uma escola que se envaidece ou se fica por esses resultados está a agir muito mal”.

 

O responsável defende, no entanto, que, tendo em conta o contexto de pandemia, o Ministério da Educação “deveria preocupar-se mais com as escolas que apresentam médias mais baixas do que com aquelas que têm valores bastante elevados, porque as pior posicionadas são escolas que precisavam de ser apoiadas, precisavam de uma série de coisas”. E lembrando que a Escola Secundária Diogo de Gouveia recebe “todo o tipo de alunos”, sublinha que “quando os alunos de famílias desestruturadas, famílias com problemas, famílias que não podem ajudar os seus educandos, atingem bons resultados, isso mostra a qualidade do ensino da escola, mostra a preocupação do corpo docente”, porque os alunos oriundos “de famílias bem estruturadas, com ajudas exteriores, têm o dever, a obrigação, de atingir bons resultados”.

 

Atualmente, prossegue José Manuel Ferro, tanto os estabelecimentos de ensino privados como os públicos “têm um grupo de alunos tremendo que tem ajuda do exterior”, pelo que não sabe se “o resultado de uma escola, nos dias de hoje, é produto do trabalho que se exerce na escola ou se é também das ajudas externas que os alunos têm”.

 

A “forma mais correta de avaliar uma escola”, considera, “seria fazer o acompanhamento do aluno desde a entrada até à saída”. Admite, no entanto, “que na prática seria muito difícil”. “Mas o Governo também tem a sua avaliação externa que continua a decorrer nas escolas. E penso que também não liga muito aos resultados estatísticos, com o que concordo plenamente”, diz.

 

Já Francisco Oliveira, diretor do Agrupamento de Escolas n.º 2 de Serpa (que integra a escola secundária), também contactado pelo “Diário do Alentejo”, afirma que, “por norma”, não analisa nem comenta rankings escolares. O “DA” tentou ainda obter um comentário junto da direção do Agrupamento de Escolas de Moura, mas tal não foi possível em tempo útil.

 

SINDICATOS DOS PROFESSORES DA ZONA SUL DIZ QUE "CATALOGAÇÃO" É "INJUSTA"  

O presidente do Sindicato dos Professores da Zona Sul (SPZS) sublinha que a Fenprof e o sindicato que dirige têm vindo ao longo dos anos a discordar “da redutora iniciativa de se circunscrever os tais indicadores de qualidade das escolas aos resultados dos alunos em exame” e chama atenção para o facto de os resultados de 2021 não se referirem “ao fim do 11.º ou 12.º ano”, mas “apenas aos alunos que querem aceder ao ensino superior, deixando de fora largos milhares”, o que muitas vezes “passa despercebido à opinião pública”.

 

Para Manuel Nobre, esta “catalogação de escolas, em boas e más, além de injusta, não tem em linha de conta o trabalho desenvolvido pelo pessoal docente, pelos alunos e até pelo pessoal não docente”, ou seja, adianta, “acaba por distorcer a própria realidade porque apenas considera o resultado dos exames e deixa de fora tudo o resto que é o próprio papel da escola pública”.

 

“Poderíamos dar os exemplos mais incríveis, mas basta recuarmos dois anos. O tempo de pandemia é um bom cenário para ilustrar o quão importante e abrangente foi o papel da escola pública nesse contexto, em que foi feito um esforço enorme muitas vezes sem condições e sem financiamento, sem sequer haver mecanismos disponíveis para o chamado ensino remoto. Os professores, o pessoal não docente e até os próprios alunos e as suas famílias de tudo fizeram para conseguirem ultrapassar certas situações em que, se não fosse este esforço da escola pública, muitos alunos teriam perdido o contacto com a escola, teriam desaparecido. Isto é algo que não se mede em rankings. Há alunos que apenas tomam uma refeição quente quando estão na escola, há alunos que fazem a sua higiene durante as aulas de educação física, enfim, há dos mais incríveis exemplos por este país fora, tudo iniciativas e trabalho que é impossível de ser medido”. 

 

O responsável sublinha ainda que o Ministério da Educação “não está obrigado a divulgar os dados” que dão origem aos rankings, “dados esses que estão a contribuir fortemente para alimentar esta especulação entre os órgãos de comunicação social, alguns de forma mais isenta e outros com outras preocupações, o que acontece há mais de 20 anos, e que acaba por penalizar as zonas com maior complexidade social, que acabam por ser as piores, normalmente, são as escolas públicas do interior do País, de zonas mais isoladas, com mais problemas sociais, com mais dificuldades de mobilidade, com maior pobreza e exclusão”. Em vez de “tentar contrariar essa estigmatização”, prossegue o sindicalista, o Governo “continua a contribuir para essa discriminação, que acaba por desmoralizar alunos, pais e professores, a comunidade escolar em geral”.

 

Manuel Nobre considera que o Ministério da Educação poderia usar essas listagens, mas numa perspetiva “de se aperceber da evolução dos resultados escolares” e de “melhorar”. No entanto, frisa, mesmo que “que o ministério detete que há uma ou outra escola em que existem dificuldades claras, continua a não haver investimento, não dá autonomia às escolas, não permite que as escolas tomem medidas para tentar recuperar o que está mal”.

 

“Afinal, talvez as listas sirvam só para seriar as escolas no sentido de valorizar de forma clara o ensino privado em detrimento do ensino público, porque não se encontra aqui mais nenhuma razão para que existam rankings de escolas feitos desta forma. Não encontramos qualquer utilidade nestes rankings a não ser apenas continuar a atacar e a desvalorizar a escola pública para beneficiar e valorizar indiretamente os promotores privados. Como se costuma dizer, ‘a escola pública é de todos, o privado é só de alguns’”, diz o dirigente.

 

Manuel Nobre lembra ainda que um estudo do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior, da Fundação das Universidades Portuguesas, datado de 2004, “poucos anos depois” da implementação das listagens, criticava “as deficiências e o resultado desta seriação das escolas, considerando a divulgação desses dados como uma calamidade pública”. No ano seguinte, num outro estudo, apresentado no âmbito do Programa de Avaliação de Escolas com Ensino Secundário, “os investigadores criticavam os rankings por constituírem a imagem mais liofilizada e ignorante de que se pode ter sobre o que é uma escola em Portugal”. “Isto não é conversa de sindicato, são centros de investigação e entidades insuspeitas”, sublinha.

 

De acordo com Josefa Lopes, presidente do Sindicato Democrático dos Professores do Sul (SDPS), os rankings divulgados pelos órgãos de comunicação social “são muito redutores”. “É obvio que as médias altas têm algum interesse na medida em que os alunos para entrarem em determinados cursos entram de acordo com a nota que têm, no entanto, as escolas que tem as médias mais altas não são exatamente aquelas que mais se procuram com a forte desigualdade que existe entre os alunos”, diz.

 

A dirigente lembra que “há escolas onde as desigualdades são brutais, onde há alunos de diversas nacionalidades, os grupos são muito heterogéneos, as dificuldades são imensas e os professores fazem um esforço tremendo para esbater estas desigualdades”. No entanto, frisa, “é evidente que por mais que trabalhem nunca conseguirão que estes alunos tenham as médias altas de alguns colégios privados, por exemplo, para onde só vão alunos de um determinado estatuto socioeconómico e que podem muitas vezes ter explicações fora da escola, que são bem caras, o que não acontece com uma grande parte dos alunos da escola pública”. Por isso, adianta, “os números valem o que valem, mas não refletem nunca a forte desigualdade que há entre os alunos e que se nota, principalmente, nas escolas públicas, e, sobretudo, em algumas regiões”, nem traduzem o “empenho e o trabalho extraordinário que muitos professores fazem”.

 

“O ideal seria acompanhar os alunos do início de um determinado nível de ensino até ao final desse mesmo nível para vermos a evolução que fizeram, mas claro que isto dá muito trabalho e muitas vezes também os alunos têm num primeiro ano determinados professores e no ano seguinte já tem outros. Seria a situação ideal, mas difícil de praticar”, conclui.

 

MAIS DE 50 INDICADORES PARA AFERIR A QUALIDADE DAS ESCOLAS

Uma das listas mais criticada pelo Ministério da Educação é a que se limita a hierarquizar as escolas por resultados médios obtidos nos exames nacionais, ignorando os contextos socioeconómicos das comunidades escolares. “Nós temos produzido ao longo dos últimos anos muitos indicadores de desempenho nas escolas, temos mais de cinco dezenas de indicadores que nos permitem aferir a qualidade do trabalho desenvolvido”, sublinhou o ministro à Lusa. Deste pacote, João Costa destacou o da equidade porque “permite avaliar a qualidade do trabalho das escolas não apenas em função dos resultados finais absolutos, como é tradicionalmente referida a qualidade da escola, mas como cada escola promove o trabalho com os alunos em função do seu perfil”. Através deste indicador é possível perceber o trabalho da escola, já que há uma comparação entre alunos com o mesmo perfil socioeconómico, com apoios da Ação Social Escolar, que permite perceber “quão longe a escola os leva”. Esta abordagem tem sido, contudo, criticada por vários investigadores por só comparar os resultados dos alunos com ASE, em vez de fazer essa comparação também com os estudantes de meios mais favorecidos.

 

 
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