Diário do Alentejo

“A Base Aérea de Beja tem de ser a referência da excelência”

01 de julho 2022 - 10:30
Carlos Lourenço, Comandante da Base Aérea n.º 11, em entrevista ao “Diário do Alentejo”
Fotos | José SerranoFotos | José Serrano

Beja acolheu recentemente as celebrações oficiais do 70.º aniversário da Força Aérea Portuguesa. A data foi assinalada com um conjunto de eventos, com destaque para a cerimónia militar, que teve lugar no dia 1 de julho, pelas 11:00 horas, na Avenida Tenente Coronel Salgueiro Maia, e para o Festival Aéreo, no dia 3 de julho, na Base Aérea N.º 11.

 

Carlos Lourenço, Comandante da Base Aérea de Beja, sublinha a credibilidade internacional da unidade, no âmbito da União Europeia e da NATO. Acentuando a necessidade da Europa robustecer as suas capacidades de defesa, considera indispensável um esforço de investimento na Força Aérea Portuguesa, para que esta se mantenha atual, face às suas congéneres europeias. Regozija-se com a vinda de uma nova esquadra para Beja e refere os benefícios, para a cidade, da recuperação, em curso, do “bairro alemão”.

 

Nascido, em 1970, em Lourenço Marques, Moçambique, o Coronel Piloto-Aviador vive e trabalha hoje no Alentejo, região da qual revela ter interiorizado a “alma”.

 

Texto José Serrano

 

Quais os fatores que presidiram à escolha da Base Aérea N.º 11 - BA11, em Beja, como palco principal das celebrações dos 70 anos da Força Aérea Portuguesa?

A Base Aérea de Beja tem uma enorme capacidade de acolher eventos de grande dimensão. Associado ao 70.º aniversário, a BA11 recebe o Real Thaw 2022, um grande exercício militar internacional [iniciado em 26 de junho e que termina hoje], e, no nosso planeamento, que reporta há um ano atrás, foi vislumbrado, aproveitando o fim de semana que medeia o exercício, tivemos um Dia de Base Aberta à população [domingo, dia 3 de julho], com o Festival Aéreo associado, que contou com exibições aéreas de várias patrulhas acrobáticas. Há aqui uma série de situações que levam a uma natural escolha da BA11 para receber este tipo de atividades, ligada à efeméride.

 

Pelo facto de a Força Aérea Portuguesa (FAP) comemorar sete décadas, este é um festival aéreo expressivo?

70 anos é uma marca histórica e, efetivamente, a última vez que Portugal recebeu um evento desta magnitude foi em 2002, nas comemorações dos 50 anos da FAP. Que se realizou também aqui, em Beja.

 

Este recebimento das comemorações acarreta, presumo, um enorme trabalho de logística e uma enorme responsabilidade…

É demostrativo da capacidade da FAP e da BA11 em receber este tipo de eventos de grande dimensão. Só com uma equipa bem oleada e com a experiência necessária é possível fazermos bem, com competência e em segurança.

 

 

O Festival Aéreo e a exposição estática de várias aeronaves estiveram abertos ao público na BA11. Foi este um momento de excelência para aproximar a sociedade civil da instituição militar, na compreensão da sua atividade?

Eu quero pensar que sim. Está na génese da FAP a ligação à sociedade civil, sendo que é para nós importante conseguirmos transmitir-lhe a importância do nosso trabalho, que nos apaixona e nos motiva para fazermos sempre bem e melhor. Por outro lado, recebemos o apoio e o carinho de quem nos visita, neste Dia de Base Aberta, pelas funções que desenvolvemos.

 

Como classifica a atual capacidade operacional da FAP, em comparação com as suas congéneres europeias?

A Força Aérea Portuguesa tem tido a possibilidade de conseguir acompanhar o desenvolvimento das capacidades, presentes, nas várias forças aéreas, permitindo a Portugal, no âmbito das suas alianças, ombrear com outros países e estar na linha da frente. Contudo, temos de ter consciência que esse acompanhamento e essa colocação em pé de igualdade com os restantes países da NATO e da União Europeia foi feito com alguma capacidade de investimento, permitindo mantermo-nos nesse patamar, com os nossos parceiros. Há, pois, de ter consciência que o desenvolvimento tecnológico acontece, atualmente, de forma acelerada e há que fazer um esforço para conseguirmos acompanhá-lo. Não o fazendo, utilizando uma analogia futebolística, ficamos a jogar numa segunda liga. Nós temos estado a jogar na primeira divisão e temos andado a lutar pelos campeonatos, se não considerarmos o esforço de adquirirmos competências atuais iremos, nitidamente, descer de divisão.

 

Que competências são essas, indispensáveis de adquirir?

Novas aeronaves, novas tecnologias, novos métodos de trabalho e de treino. É toda uma nova envolvência de processos que está a aparecer, a que ns chamamos a quinta geração. Há um caminho que os países, dentro da União Europeia e da NATO, têm de fazer para poder atingir esse objetivo e Portugal e a FAP têm de ter consciência disso. A realidade do futuro é um presente muito atual.

 

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A IMPORTÂNCIA DA BASE AÉREA DE BEJA

 

Qual a importância da BA11 para a Força Aérea Portuguesa?

A Base Aérea de Beja, em termos de condições físicas de edifícios, de capacidade de aeródromo e de capacidade instalada dentro da base é, definitivamente, a maior no país. Também a nível europeu será uma das bases com mais capacidade para receber eventos de exercícios conjuntos, de grande dimensão. A BA11 é um importante centro, daquilo que é o coração da Força Aérea Portuguesa.

 

A avaliar pelos vários exercícios militares que se desenvolvem na Base Aérea de Beja, envolvendo forças militares aéreas de vários países da União Europeia e da NATO, podemos dizer que esta base é percecionada como um local de excelência, para esses mesmo exercícios? Quais as razões dessa excelência?

São vários os fatores que levam ao desígnio final da BA11 ser um local de excelência para receber este tipo de eventos. Um deles está relacionado com o espaço aéreo, que no centro da Europa se apresenta muito mais congestionado, pois para conseguir planear e executar missões, com muitas aeronaves e em segurança, é necessário um espaço aéreo razoável – no Real Thaw, por exemplo, vamos ter aqui cerca de 60 aviões (só os Estados Unidos participam com dezoito F-16, mas os franceses também vêm com um grande contingente) que a determinada altura estarão todas no ar, ao mesmo tempo. Há contudo um ponto que é muito valorizado e que tem a ver com a nossa competência para receber estes exercícios, que requerem um enorme planeamento. Neste ambiente internacional é muito importante ter a credibilidade necessária para sermos respeitados. E é isso que aqui acontece.

 

Quantos exercícios aéreos militares internacionais está a BA11 a receber, anualmente?

Estamos a fazer três grandes exercícios anuais, dois no âmbito da União Europeia e um no âmbito da NATO, estando os próximos três que iremos receber, em 2023, já planeados, o que atesta a nossa qualidade e competência – as pessoas voltam porque sabem que vêm a Portugal cumprir os objetivos pelos quais se deslocam.

 

Qual a importância destes exercícios conjuntos, envolvendo vários países?

Este tipo de eventos é muito importante, pois todas as forças aéreas precisam de exercícios de grande dimensão, uma vez que a complexidade neles colocados é consideravelmente superior ao normal treino quotidiano de uma esquadra. Os exercícios conjuntos envolvem uma panóplia de aeronaves diferentes, o que obriga a perceber a melhor forma de utilizar diferentes capacidades, em prol de um objetivo comum. A curva de aprendizagem dos pilotos que participam nestes exercícios é exponencial, o que lhes permite ganhar qualificações de forma mais célere.

 

Considera que, no atual contexto bélico que se verifica na Europa, e desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, a Base Aérea de Beja se constitui como um ativo de relevância acrescida?

A crise ucraniana veio consciencializar as pessoas que este tipo de cenários não são algo que estejam muito longe, que os podemos vir a ter, rapidamente, à nossa porta. Esta crise ucraniana tornou evidente que a Europa tem de fazer algo, relativamente à sua capacidade de defesa. O aspeto dissuasor é fundamental, só assim conseguiremos garantir as nossas fronteiras e que temos paz, em casa. Nesse contexto, estamos, dentro das suas alianças, a promover a efetiva segurança dos europeus. O aspeto dissuasor para a promoção da paz é uma declaração importante do que fazemos aqui, em Beja.

 

Pode a base aérea nº 11 de Beja vir a ganhar cada vez mais protagonismo?

Aquilo que fazemos em Beja, o que fazemos em Portugal, já tem um valor cimentado, a nossa credibilidade é reconhecida. Eventualmente, precisamos de promover esta ideia a nível nacional, porque desconfio que não é percecionada por toda a gente. Eventualmente, falta um bocadinho dessa consciência.

 

Essa falta de perceção de que fala está relacionada com os decisores políticos?

Este assunto diz respeito a toda a União Europeia. Havia, efetivamente, falta de consciência – e esta é a minha opinião pessoal – sobre o porquê de ter umas forças armadas capazes, de ter um plano de defesa, de investir na defesa, de robustecer as capacidades de defesa. Esta crise ucraniana veio inverter essa perceção. Atualmente, as pessoas já percebem melhor a necessidade da credibilidade da defesa. O efeito dissuasor só acontece se o teórico inimigo tiver consciência que a nossa capacidade é efetiva. Caso contrário poderá começar a ter ideias peregrinas…

 

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A BASE AÉREA DE BEJA E A CIDADE

 

Temos vindo a assistir a obras de recuperação e de valorização de vários imóveis localizados no chamado “bairro da Força Aérea” ou “bairro Alemão”, como é mais comummente conhecido, que, durante muito tempo, transmitiu uma ideia de “abandono”. A que se deve essa valorização?

Esse processo de recuperação é um caminho que estamos a fazer, desde há cerca de três anos, com muitas obras já realizadas. A torre icónica do bairro também vai ser recuperada, até ao final deste ano, estando já a ser intervencionada, no seu interior. Queremos um bairro aberto, limpo, que seja um orgulho para a FAP e uma referência para a cidade. Vamos cuidar do bairro, vamos sentir-nos nele como se estivéssemos em nossa casa e isso trará, com certeza, consequências positivas. A degradação só traz problemas.

 

É previsível que o bairro da Força Aérea venha, na sua totalidade, a ser habitado por famílias de militares?

O bairro será sempre para alojar famílias cujos militares da FAP sejam deslocados para a BA11. Temos aqui militares oriundos de muitos sítios do país e esta é mais uma capacidade para conseguir promover a estabilidade de quem para aqui vem trabalhar, dando-lhes a oportunidade de trazer as suas famílias e de aqui se fixarem. Nós temos, no bairro, uma capacidade instalada de cerca de 350 casas, que estão quase ocupadas na sua capacidade máxima. Vamos ganhar capacidade com a torre, que tem cerca de 50 apartamentos.

 

Um ganho de capacidade de acomodação que poderá ser benéfico, suponho, para os militares na nova esquadra de transportes que Beja irá receber. Para quando está prevista a sua chegada a Beja?

Essa realidade, da vinda de novos militares para Beja, vai-se iniciar ainda no final deste ano, com o primeiro avião a chegar no início de 2023. O programa contempla a entrega de uma aeronave por ano, num total de cinco aeronaves, o que significa que a esquadra irá crescer ao longo do tempo, em função do número de aeronaves recebidas. No final do programa, em 2028, a esquadra terá uma dimensão considerável – estamos a falar entre 120 a 160 militares –, o que vai trazer, definitivamente, mais famílias para Beja.

 

A Base Aérea de Beja tem ainda capacidade de crescimento, em termos de efetivos?

Nós não temos os recursos humanos que queríamos, estamos bastante abaixo desses números. Esta base já teve cerca de mil pessoas e, neste momento, estão aqui a trabalhar 650.

 

Quais as competências desta nova esquadra? 

É uma esquadra de voo de transporte estratégico, capaz de dar apoio às nossas missões de Forças Nacionais Destacadas. Vamos ganhar mais essa valência.

 

Viveu em Beja, em 1993 e 1994, no âmbito da sua formação enquanto oficial do quadro de Pilotos-Aviadores. Interiorizou, ao longo dessa estadia, alguma da “alma alentejana”?

A minha formação inicial foi feita aqui em Beja e, a determinada altura, estabeleci-me em Évora, com a família, onde continuo a residir. Gosto muito do Alentejo e dos alentejanos, da sua forma de ser, muito peculiar. Os alentejanos conseguem o melhor de dois mundos, sabendo exatamente quando é “à séria”, para trabalhar e para fazer, e quando é a brincar, conscientes da importância dos relacionamentos sociais, da vivência com os amigos. E sim, interiorizei essa “alma”.

 

Qual o legado que, enquanto Comandante da Base Aérea n.º 11, gostaria de deixar?

O nosso legado é a coisa mais importante da nossa vida. Vou fazer aquilo que é da minha consciência, sou uma pessoa muito objetiva, gosto de concretizar coisas e, nitidamente, a Base Aérea n.º 11 tem de ser a referência da excelência e da competência, dentro da Força Aérea Portuguesa.

 

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