Diário do Alentejo

Consulta de cirurgia da obesidade do hospital de Évora recebe 250 novos doentes por ano

07 de junho 2022 - 12:00

Cerca de um quarto dos 250 novos doentes que chegam por ano à consulta de cirurgia da obesidade e doenças metabólicas do Hospital do Espírito Santo de Évora – a referência hospitalar para o Alentejo nos casos de obesidade moderada ou grave – diz respeito à área de influência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba). É “de antecipar”, no entanto, diz o diretor do serviço de Cirurgia do hospital, que, “perante a evolução atual da pandemia de covid-19 e normalização do acesso aos cuidados de saúde, ocorra um aumento da referenciação”. Ao nível dos cuidados de saúde primários, na área da Ulsba, a consulta de nutrição tem vindo a registar “um aumento de encaminhamentos” de crianças e jovens, que pode ser explicado, segundo as nutricionistas dos referidos cuidados, “por uma maior sensibilização por parte dos pais/encarregados de educação” e também pelos “efeitos da pandemia”.

 

Texto  Nélia Pedrosa

 

A consulta de cirurgia da obesidade e doenças metabólicas do Hospital do Espírito Santo de Évora (HESE) – a referência hospitalar para toda região Alentejo nos casos de obesidade moderada ou grave – recebe aproximadamente 250 novos doentes por ano. Destes, cerca de um quarto diz respeito à área de influência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba).

 

De acordo com o diretor do serviço de Cirurgia do HESE e do Centro de Responsabilidade Integrada de Cirurgia da Obesidade e Metabólica do referido hospital, “é de antecipar que, perante a evolução atual da pandemia de covid-19, e normalização do acesso aos cuidados de saúde, ocorra um aumento da referenciação”.

 

A maioria dos pacientes que recorre à consulta de cirurgia da obesidade, revela o cirurgião Manuel Carvalho ao “Diário do Alentejo”, está nas faixas etárias “da quarta, quinta e sexta décadas de vida”. O sexo feminino representa 75 por cento do total de utentes e 95 por cento são referenciados a partir do respetivo médico de família.  

 

Sedentarismo e maus hábitos alimentares são os principais fatores que estão na origem dos casos acompanhados, diz ainda o diretor do serviço de Cirurgia do HESE, adiantando que a “receptividade ao tratamento cirúrgico é elevada, uma vez que é a única opção real e cientificamente comprovada para obter, nos doentes com obesidade grave e moderada, perdas de peso significativas e sustentadas, controlo e resolução das doenças associadas e melhoria da qualidade de vida”.

 

O número de doentes que procuram tratamento cirúrgico é, no entanto, “ainda muito insuficiente”, sublinha o cirurgião. Prova disso, “são as taxas ainda elevadas de obesidade” verificadas a nível nacional. Além disso, “apesar de as taxas de obesidade serem semelhantes nos dois sexos, apenas 25 por cento dos doentes que recorrem à consulta de cirurgia da obesidade são do sexo masculino. Também aqui é evidente a falta de referenciação”, frisa.

 

Segundo o Relatório da Obesidade da Região Europeia da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2022, divulgado recentemente, a maioria dos adultos em Portugal vive com excesso de peso ou obesidade. São, ao todo, 57,5 por cento (63,1 por cento dos homens e 52 por cento das mulheres). Desses, 20,8 por cento vivem com obesidade (20,3 por cento dos homens e 21,2 por cento das mulheres).

 

O relatório revela ainda que cerca de uma em cada três crianças tem excesso de peso ou obesidade. Mais de 10 por cento têm mesmo obesidade.

 

De acordo com o documento, nenhum dos 53 estados-membros europeus da OMS está “a caminho de cumprir o objetivo da OMS de travar o aumento da obesidade até 2025”.

 

“O excesso de peso e obesidade são situações clínicas com impacto negativo na saúde das pessoas. De facto, além das óbvias consequências negativas no bem-estar, auto-imagem e qualidade de vida, estas condições aumentam o risco de surgimento de outras doenças como hipertensão, diabetes, dislipidémia, apneia do sono, incontinência urinária, refluxo gastro-esofágico e muitas outras. As próprias doenças oncológicas (tumores malignos) estão muito aumentadas nas pessoas com obesidade”, diz o diretor do serviço de Cirurgia do HESE, realçando que as taxas agora reveladas pela OMS “vêm confirmar a crescente gravidade da situação em Portugal, a qual está, no entanto, alinhada com o aumento progressivo destes problemas na Europa e em todo o mundo”.

 

O relatório da OMS destaca, também, que pessoas que vivem com excesso de peso e com obesidade foram “desproporcionalmente afetadas” pelas consequências da pandemia de covid-19, pelo aumento do risco de ter doença grave caso tivessem covid, e que durante a pandemia foram feitas mudanças desfavoráveis no consumo alimentar e nos padrões da atividade física, o que teve efeitos na saúde da população.

 

Questionado sobre se a pandemia agravou a situação da obesidade ao nível da área de influência da Ulsba, o diretor do serviço de Cirurgia do HESE sublinha que não dispõe de “dados objetivos sobre este impacto, mas é algo que deveria ser estudado”.

 

Como medidas de prevenção para a obesidade e excesso de peso, que, segundo a OMS, têm dimensão de “epidemia” na Europa, o cirurgião Manuel Carvalho aponta a “intervenção precoce na melhoria dos hábitos alimentares, criação de condições em termos de infraestruturas e de alteração do funcionamento da sociedade de forma a permitir a prática da atividade física regular”.

 

PANDEMIA PROMOVEU AUMENTO DE PESO NAS CRIANÇAS 

Ao nível dos cuidados de saúde primários, na área de abrangência da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, a consulta de nutrição tem vindo a registar “um aumento de encaminhamentos” de crianças e jovens, e, “consequentemente, adesão, à consulta”. Este aumento pode ser explicado, segundo referem as nutricionistas dos cuidados de saúde primários da Ulsba, “por uma maior sensibilização por parte dos pais/encarregados de educação”. Deve-se, também, “aos efeitos da pandemia que promoveram aumentos de peso nestas faixas etárias”.

 

“A perceção que temos nos cuidados de saúde primários é que a pandemia agravou a situação [do excesso de peso e obesidade], uma vez que as crianças deixaram de ter uma vida ativa, com atividades desportivas que pararam por completo, e mantiveram os seus hábitos alimentares ou pioraram-nos. Estar em casa fechado e num ambiente desconhecido, como foi o início desta pandemia, promoveu a vontade de comer aumentando, assim, a ingestão calórica de má qualidade nutricional que, juntamente, com o sedentarismo, aumentou a prevalência de obesidade nas crianças”, reforçam.

 

As crianças que recorrem pela primeira vez à consulta de nutrição dos cuidados de saúde primários da Ulsba têm “entre os seis e os 10 anos”, sendo a distribuição por género semelhante. “Praticamente todas as crianças que são encaminhadas à consulta de nutrição têm excesso de peso”. A grande maioria tem “maus hábitos alimentares e sedentarismo”. No entanto, referem as nutricionistas, “já são encaminhadas crianças com patologias associadas, nomeadamente, hipertensão arterial e colesterol elevado”.

 

“Haverá uma resistência à insulina, mas essa análise raramente é feita. Ao longo dos anos tem-se vindo a vivenciar uma maior preocupação das famílias para este problema. Pensamos que as famílias estão a ter uma maior consciência da importância do estilo de vida na saúde destas crianças”, justificam, sublinhando, contudo, que as crianças e jovens acompanhados na consulta de nutrição representam “uma parte” da realidade.

 

Por um lado, porque “nem todas as famílias pretendem um seguimento na consulta de nutrição”. Por outro, “nem sempre é fácil mudar hábitos alimentares, principalmente, nestas idades em que somos muito permeáveis aos comportamentos e comentários dos outros”. Além disso, “os recursos humanos são escassos”, o que não permite “dar a resposta que gostaríamos a este problema que é a obesidade infantil, quer na sua prevenção, quer no tratamento”.

 

As nutricionistas dos cuidados de saúde primários da Ulsba salientam que os riscos associados à obesidade infantil “podem ser físicos, metabólicos e sociais”. “Uma criança obesa não se desenvolve da mesma forma que uma criança normoponderal (criança com “peso normal”). Além disso, tem limitações físicas como o cansaço, a falta de flexibilidade e agilidade para determinadas atividades, por exemplo, nas aulas de educação física. Estas situações levam a problemas sociais, como baixa autoestima, isolamento social. Em termos metabólicos, alterações nas glicémias, colesterol ou tensão arterial são aquelas que mais precocemente podem surgir”.

 

E no que diz respeito às medidas que permitam atenuar o problema, para além de algumas já tomadas, nomeadamente, a aplicação de taxas “aos géneros alimentícios com grandes quantidades de açúcar”, as nutricionistas defendem o aumento “da literacia destas crianças e dos seus pais/encarregados de educação”, aliás, “uma estratégia” que têm adotado nos cuidados de saúde primários, “onde, através da Saúde Escolar, conseguimos chegar a esta população”.

 

São de opinião, igualmente, que as escolas devem integrar nutricionistas, de modo “a complementar o nosso trabalho nos centros de saúde e para conseguirmos aumentar a literacia em saúde, neste caso, alimentação e nutrição”.

 

“Somos um país de obesos. Apesar de algumas medidas que têm sido implementadas para tentar diminuir o excesso de peso em Portugal, parece que ainda não são suficientes”, realçam ainda as nutricionistas, apontando, “como obstáculos, a pouca ou falta de literacia da população para perceber os problemas que o excesso de peso acarreta; a instabilidade emocional que leva a escolhas alimentares menos corretas; o ambiente económico e social em que a pessoa vive”; assim como a existência “de outros fatores que promovem o excesso de peso, como os problemas pessoais”. E concluem: “Em termos de atendimento poderá faltar um acompanhamento multidisciplinar por forma a que os utentes que chegam a uma consulta de nutrição possam estabilizar-se emocionalmente e, consequentemente, melhorar os seus hábitos alimentares”.

 

Para além do acompanhamento de crianças e jovens ao nível dos cuidados de saúde primários, a Ulsba disponibiliza uma consulta de obesidade infantil realizada no hospital de Beja. O “Diário do Alentejo” tentou obter dados junto da referida consulta, mas tal não foi possível em tempo útil.

 

ALENTEJO COM MENOR PREVALÊNCIA DE OBESIDADE INFANTIL       

Os dados do último estudo COSI Portugal, sistema de vigilância nutricional infantil integrado no estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative da OMS/Europa, coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, dá conta que, entre 2008 e 2019 (antes da pandemia de covid-19), as prevalências de excesso de peso e obesidade infantil baixaram em todas as regiões do País. Segundo o estudo, o Alentejo é a região que apresenta a menor prevalência de obesidade infantil, 9,6 por cento, sendo a média nacional 11,9 por cento, e o segundo menor resultado em termos de excesso de peso infantil, 23,8 por cento, abaixo da média nacional (29,7 por cento). A quinta ronda do COSI Portugal avaliou, no Alentejo, 526 crianças com idades entre os seis e os oito anos (274 rapazes e 252 raparigas), oriundas de 19 escolas (38 turmas) do 1.º ciclo do ensino básico. Para as nutricionistas dos cuidados de saúde primários da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, os valores apresentados pelo último COSI serão “resultado de medidas tomadas pelo Plano Nacional para a Alimentação Saudável, da Direção Geral de Saúde, juntamente com o Governo, de projetos implementados nas escolas e ao nível da comunidade e de alguma consciencialização das famílias para este problema”.

 

“A MINHA LANCHEIRA" PROMOVE ALIMENTOS SAUDÁVEIS 

Os cuidados de saúde primários da Ulsba têm vindo a implementar, à semelhança de todo o Alentejo, o projeto “A minha lancheira”, promovido pela Administração Regional de Saúde do Alentejo desde o ano letivo 2011/2012, com o principal objetivo de promover lanches escolares saudáveis através da sensibilização dos pais/encarregados de educação e dos alunos do 1.º ciclo para esta temática, tendo, no último ano, abrangido, também, o ensino pré-escolar. “O balanço é positivo, uma vez que a adesão tem aumentado, com exceção dos dois anos de pandemia. Tanto crianças como professores e pais/encarregados de educação aderem às atividades planeadas. Além disso, também temos verificado uma melhoria dos lanches escolares”, dizem as nutricionistas dos cuidados de saúde primários da Ulsba. Nos vários concelhos de abrangência da unidade, são ainda realizadas “ações de sensibilização” destinadas à comunidade escolar, “não só planeadas em sala de aula, como em dias temáticos por forma a relembrar a importância de um estilo de vida saudável”.

 

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