No passado dia 23 de abril, comemorou-se o Dia Mundial do Escutismo, também conhecido como o Dia Mundial de São Jorge, santo protetor e patrono do escutismo. O “Diário do Alentejo” foi conhecer cinco dos catorze agrupamentos da região de Beja.
Texto Ana Filipa Sousa de Sousa
À camisa creme e à saia e calção azul-escuro com meia até ao joelho a combinar juntam-se também os lenços de diferentes cores, característicos das diferentes secções. Amarelo nos Lobitos, verde-claro nos Exploradores, azul nos Pioneiros, vermelho nos Caminheiros e verde-escuro nos Dirigentes, sem esquecer toda a panóplia de cores para os escuteiros marítimos.
A confiança, a lealdade, o respeito, a atenção pelo outro, a utilidade, a amizade, a delicadeza, a obediência, a boa disposição, a pureza, o cuidado e a proteção pelo bem do outro e da natureza são os ensinamentos que cada escuteiro carrega na sua mochila em cada “caçada”. Dulce Estevão, escuteira há 12 anos e atual dirigente do Agrupamento 1380 de Vila Nova de São Bento, conta ao “Diário do Alentejo” (“DA”) que estes “são os valores básicos de qualquer sociedade” e que cabe aos escutas colocá-los “em prática para assim deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrámos, como defendia o nosso fundador Baden Powell” em 1907. Alexandra Lourenço, dirigente do Agrupamento 754 de Almodôvar, acrescenta que além do objetivo de ajudar “a construir um mundo melhor onde as pessoas são realizadas enquanto indivíduos e desempenham um papel construtivo na sociedade, propomo-nos também a integrar os escuteiros na vida católica, tornando-os elementos ativos na vida religiosa da nossa paróquia”, sendo a religião o que faz mover os Agrupamentos.
Para o chefe do Agrupamento 641 de Beja e escuteiro há 36 anos, Francisco Trindade, as ferramentas adquiridas, trabalhadas e aperfeiçoadas dentro do Escutismo são uma orientação a seguir por cada criança, jovem e adulto que faça ou tenha feito parte de pelo menos uma das 1030 comunidades educativas locais de base paroquial espalhadas por Portugal. “Nós [escuteiros] pretendemos, através da educação não formal, ajudar a que cada escuteiro se torne num cidadão alegre, ativo e útil, uma pessoa de caráter, que tem a capacidade de tomar as suas próprias decisões e gerir a sua vida. Alguém que ativamente ajude o próximo, assuma a responsabilidade das suas decisões, cumpra compromissos e complete as tarefas que aceitou, bem como alguém que procure viver de acordo com os seus valores e defenda causas que considera importantes”, explica o escuteiro de 54 anos.
Escuteiros - Agrupamento 1380 de Vila Nova de São Bento
“A PANDEMIA FOI UM MOMENTO DE QUEBRA”
Aquando do início da pandemia, em março de 2020, com a progressão das medidas sanitárias, implementadas pela Direção Geral de Saúde, os agrupamentos alentejanos, à semelhança do que ocorria em diversos setores a nível nacional, foram obrigados a suspender as suas atividades. Um período “extremamente complicado” e marcado pela incerteza do futuro que colocou o país “em casa”, o que “não é lá muito compatível com o escutismo”. “A pandemia foi para todos os agrupamentos um momento de quebra, pois impediu a dinamização de atividades, desde as semanais reuniões de secção até aos acampamentos. Foi um travão que se impôs e que se tentou contornar, tanto a nível nacional, pela Junta Central, como a nível regional, pela Junta Regional, e até ao nível local, pelos Agrupamentos”, esclarece Rui Palma, chefe do Agrupamento 938 de Vila Nova de Milfontes, escuteiro há mais de 30 anos.
Habituados aos rios, terra, sol e chuva, foram nas sessões online e nos grupos de whatsapp que se refugiaram até setembro de 2021, de modo a que “não se quebrasse o elo de ligação”. “Fomos apanhados de surpresa pelo primeiro confinamento, mas o Agrupamento tentou encontrar respostas à ausência das atividades presenciais, criando-se grupos de whatsapp com os elementos das diferentes secções, aquelas que ainda não tinham, e organizaram-se encontros online via zoom, de modo a manter o contacto com os nossos escuteiros. O nosso objetivo era de alguma forma apoiá-los naqueles momentos de tanta incerteza que vivemos no primeiro confinamento”, relata Rui Palma. O escuteiro de 45 anos explica ainda ao “DA” que “estes encontros eram de curta duração, tendo em conta a exposição que todos tivemos ao online durante o confinamento e [permitiram] construir momentos de alegria, esperança e força a todos com o foco de que iríamos ultrapassar esta situação e depressa regressaríamos às atividades presenciais”, acrescenta.
Escuteiros - Agrupamento 641 de Beja
A missão escutista, com enfoque no voluntariado, viu-se sujeita a alterar as suas dinâmicas em termos de projetos e houve quem, sem perder o espírito altruísta de entreajuda, se adaptasse. O Agrupamento 1380 de Vila Nova de São Bento, com 31 escuteiros das mais diferentes secções, optou pela “criação e partilha de vídeos de sensibilização à população com as medidas de segurança e cuidados a ter de prevenção à covid-19 nas redes sociais”. Para além dos jogos, das reflexões e dos debates sobre variadíssimos tema,s os cinco dos 14 Agrupamentos de Beja contam ao “DA” que realizaram ainda tarefas simples e práticas, como a “construção de abrigos”, a “preparação de uma cruz para o Domingo de Ramos”, a “preparação do Concelho Regional de Guias”, a “construção de fantoches”, a “divulgação de algumas músicas escutistas” e até a aprendizagem “de algumas técnicas escutistas como o morse, através de sinais de lanterna no ecrã do computador”. Também a Junta Regional de Beja organizou um acantonamento virtual “em que cada escuteiro, em casa, durante um fim de semana, viveu como se de um acampamento se tratasse, em patrulha e usando o método projeto”, ou seja, os escuteiros orientaram determinadas atividades com o propósito de atingirem um objetivo concreto num determinado tempo.
O regressar ao novo normal teve um “sabor agridoce”, uma vez que a distância trouxe consequências para a maioria dos agrupamentos. Alguns mantiveram-se desativados e os que voltaram sentiram na pele a redução do número de escuteiros inscritos e a resistência dos pais pelo receio de infeções. “Para o nosso Agrupamento este voltar ao normal teve um gosto agridoce porque primeiramente foi muito bom ter um pouco da normalidade de volta, mas por outro lado percebemos as consequências reais que a covid-19 trouxe para o escutismo, que causaram o desânimo dos elementos e até a desistência de alguns, porque a missão escutista e os seus princípios estiveram em suspenso por aproximadamente dois anos”, revela Alexandra Lourenço de 40 anos e escuteira há 12.
Ainda assim, o Agrupamento 641 de Beja, que atualmente engloba cerca de 96 escuteiros, afirma que “com as devidas precauções e com responsabilidade não só regressaram praticamente todos [os escuteiros] ” como tiveram “novas inscrições acima das expectativas”. Contudo, o voltar ao “novo normal tem sido fenomenal, a sede por atividade, acampamentos e acantonamentos flui no olhar dos escuteiros, é uma alegria que, quem vive quase não consegue explicar, é quase como um partir de correntes, como regresso à liberdade, à Sede e à natureza”, afirma o chefe de secção dos Pioneiros do Agrupamento 353 de Vidigueira, António Lúcio.
Escuteiros - Agrupamento 353 de Vidigueira
NO ALENTEJO FALTAM DIRIGENTES
As consequências da pandemia parecem agora ganhar uma leveza quando comparadas com os problemas prolongados nos Agrupamentos da região alentejana. A dificuldade logística devido à grande área geográfica, a falta de recursos financeiros, de transporte e humanos, em especial de dirigentes, preocupam os cinco agrupamentos que, por vezes, veem nos municípios e, sobretudo, nos pais o motor que faz andar os grupos. “As problemáticas dos Agrupamentos da região de Beja não são as mesmas, mas creio que na generalidade há falta de adultos comprometidos com o Movimento, ou seja, Dirigentes, o que acaba por afetar a dinâmica e o crescimento dos Agrupamentos. Ainda assim, há localidades na nossa região que têm conseguido uma maior facilidade em recrutar adultos, muitos deles são pais de escuteiros que acabam por se deixarem ‘seduzir’ e ingressar”, confirma Rui Palma.
A par desta problemática, a integrante da equipa de animação da secção de Lobitos de Almodôvar, Alexandra Lourenço, defende que estamos a caminhar para um flagelo relativamente às novas tecnologias e que é “nossa missão” ajudar na “desvinculação do mundo virtual”. Conta ao “DA” que na sua secção, que engloba crianças entre os seis e os dez anos, estas “já vêm para as atividades com alguns vícios, por exemplo o do telemóvel” e cabe à equipa de animação “combater” esta dependência, que já perceberam que “aquando do desligar dos telemóveis, os Lobitos tendem a conectar-se verdadeiramente com o imaginário da secção”, conclui.
Escuteiros - Agrupamento 754 de Almodôvar
DIA MUNDIAL DO ESCUTISMO
O dia comemora-se a 23 de abril e é também conhecido pelo Dia de São Jorge. Segundo a lenda, Baden Powell confiou a São Jorge, após este derrotar um dragão, o Movimento Escutista mundial e tornou-o no patrono e santo protetor dos Escuteiros. Na sua génese, o Escutismo apela ao sentido de entreajuda, à união e ao despertar da coragem e da força, com um desejo de cumprir a vontade de Deus, à imagem de São Jorge. Os escuteiros estão divididos consoante as idades, funcionando por secções, com os Lobitos (dos seis aos dez anos), os Exploradores (dos dez aos 14 anos), os Pioneiros (dos 14 aos 18 anos), os Caminheiros (dos 18 aos 22 anos) e os Dirigentes (a partir dos 23 anos).