Diário do Alentejo

A resiliência do turismo no Baixo Alentejo

08 de abril 2022 - 10:00
Turismo no distrito de Beja espera reconstruir-se nas próximas épocas
Foto | José Ferrolho/ArquivoFoto | José Ferrolho/Arquivo

Unidades turísticas do distrito esperam que as reservas de “última hora” salvem a época da Páscoa, mas mostram-se confiantes, até agora, apesar da instabilidade social.

 

Texto Ana Filipa Sousa De Sousa

 

Numa altura em que os dias se tornam maiores, o sol e o calor, por vezes, teimam em começar a aparecer e as saudades dos meses de verão começam a fazer-se sentir. O “Diário do Alentejo” (“DA”) foi perceber como estão as expetativas do turismo no distrito para as próximas épocas de férias.

 

A primeira que se avizinha é já a semana da Páscoa, entre 10 e 17 de abril, que, segundo os proprietários das unidades turísticas, é um dos períodos caracterizados pelas “reservas de última hora”. Margarida de Mello Moser, do Monte de Nossa Senhora do Carmo, em Vila Nova da Baronia, concelho de Alvito, garante que até ao momento estão “à espera de confirmações, no entanto há sempre as expetativas das reservas em cima da hora”, atendendo “ao atual clima de instabilidade e imprevisibilidade”, completa André Romeiro, do Monte do Alento, em Ourique.

 

Ainda que as opiniões se dividam, a esperança de “casa cheia” é um resultado que não está à vista de todos. “Para a Páscoa elaborámos um pacote especial que inclui o almoço de Páscoa que tem tido alguma procura. Neste momento ainda não estamos cheios, mas acreditamos que ficaremos com os objetivos preenchidos até à data, fruto das habituais reservas de última hora”, revela João Rosa, do Beja Parque Hotel. Também Elisabete Gonçalves, diretora do Hotel Melius Beja, concorda que “tendo em conta a experiência dos anos anteriores as reservas são feitas muito em cima da hora, ainda que nós tenhamos elaborado programas alusivos como forma de atração ao hotel e à cidade”.

 

 Por sua vez, Céu Velez, do alojamento local Casa de Marmelar, em Pedrogão, no concelho de Vidigueira, garante que “as épocas festivas são sempre de maior procura e de reservas, acontecendo frequentemente, [no meu caso], as mesmas serem feitas com alguma antecedência. Este ano para o período da Páscoa, tal não aconteceu”, afirmando ainda que até agora “ainda não esgotamos o calendário, registamos apenas reservas curtas para dias fora do período festivo”. A situação é semelhante por parte de Lurdes Santos, do Hotel Santa Bárbara, em Beja, onde as “expetativas são baixas para esta época” devido às poucas “reservas de relevo para esses dias” e nem as reservas de ultima hora de “portugueses e espanhóis” irão salvar, pois “a crise económica vai certamente influenciar estas miniférias”, refere. Também a Casa das Almoleias, em Castro Verde, que se mostra “otimista” quanto à sua “primeira Páscoa”, acredita que a “grande tendência será a mesma dos restantes períodos, as reservas em cima da hora”, muito por culpa “do clima de grande instabilidade que vivemos a todos os níveis”, revela, ao “DA”, a gerente, Sofia Justino.

 

Clima este que cisma em continuar difícil. Há dois anos o turismo foi obrigado a acompanhar as mudanças de um país em plena pandemia, onde o medo do desconhecido colocou em pausa vários setores da economia, um deles, o das unidades turísticas. Desde março de 2020, altura que marca o início da covid-19 em Portugal, que os alojamentos turísticos tiveram como base de funcionamento as normas emitidas pela Direção-Geral de Saúde e os seus próprios planos de contingência que provocaram uma mudança repentina nas rotinas do dia-a-dia, muitas que “vieram para ficar”. O intensificar da higienização, com limpezas mais demoradas, impossibilitou muitas empresas do ramo turístico a aceitar “estadias de uma noite”, como foi o caso do agroturismo da Quinta do Chocalhinho, em Odemira. “A pandemia trouxe mudanças em vários planos na nossa atividade. Após vários meses de incerteza quanto ao futuro, a nossa metodologia de trabalho sofreu alterações, com o reforçar da higienização de todo o espaço e sobretudo na relação direta com os hóspedes. Por exemplo, tornou- se impossível as estadias de uma noite, causando alterações na nossa política de mudança de lençóis e toalhas durante as estadias”, confessa Teresa Freitas, da Quinta do Chocalhinho.

 

A redução de hóspedes, a adaptação a novos horários de funcionamento para limitar os contactos entre clientes e trabalhadores, a renovação formativa dos funcionários para uma conduta mais eficiente, a compra de novos equipamentos de limpeza, como acrílicos protetores, contentores para o lixo biológico ou aspiradores próprios para a situação e a alteração dos serviços de refeições, com o fim dos buffets para as entregas aos quartos ou em modo restaurante, face à partilha de utensílios e ao acumular de pessoas dentro de uma sala sem máscaras de proteção, foram outras das atitudes tomadas. Este uso de material de proteção, como máscaras e produtos descartáveis, veio dificultar “o fluir do processo” de lazer para com os clientes, bem como aumentar o “esforço das equipas para que nada falhasse” ao unir-se o conforto e o sentimento de segurança em tempos controversos. “Tudo isto levou ao aumento da produção de resíduos, quando, anteriormente à pandemia, caminhávamos no sentido da diminuição da nossa pegada ecológica”, lamenta Elisabete Gonçalves, do Hotel Melius Beja.

 

Consequentemente, a diminuição de reservas gerou um “pequeno tremor de terra” na situação financeira dos alojamentos. O Hotel Santa Bárbara, à semelhança de outros, tomou a decisão de não encerrar, contudo foi obrigado a “fazer ajustamentos, nomeadamente ao nível de colaboradores em situação de layoff”, conta Lurdes Santos. No caso da Quinta do Chocalhinho, Teresa Freitas revela que “o corte imprevisto nas receitas refletiu-se na nossa atividade, por exemplo, estávamos a construir um pequeno SPA que sofreu algumas complicações no fluxo dos trabalhos e no atraso da sua abertura”, o que se espelha “no prolongar do retorno desse investimento”. Mas a filha do proprietário da quinta, garante que “é preciso é olhar em frente”.

 

O número de procuras também não é unanime junto dos proprietários turísticos. Se, por um lado, há quem refira que houve um decréscimo acentuado de famílias a procurar destinos de férias, por outro, há quem admita que durante a pandemia se verificou “um aumento de procura por parte de grupos de amigos e familiares”, como é o caso do Parque de Natureza Noudar, em Barrancos. “Felizmente, a procura do nosso alojamento, que se situa no espaço rural e em pleno contato com a natureza, ao longo do período de pandemia não sofreu uma quebra muito acentuada e à data de hoje já estamos a trabalhar com o total da lotação do turismo”, confirma Débora Moraes, afirmando ainda que para esta época festiva estão com “uma forte ocupação” de casais, famílias e grupos organizados.

 

Da mesma opinião partilha a Casa do Alto da Eira, em Albergaria-dos-Fusos, concelho de Cuba, que aponta a “liberdade do campo” como principal cartão de oferta. “No nosso caso, tivemos sempre procura e reservas. A segurança de se estar no campo e em liberdade foi uma das razões escolhidas por quem nos procurou e procura”, diz a proprietária, Artemisa Nobre.

 

“UM RISCO CALCULADO”

Ainda assim, houve quem, no Alentejo, aproveitasse a calma e a tranquilidade do campo para abrir, no meio de uma pandemia, um estabelecimento turístico com o “risco calculado” e ciente de que não seria uma tarefa fácil, mas que as características da região estariam a seu favor. A Casa das Almoleias, o Monte de Nossa Senhora do Carmo, a Hospedaria Casa da Vila, em Almodôvar, e a unidade de turismo rural Aqui n’al-deia, em Mértola, foram quatro dos alojamentos que estudaram a melhor forma de criar uma carteira de clientes tendo como pilar a confiança do espaço e da zona envolvente. “A Casa das Almoleias abriu em plena pandemia, a 24 de julho de 2021. Este foi um risco calculado, uma vez que preparámos o espaço cuidadosamente para que os nossos hóspedes se sentissem, não só confortáveis, como em absoluta segurança”, conta, ao “DA”, Sofia Justino. Aqui os “circuitos foram pensados para que o distanciamento entre pessoas fosse respeitado”, foram fornecidos “kits de proteção, com máscara e álcool gel, a todos aqueles que nos visitaram” e adotou-se, “para cada quarto, um período mínimo de 48 horas entre saídas e entradas de hóspedes”.

 

 Por sua vez, o alojamento rural Aqui n’al-deia, a funcionar há apenas oito meses, optou por condicionar um dos seis quartos disponíveis a colaboradores e adquirir mesas individuais para o seu telheiro de modo a limitar o número de hóspedes por espaço.

 

Contudo, a fragilidade do país levou a que vários eventos fossem diminuídos ou cancelados, o que fez com que as reservas fossem muitas vezes canceladas à última hora. Quem nos conta é Margarida de Mello Moser, que iniciou a atividade do Monte de Nossa Senhora do Carmo em 2020, onde os seus primeiros clientes foram também o seu primeiro cancelamento, uma vez que “vinham para um festival aéreo em Beja, em maio, que foi cancelado”, recorda.

 

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O RETOMAR DO ‘NOVO NORMAL’

Aos poucos, com o aliviar das medidas implementadas pelo Governo, o “novo normal” começa a fazer-se sentir. São cada vez mais os almoços com as famílias reunidas à mesa, os jantares de convívio entre amigos e a marcação de férias para descansar ou aproveitar o bom tempo. Mesmo assim, o setor do turismo é um dos mais “tardios” neste retomar de normalidade, onde a prudência e a paciência andam de mãos dadas todos os dias.

 

Para Lurdes Santos, do Hotel Santa Bárbara, o “retomar da vida normal fez-se após o segundo confinamento, quando as pessoas e as empresas reiniciaram as suas atividades, no nosso caso o retomar de operações está a ser gradual e progressivo”. João Rosa concorda: “está a ser um caminho prudente, notamos para já algum incremento nas reservas e uma maior procura nos segmentos de mercado que mais se retraíram com a pandemia, nomeadamente o mercado de casamento, reuniões, eventos e de grupo”, afirma o proprietário do Beja Parque Hotel. Também David Costa, da Hospedaria São João, em Vidigueira, espera uma boa época de reservas para o período que se avizinha”, uma vez que neste momento têm o mês de abril “com bastante ocupação”.

 

Já Teresa Freitas, da Quinta do Chocalhinho, vai mais longe e assegura que agora há a “necessidade de usufruir deste espaço no meio da natureza, depois de um período grande de restrições, tanto físico como mental. [É preciso que] a vida retome ao normal, com novos projetos e ideias renovadoras e isso é necessário para a nossa atividade”. As reservas ainda continuam a chegar com receio. Ana Martinez, da Hospedaria Casa da Vila, confessa que atualmente “ainda não se refletiu muito o movimento de hóspedes com este alívio das medidas, esperamos que com a chegada do bom tempo a situação melhore”. Já para Elisabete Gonçalves a diminuição das reservas de “clientes normais” no Hotel Melius Beja estão a “recuperar”, enquanto “as reservas de grupos que eram habituais aos fins de semana deixaram de existir”. Agora “sem certeza que se mantenha”, a diretora admite que a taxa de ocupação para alguns fins de semana “já se mostra mais animadora”.

 

A INCERTEZA DA GUERRA

Ainda sem uma recuperação solida da crise pandémica, as unidades turísticas temem agora as repercussões trazidas por uma guerra iminente na Europa. O conflito armado entre a Rússia e a Ucrânia está a fazer com que o turismo se ressinta negativamente, tanto pela insegurança dos tempos que se avizinham, como pela crise económica que já se começou a sentir na subida de preços de alguns produtos, como os combustíveis. “Depois da pandemia sentimos que este é um fator de instabilidade que se reflete a nível global. É um peso acrescido. Não são boas notícias. Para já, ainda não sentimos no imediato [as consequências da guerra], mas prevemos que o aumento dos combustíveis e de tudo em geral leve a que tenhamos também de flexibilizar menos as nossas tarifas”, queixa-se ao “DA” Teresa Freitas, da Quinta do Chocalhinho.

 

Também Elisabete Gonçalves e Lurdes Santos, do Hotel Melius Beja e do Hotel Santa Bárbara, têm receio que os turistas mudem as suas escolhas quanto aos seus destinos de férias e prefiram outros continentes, como o Brasil, e que à “última da hora” desmarquem as suas estadias para zonas neutras ao conflito. Da mesma forma, que os hóspedes nacionais sejam condicionados pelos aumentos de preços a não arriscarem em dias ou semanas de férias.

 

Ainda assim, para o Parque de Natureza do Noudar, até à data, é perspetivado “um excelente ano” com 80 por cento das reservas vindas do mercado nacional para o verão. Enquanto, André Romeiro, do Monte do Alento, acredita que o Alentejo “poderá vir a ser um destino turístico preferencial” para a próxima época balnear, especialmente para turistas de Espanha, França e Reino Unido, segundo as suas reservas.

 

O que em anos anteriores seria dado como certo face às férias escolares dos mais novos e ao bom tempo, hoje em dia tornou-se imprevisível. O setor do turismo começa agora a enfrentar outro obstáculo quando estava a restabelecer-se, uma eventual crise económica. À palavra ‘futuro’ juntaram-se mais quatro: flexibilidade, segurança, esperança e resiliência, que terão de acompanhar o setor durante as próximas épocas. Calejado da pandemia, o turismo entra agora num novo ciclo.

 

QUANDO O TURISMO SE TORNA CASA

Face ao conflito armado que espoletou entre a Rússia e a Ucrânia, em fevereiro deste ano, o número de refugiados ucranianos cresceu exponencialmente. A Casa da Vila, em Almodôvar, que abriu portas a 1 de julho de 2020, e a Hospedaria São João, em Vidigueira, já se mostraram disponíveis junto das respetivas câmaras municipais para acolherem temporariamente uma família de refugiados das muitas que chegarão ao distrito.

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