Diário do Alentejo

“Heróis da Água”: 10 anos a sensibilizar as comunidades

31 de março 2022 - 12:08

O projeto “Heróis da Água”, desenvolvido pela EMAS Beja, completa dez anos de história e o “Diário do Alentejo” foi conhecer o seu percurso, e a importância da preservação daquele bem, no Dia Mundial da Água.

 

Texto Ana Filipa Sousa De Sousa

 

O dia começa animado na Escola Básica de São Matias, a cerca de 12 quilómetros de Beja, onde os “Heróis da Água” têm paragem obrigatória para mais uma manhã de experiências que marcam os dez anos do projeto. A professora Antónia Carocinho antecipa-se a questionar os alunos do primeiro e quarto anos sobre a importância da água nas nossas vidas. Timidamente, surgem alguns dedos no ar e Lara apressa-se a dizer que “a água é importante para as pessoas viverem porque nós precisamos muito de beber água”, sendo completada logo de seguida pelo seu colega José Pedro: “e os animais e as plantas também”. Faz-se silêncio quando a professora pergunta se será só para beber que a água é uma mais-valia, mas quando reformulada a questão para “que outras atividades podem fazer com a água além de beber?”, os dedos voltam a subir e a sala fica emersa numa enorme agitação. “Podemos tomar banho”, grita uma, “e lavar os dentes”, afirma outro, “e ainda lavar a loiça e a roupa”, remata um.

 

O entusiasmo, à semelhança de anos anteriores, é grande. Não é a primeira vez que os “Heróis da Água” vão a São Matias. Muito pelo contrário: esta é uma das escolas que acolhe todos os anos, de forma voluntária, o projeto e os seus dinamizadores, e este ano não poderia ser diferente.

 

O projeto, desenvolvido pela Empresa Municipal de Água e Saneamento de Beja (EMAS) nasceu em 2012 com a necessidade de sensibilizar e educar a comunidade para a necessidade de preservar “um recurso essencial à vida”, com especial enfoque nas “futuras gerações”. Para tal, a comunidade escolar tornou-se a base para “mudar a consciência [do passado] e conseguir-se adotar hábitos mais sustentáveis” no presente e para o futuro. Ao longo destes dez anos o uso eficiente da água, ou seja, o bom comportamento a assumir, no nosso dia-a-dia, a importância da história da água para o desenvolvimento da própria cidade de Beja e o conhecimento do trabalho e da tecnologia por detrás do simples ato de abrir uma torneira foram os motes que conduziram os “Heróis da Água”, em média, a 21 escolas e 2099 alunos por cada ano letivo.

 

“A água é um motor de desenvolvimento e esta é também a mensagem que queremos passar aos mais novos: que hoje em dia é muito fácil abrir uma torneira, mas que nem sempre foi assim. Nos dias de hoje temos, nas nossas casas, o acesso a água de qualidade e segura, mas isso deve-se à muita tecnologia, às infraestruturas existentes e às equipas que trabalham diariamente de forma contínua para prestar esse serviço à população”, esclarece o coordenador da sensibilização ambiental da EMAS, Miguel Esteves Barriga. Entre debates, teatros, apresentações, experiências, puzzles e quizes interativos adaptados à idade de cada turma, os “Heróis da Água” ensinam, de forma divertida e leve, conceitos como sustentabilidade, alterações climáticas e economia circular em torno da preservação ambiental e, principalmente, da preocupação para com a água.

 

E é exatamente com um quiz, sobre como poupar a água, que a sessão em São Matias tem início. Margarida Raimundo, uma das dinamizadoras do projeto, acompanhada pela mais recente estagiária do Instituto Politécnico de Beja, Diana Sacramento, começa por perguntar se alguém das três turmas, do pré-escolar ao quarto ano, sabe como devemos poupar água nas nossas rotinas diárias. O alvoroço regressa novamente. “Devemos fechar a torneira quando estamos a lavar os dentes”, responde um dos meninos do infantário, “também não devemos encher a banheira para tomar banho”, riposta outro do terceiro ano. Com o jogo já em andamento, as crianças começam a aperceber-se da quantidade de água gasta em pequenas ações, mas o choque dá-se quando Margarida questiona para onde se deve depositar o óleo das batatas fritas depois do jantar. “A minha mãe utiliza-o várias vezes e depois deita-o pela sanita ou pelo ralo da pia”, responde António, recebendo de imediato um vasto leque de acenões de cabeça em concordância, como que confirmando essa atitude noutras casas. Este é um dos comportamentos mais comuns praticados pela população em geral e que mais consequências negativas traz para o meio ambiente, explica a também técnica profissional de ambiente da EMAS. Nada melhor que demonstrar, com uma simples experiência, o efeito corrosivo de um óleo misturado com a água: num recipiente condutivo, dividido em várias parcelas, uma das crianças derrama azeite para a primeira “caixinha”, aguardando que este caia em conta-gotas até à segunda “caixinha” com água.

“O que acham que acontece a seguir?”, interroga Margarida. “Oh, então a água e o azeite vão cair para a terceira caixinha de algodão e depois o azeite fica preso aí e só vai a água para a última caixinha”, responde, novamente, José Pedro. Aos poucos, com o passar do tempo, a quantidade de azeite é demasiada para a de água e torna-se difícil separar os dois líquidos, ainda que estes não se misturem entre eles. A terceira “caixinha” é invadida por uma “água suja” que passa na totalidade para o quarto recipiente, impossibilitando que esta água seja segura para consumo, como quando se iniciou a experiência. “Veem? É isto que acontece, numa escala muito maior, quando deitamos óleos para os esgotos. Apesar de ser possível, com muito tratamento, que a água torne a ser um pouco mais saudável, ela nunca volta a ser igual. Por exemplo, quando vocês jogam cotonetes dos ouvidos pela sanita, alguns conseguem passar pelo processo de tratamento porque são muito pequenos e acabam no mar e nos rios”, continua.

 

 

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É com experiências semelhantes que os “Heróis da Água”, ao longo dos últimos dez anos, têm criado uma empatia entre as crianças e as problemáticas em volta da água, e que têm conduzido ao “sucesso” da iniciativa.

“O balanço é extremamente positivo. Começamos logo por realçar a consolidação do projeto, já com uma década, promovido por uma empresa municipal de água e saneamento que passados todos estes anos continua com toda a sua força, a criar laços importantes com a comunidade escolar, ao ponto de hoje a temática da água fazer parte dos planos de atividades das escolas”, sublinha Miguel Esteves Barriga.

 

Se, no princípio, eram os “Heróis da Água” que procuravam as instituições de ensino neste momento o projeto com base na responsabilidade, na memória e no futuro, é o principal ponto de referência das escolas para reforçar esta mensagem à volta do meio ambiente. “Este projeto tem uma mais-valia interessante que é começarmos, por exemplo, com os miúdos do pré-escolar e acompanharmos o seu crescimento, contribuindo todos os anos para o aumento das suas noções ambientais”, continua.

 

Para a educadora Teresa Ramos, do jardim-de-infância de São Matias, “é no pré-escolar que tudo começa” e por isso faz todo o sentido que as crianças comecem a pensar e a abordar este tipo de temáticas desde tenra idade. “Por vezes, eles já chegam com algumas noções que nós não fazemos ideia que existem em crianças desta faixa etária e o reforçar delas permite, não só sensibilizá-los ainda mais, neste caso para a importância da água, mas sobretudo as suas famílias”, aclara.

 

A importância deste acompanhar e a relação emocional são dois dos pilares fundamentais que mantêm de pé os “Heróis da Água”, porque além da literacia ambiental que andará de mãos dadas durante toda a sua vida, “se pensarmos bem, a título de exemplo, os miúdos que em 2012 estavam na primária agora são provavelmente nossos clientes, porque inevitavelmente nós chegamos à casa de todas as pessoas e o projeto “Heróis da Água”, ao fim ao cabo, é de todos nós”, salienta, mais uma vez, o coordenador.

 

O reconhecimento do triunfo desta iniciativa tem sido demonstrado ao longo dos últimos anos com diferentes premiações, como em 2015 pela Iniciativa e Empreendedorismo Social, em 2017 pela Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Água (APDA) com o Tubo de Ouro na temática de “melhor ação de responsabilidade social” e, em 2018, pela Associação Portuguesa Comunicação de Empresa (APCE), onde competiu com projetos da Galp, da Associação Mutualista Montepio e até da Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (EMEL). Para Miguel Esteves Barriga este êxito é fruto, essencialmente, do envolvimento e trabalho em equipa, de todos os colaboradores, de diferentes áreas da EMAS

 

A semana de comemorações ficou ainda marcada pelas sessões na Escola Básica de Santa Maria, Santiago Maior e Mário Beirão, pela participação no IPBeja Talks, por visitas ao Laboratório da Água e pela iniciativa H2OFF que incentivou ao fecho das torneiras durante uma hora, na passada terça-feira, Dia Mundial da Água.

 

 

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“AS PERCENTAGENS DA QUALIDADE DA ÁGUA SÃO UM DOS INDICADORES QUE NOS ORGULHAMOS”

Os últimos dados da base estatística Pordata dão conta que a qualidade de água para consumo humano, no distrito de Beja, ronda os 95 a 100 por cento em termos de segurança. O que, para Carla Cavaco, administrativa executiva da EMAS, é “um dos indicadores que nos orgulha bastante, quer para nós EMAS Beja, quer a nível nacional, porque reflete o trabalho das nossas entidades e o compromisso diário”. No que diz respeito ao concelho de Beja, os dados do Pordata, referentes a 2020, colocam a fasquia nos 99,3 por cento, um número que segue a tendência nacional no que diz respeito à qualidade da água.

 

A ESCASSEZ DE ÁGUA NO MUNDO

A Organização das Nações Unidas (ONU) relembrou, durante o Dia Mundial da Água, que 2,1 mil milhões de pessoas ainda não têm acesso a serviços de água potável em segurança, alertando que quatro em cada dez pessoas têm problemas de escassez de água, e que 4,5 mil milhões de pessoas carecem de serviços de saneamento. Na mesma nota, reforça ainda que 80 por cento das águas residuais estavam em 2017 a retornar ao ecossistema sem serem tratadas ou reutilizadas e que cerca de dois terços dos rios transfronteiriços do mundo não possuem uma estrutura de gestão cooperativa.

 

QUALIDADE DA ÁGUA NO DISTRITO

Segundo o estudo do PORDATA os concelhos de Alvito (100 por cento), Beja (99,3 por cento), Moura (99,8 por cento), Vidigueira (99,5 por cento) e Cuba (99,3 por cento) são aqueles que apresentam parâmetros mais elevados em relação à qualidade da água para consumo humano.

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