Diário do Alentejo

Alentejo uma das regiões com maior risco de morte por cancro

03 de março 2022 - 15:30
Ilustração | Susa MonteiroIlustração | Susa Monteiro

Colorretal, mama e laringe são três tipos de cancro que apresentam, no Alentejo, um risco de morte maior do que seria esperado. Existe ainda, à semelhança do que se verifica na generalidade do território nacional, uma mortalidade acima do esperado por cancros do estômago e da próstata. Estas são algumas das conclusões do “Atlas da Mortalidade por Cancro em Portugal e Espanha 2003 – 2012”, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e pelo espanhol Instituto de Saúde Carlos III e que permite identificar, pela primeira vez, “manchas de distribuição transfronteiriça de alguns dos principais tipos de cancro”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

Alentejo é uma das zonas do País, a par de Lisboa e Vale do Tejo, onde existe uma mortalidade acima do esperado por cancro colorretal, segundo o “Atlas da Mortalidade por Cancro em Portugal e Espanha 2003 – 2012”, apresentado recentemente. A investigação conclui, ainda, que as regiões do Sul de Portugal apresentam uma mortalidade superior ao esperado por cancro da mama nas mulheres e por cancro da laringe (só nos homens).

 

O estudo inédito, concluído no final de 2019, foi realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e pelo Instituto de Saúde Carlos III (ISCIII), em Espanha, com o objetivo de “proceder à análise da distribuição geográfica, na Península Ibérica, da mortalidade por alguns dos principais cancros”.

 

Para a investigação foram escolhidos os 10 cancros “mais frequentes” e com “dados mais consolidados” – esófago, estômago, colorretal, pâncreas, laringe, pulmão, mama feminina, próstata, bexiga e leucemia.

 

De acordo com o instituto público português, a investigação indica “a existência de zonas de risco para alguns tumores em regiões dos dois países, o que sugere a presença de fatores de risco comuns”.

 

O Alentejo apresenta ainda, à semelhança de todo o território nacional, um excesso de risco de morte por cancro do estômago e da próstata. No caso da leucemia, destacam-se alguns concelhos do Alto Alentejo e do Alentejo Litoral e ainda o município de Alvito, no distrito de Beja.

 

Com um risco inferior ao que seria de esperar, verificado na generalidade do país, surgem os cancros do pâncreas, pulmão, bexiga e esófago (este último, com exceção da zona Norte de Portugal).

 

“Tanto quanto sabemos é a primeira vez que é feito um atlas que tem como nível de desagregação mais pequeno o nível concelhio e que abrange dois países com fronteiras comuns na Europa, Portugal e Espanha”, adianta, ao “Diário do Alentejo”, Carlos Dias, coordenador do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge e um dos autores do estudo. O também especialista em saúde pública esclarece que a investigação comparou a taxa de mortalidade de cada cancro observada em cada um dos concelhos com o que seria de esperar para esses mesmos concelhos “caso a mortalidade fosse homogénea em toda a Península Ibérica”. O efeito da idade, diz o responsável, foi “removido”, padronizando, assim, “as taxas de mortalidade”, uma vez que a probabilidade de ter cancro aumenta com a idade.

 

E embora os dados digam respeito ao período entre 2003 e 2012, Carlos Dias afirma que “não é de esperar que se observem mudanças muito grandes nas taxas de mortalidade de um ano para o outro ou em períodos de dois, três, quatro anos”. Aquilo “que se observa, geralmente”, sublinha, “são linhas de tendência, portanto, haverá certamente algumas diferenças” em relação à atualidade, contudo, “não serão de molde a alterar as conclusões que se tiram da observação destes mapas”.

 

Segundo o coordenador do Departamento de Epidemiologia do INSA, a equipa de investigadores está já a atualizar o Atlas com dados mais recentes, trabalho que se espera que esteja concluído dentro de um ano.

 

A publicação do Atlas acabou por sofrer atrasos, por um lado, como explica o especialista em saúde pública, “porque quanto se fala em dados de mortalidade específica a um nível tão pequeno há sempre uma certa demora na disponibilização desses dados pelas fontes oficinais”, e, por outro, devido à pandemia de covid-19.

 

HOMENS COM RISCO MAIOR NO CANCRO COLORRETAL, LARINGE E ESTÔMAGO

Analisando os dados referentes ao distrito de Beja, o estudo indica que no caso do cancro colorretal, considerando homens e mulheres, Beja é o município que apresenta uma maior mortalidade acima do esperado. Fazendo a comparação por género, verifica-se que existe um risco maior nos homens, com destaque para os concelhos de Beja e Castro Verde.

 

Já no cancro da mama feminina, observa-se um risco de morte superior ao esperado nos concelhos de Aljustrel, Almodôvar, Alvito, Castro Verde, Cuba, Ferreira do Alentejo, Ourique e Vidigueira. E no caso do cancro da laringe, sobressai claramente o género masculino, com risco mais elevado nos municípios de Aljustrel, Beja e Serpa.

 

No que diz respeito aos cancros do estômago e da próstata – em que não se registam, como já foi referido, grandes diferenças a nível nacional –, no distrito de Beja, o primeiro surge com um risco de mortalidade superior ao esperado em Almodôvar, Aljustrel e Ferreira do Alentejo; o segundo, em Barrancos, Ferreira do Alentejo e Moura. Ainda no que concerne ao cancro do estômago, os homens apresentam um risco superior às mulheres, evidenciando-se os municípios de Ourique, Aljustrel e Ferreira do Alentejo.

 

De salientar, ainda, que, no caso da leucemia, como também já foi referido, o município de Alvito apresenta um risco acima do esperado nas mulheres.

 

Quanto aos municípios com uma mortalidade inferior ao esperado, sobressaem, no distrito, Beja, no caso do cancro do esófago; Odemira, no pâncreas; Almodôvar e Odemira, no pulmão; e Almodôvar, Cuba e Ourique, no cancro da bexiga. Neste último caso, porém, o município de Beja apresenta um risco acima do esperado no que diz respeito às mulheres.

 

ATLAS ABRE “PISTAS” DE INVESTIGAÇÃO FUTURA

O coordenador do Departamento de Epidemiologia do INSA sublinha que o Atlas “não trabalhou os dados relativos aos fatores de risco que são mais associados ao início do cancro, nem aos fatores associados ao seu diagnóstico [nomeadamente, rastreios de base populacional] e ao seu tratamento”, pelo que não se pode “aferir” a partir das conclusões da investigação “o peso que esses fatores têm numa região ou noutra, num concelho ou noutro”.

 

Esses estudos, diz Carlos Dias, “terão de ser feitos posteriormente, quer consultando a literatura que já existe – e para muitos destes cancros esses fatores são bem conhecidos –, quer realizando estudos específicos em certas regiões, em grupos de concelhos, para se tentar aferir, de maneira mais válida, qual é o peso de cada um desses fatores na realidade concreta”.

 

Uma das vantagens “dos atlas, deste tipo de estudos geográficos”, acrescenta, é “a de abrir pistas” que permitam “responder a questões”, por exemplo, “por que é que no cancro da laringe se verifica uma mancha que abrange grande parte do Sul da Península Ibérica, sem aparentemente se deter na fronteira entre os dois países? Provavelmente estamos a falar de fatores que não têm tanto a ver com os sistemas de saúde, com o acesso aos cuidados de saúde de forma diferencial num país e noutro, mas que poderão ter a ver com outros fatores, como o consumo de tabaco, o consumo de álcool, as infeções por certos vírus”.

 

“Não temos aqui mapeada, por exemplo, a frequência de fatores comportamentais, estilos de vida, os serviços de saúde, indicadores de acessibilidade ou de desigualdade social”, reforça o especialista, frisando que se poderão apenas “lançar hipóteses”, sendo que “para muitas delas é bem possível” que sejam essas as explicações.

 

Para além da publicação de um atlas “com dados mais recentes”, a equipa de investigadores pretende estudar a ligação “entre os indicadores de mortalidade e outros indicadores associados a alguns tipos de cancro, como certas fontes de poluição ambiental e as desigualdades sociais, entre outros”, revela Carlos Dias. Muito provavelmente, diz, “a questão das desigualdades sociais” será a “primeira a ser explorada”, porque, “pela literatura, sabe-se que a uma maior desigualdade social está associada uma maior mortalidade por cancro”.

 

Isso não impede, contudo, “que outros grupos de investigadores possam ver aqui pistas para desenharem os seus próprios estudos”, de modo “a trazer mais conhecimento” sobre “a mortalidade” mapeada pelo Atlas, frisa.

 

A propósito da publicação do estudo, e também do Dia Mundial de Luta contra o Cancro, que se assinalou no passado dia 4, o coordenador do Departamento de Epidemiologia do INSA frisa que, nas “últimas semanas, vários especialistas vieram chamar a atenção para a necessidade de se reforçarem os rastreios de base populacional”, o que se traduz “num efeito positivo” da edição do Atlas.

 

Carlos Dias considera que seria interessante aplicar “as técnicas de epidemiologia espacial e de mapeamento não apenas ao cancro, mas a outras doenças e aos fatores de risco”, porque “a visualização do espaço em termos de mapas da distribuição, quer da doença, quer dos fatores de risco, mas também dos fatores protetores, tem um impacto muito grande sobre as populações, sobre os meios de comunicações social, sobre os decisores, sobre os próprios médicos especialistas nesta área”.

 

O especialista defende, ainda, que se deverá “olhar para as zonas” que apresentam um risco de mortalidade inferior ao esperado “e estudar que fatores de risco, que fatores protetores, que organização de serviços, que literacia em saúde é que essas zonas e esses grupos de concelhos revelam”, porque poderão lançar “pistas” para “melhorar a situação no resto da Península Ibérica”.

 

Ainda que o Atlas não se tenha focado diretamente sobre os fatores de risco associados ao cancro, aponta alguns, nomeadamente, o tabagismo, consumo de álcool e dietas ricas em carnes processadas, como salsichas e hambúrgueres, no caso do cancro colorretal; o álcool e tabaco, mas também outros fatores, no caso da laringe; o tabagismo, exposição ao fumo passivo do tabaco e à poluição do ar, no cancro do pulmão; ou o tabagismo, certas terapias hormonais durante a menopausa, alguns contracetivos orais e ser mãe pela primeira vez após os 30 anos, além de obesidade e consumo de álcool, no caso do cancro da mama feminino.

 

CANCRO DO PULMÃO É O MAIS MORTÍFERO, COLORRETAL O MAIS DIAGNOSTICADO

Para além da análise do período entre 2003-2012, o Atlas revela alguns dados relativos a 2018. Segundo o estudo, nesse ano, o cancro mais mortífero em Portugal foi o do pulmão, com incidência e mortalidade superiores nos homens. Em termos de diagnóstico, ocupava o quarto lugar. A nível nacional, os óbitos por este tipo de cancro representaram, em 2018, 16,3 por cento das mortes por cancro. Nesse mesmo ano, o cancro colorretal foi o mais diagnosticado em Portugal e o segundo mais mortal. No caso dos homens, o mais diagnosticado foi o cancro da próstata, que ocupava o terceiro lugar na lista com maior mortalidade.

Exclusivamente nas mulheres, o cancro da mama foi o que apresentou a maior incidência, sendo o segundo mais mortal. No índice de doenças oncológicas mais mortais, os cancros colorretal e da mama foram os segundos causadores de mais mortes, seguindo-se os cancros de estômago e da próstata.

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