Diário do Alentejo

Será o streaming o futuro do entretenimento e da informação?

03 de março 2022 - 10:30
Ricardo Martelo | Jorge Miguel | Carolina Português

O “streaming”, conceito ainda pouco familiar entre a maior parte da população, principalmente em faixas etárias mais velhas, é um dos maiores fenómenos da atualidade em diferentes partes do globo, Alentejo incluído. Há quem o assemelhe aos programas comuns transmitidos pelas televisões e quem veja nele a transição para o futuro da informação e do entretenimento.

Ricardo Martelo, de Beja, Jorge Miguel, de Elvas, e Carolina Português, de Cuba, fazem parte da comunidade streaming do Alentejo e explicam ao ‘Diário do Alentejo’ (DA) o que é este “novo” mundo de entretenimento digital.

 

Texto Ana Filipa Sousa De Sousa

 

O streaming consiste na transmissão online de conteúdos informativos ou de entretenimento em “tempo real para os chamados viewers (público) assistirem”, “ao mesmo tempo que interagem através de um chat com o streamer”, conta ao DA, Ricardo Martelo, o streamer zBio.

 

De forma mais simplificada e por outras palavras, “os streamers são profissionais ou amadores que utilizam ferramentas de transmissão ao vivo”, com o auxílio de computadores e os seus periféricos (como por exemplo: placas de vídeos, processadores, câmaras ou aparelhos de som) para fazerem chegar os seus conteúdos, em direto, até aqueles que os assistem, acrescenta o fundador da comunidade G4mers Alentejanos (G4) e streamer, Jorge Miguel.

 

Estes conteúdos podem estar relacionados com diversos temas, desde a educação, à literatura, passando pela saúde, a filosofia, a música, as artes, a culinária, os trabalhos manuais ou a política. Contudo, os mais usuais são os de transmissão de jogos, onde o streamer se encontra a jogar enquanto é assistido e ajudado pelos seus viewers, revelam. Por exemplo, na temática da saúde, o gaming (nome dado ao ato de jogar) é muitas vezes utilizado na reabilitação em lares, hospitais e centros, permitindo despertar e evoluir os sentidos cognitivos, a capacidade de tomar decisões rapidamente e o aumento da mobilidade.

 

Paralelamente, existe também o just chatting, nome dado à interatividade entre quem transmite e quem assiste, que, em muitos casos, combate o isolamento social e a depressão.

 

Tal como acontece para os apresentadores de televisão, são várias as características essenciais para se ser um bom streamer, como ser divertido, constante, dedicado, criativo, simpático, comunicativo e, sobretudo, “ter na sua rotina algum tempo livre disponível para poder investir na construção do conceito da sua stream, de sobreposições gráficas que enriquecem a experiência do espectador, da sua comunidade online através de diferentes redes sociais, e, claro, para passar um bom tempo unicamente em frente a um computador”, revela Carolina Português, streamer com 11600 seguidores e mais conhecida no online por inapanina.~

 

Este mundo, aparentemente complexo, é, na realidade, algo muito similar ao que nós já conhecemos, mas adaptado ao mundo online. Por exemplo, quando assistimos na televisão a debates ou a programas de entretenimento durante a manhã e tarde, em direto, estamos a usufruir de um fenómeno idêntico ao que ocorre no streaming. Enquanto, na televisão, o público assiste a receitas culinárias, cantores, histórias de vidas ou participa em passatempos, sobretudo, através de chamadas telefónicas, no streaming, o usufruto de todas essas atividades é feito em direto, de forma livre e espontânea, através de um chat escrito.

 

“Nós somos os maiores inimigos da televisão, visto que temos conteúdo mais diversificado e dedicado, a televisão tem programação própria e nós nas diversas plataformas stremamos um pouco de tudo dependendo das diversas categorias que cada um escolhe” e do que o próprio público deseja, afirma o streamer de 43 anos, Jorge Miguel. Ricardo Martelo vai mais longe e assegura que o ser streamer profissionalmente será algo factual, “tal como existem profissões como animador sociocultural, atrizes e atores que entretêm as pessoas tanto na televisão como em salas de teatro, qual é a regra que nos diz que entretenimento digital não pode ser considerado profissão?”. Contudo, esta realidade ainda não é 100 por cento palpável, uma vez que “não é fácil viver só do streaming”, lamenta.

 

“Em países como os Estados Unidos da América esta realidade é mais comum e lucrativa, no entanto, também é possível obter lucros em Portugal, e já há alguns anos que é possível fazê-lo”, completa a estudante de mestrado de Estudos Internacionais, Carolina Português. Porém, quem consegue este feito “está num patamar mais elevado”.

 

Estes “apoios”, como Ricardo Martelo lhe chama, são conseguidos através de doações, subscrições, afiliações, publicidade, parcerias e patrocínios entre os viewers e as plataformas de transmissões, como a Twitch.

 

Os lucros costumam ser influenciados por diversos fatores, principalmente o conteúdo transmitido, a personalidade do streamer, a frequência da transmissão e o próprio número de visualizações. Este último divergente, também ele, do dia da semana, da hora, da duração e do tipo de transmissão.

 

“Muito sinceramente o número de visualizações ou de pessoas a assistir pode diferir ou variar [dependendo] do dia, da hora, do tipo de jogo ou conteúdo. Não há um número especifico, mas sim algumas metas a bater, as quais nem sempre se conseguem atingir, mas isso é o que menos importa, porque, no fim de contas, o objetivo é sempre cumprido desde que, quem assiste, se divirta e se entretenha com o que transmitimos”, assegura, ao ‘DA’, Jorge Miguel, confirmando que as suas transmissões duram cerca de duas horas. Ricardo Martelo, exemplifica: “eu já senti que fiz uma live (direto) excelente apenas com duas pessoas, porque senti que essas pessoas se estavam a divertir e ao ver os seus sorrisos soube que ajudei a melhorar a noite de alguém, o que para mim faz uma live excelente!”.

 

No entanto, Carolina Português afirma que “o conceito de bons números para se considerar uma “excelente” stream é relativo e deve-se adaptar às realidades de cada país e também ao apoio da comunidade do streamer. Ou seja, ainda que tenha uma média baixa, o streamer pode ter um excelente apoio, da mesma forma que, mesmo tendo uma média alta de espectadores, pode ter uma comunidade quase inexistente”. Acrescentando que “na realidade portuguesa provavelmente qualquer stream com uma média acima de 100 espetadores está num ótimo caminho, ainda mais porque ao ter esta média pode se tornar parceiro da Twitch”, revela a jovem que no último mês registou uma média de 150 espetadores e 44 mil visualizações em direto.

 

Como em qualquer atividade lúdica ou profissional, também o streaming possui códigos e regras específicas para os streamers e as suas transmissões. Desta forma, cada aplicação de transmissão têm os seus próprios Termos e Condições, na Twitch chama-se TOS, e permitem “manter o bom funcionamento e respeito entre as comunidades”. De uma forma geral, os conteúdos que incluam pornografia, nudez, racismo ou xenofobia são amplamente proibidos e o “código moral” dos streamers prevê o bom senso e a educação como pilares fundamentais.

 

“Todos os streamers têm regras para cumprir, há certas expressões que não podem ser ditas em live, pois vão contra as regras, diferente do Youtube por exemplo, uma vez que algo dito num vídeo que vá contra os seus códigos pode facilmente ser editado, contrariamente em direto, pois sendo dito prejudicar-nos-á imenso e rapidamente”, constata o jovem de 25 anos, Ricardo Martelo.

 

Quem frequenta e utiliza usualmente outras redes sociais, como o já falado Youtube, Instagram, Tik-Tok ou Twitter, também encontra parecenças entre estes dois mundos digitais. Na verdade, estes “grupos” online são transversais aos restantes e servem de sustento uns aos outros, ou seja, “é comum os streamers acabarem por espalhar o seu conteúdo para o Youtube ou Tik-Tok e terem contas de Instagram ou Twitter ativas” para manterem o contato com os seus viewers. Tornando-se conjuntamente influencers (nome dado a uma pessoa que influência outra no mundo digital) e/ou youtubers (nome dado a uma pessoa que produz conteúdos para o Youtube). Como é o caso do streamer Jorge Miguel que começou a transmitir no seu canal do Youtube até fazer “a transição lentamente” do seu público de lá para a plataforma Twitch, onde transmite atualmente.

 

Se recordarmos outra vez os apresentadores de televisão, voltamos a encontrar semelhanças entre estes dois mundos do entretenimento. Que apresentador de televisão ou ator não tem uma conta aberta numa destas redes sociais? Certamente dará para contar pelos dedos das mãos aqueles que, independentemente da sua idade, não a têm. São, portanto, mais as características que os unem do que as que os separam. E caberá ao tempo, à inovação e à população dizerem se o ato de ligar um computador e assistir a um streamer se tornará uma realidade tão habitual e rotineira como o gesto de ligar a televisão e assistir a qualquer um dos múltiplos apresentadores que nos dão os “bons dias” ou as “boas tardes” diariamente.

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