Texto Manuel Baiôa, Doutor em História Contemporânea
A 8 de novembro de 1925 tiveram lugar as últimas eleições legislativas da I República. Nesta fase alguns dos problemas políticos estruturais do regime republicano permaneciam ativos e outros tinham-se agravado. A permanência constante do Partido Republicano Português (PRP) no governo tinha levado a um desgaste político das suas figuras mais emblemáticas. As constantes acusações de fraude, corrupção e a não resolução dos problemas sociais, sujeitaram-no aos ataques cada vez mais cerrados da oposição e da imprensa. Em simultâneo, o PRP mostrava-se pouco coeso, uma vez que a indisciplina parlamentar dos seus membros levava a quedas cíclicas dos governos que organizou. Essas quedas contaram frequentemente com o voto ou a omissão de vários parlamentares democráticos.
As eleições de 1925 surgiram num contexto de maior mobilização do que as eleições anteriores e com a apresentação de um maior número de candidaturas. Foram seguramente as mais disputadas no Alentejo, já que o PRP se viu confrontado com a dissidência da Esquerda Democrática e com a afirmação de um bloco conservador, que, para além da Causa Monárquica/Partido Monárquico (PM), contava com o Partido Republicano Nacionalista (PRN) e a União dos Interesses Económicos (UIE). Nesta região houve também listas do Partido Republicano Radical (PRR), independentes e regionalistas. Houve ainda um candidato do Partido Comunista Português (PCP), em Beja, inserido numa lista patrocinada pela Esquerda Democrática. Ausências notadas foram as do Centro Católico Português e do Partido Socialista Português, o que não impediu que os seus dirigentes se tenham mobilizado para apoiar outras candidaturas.
O PRP disputou as maiorias (com dois candidatos) em todos os círculos, com exceção de Évora, onde apresentou apenas um candidato. O PRN apenas apresentou dois candidatos nos círculos de Elvas, Aljustrel e Beja; já nos restantes círculos limitou-se a disputar as minorias com um candidato. A dissidência da Esquerda Democrática provocou um forte abalo nalgumas estruturas do PRP do Alentejo, uma vez que se transferiram grande número de antigos notáveis e membros do PRP, bem como alguns centros políticos e órgãos de imprensa local para o novo agrupamento político. A Esquerda Democrática disputou as maiorias em Évora, Estremoz e Beja (aqui em coligação com o PCP) e as minorias em Elvas. Todavia, não se apresentou com candidatos em Portalegre e Aljustrel. A UIE tinha uma organização com estreita ligação às confederações patronais do Alentejo e apresentou um candidato nos círculos de Portalegre, Elvas, Évora e Estremoz. O Partido Monárquico apenas apresentou um candidato nos círculos de Portalegre e Elvas, embora o Conselho Superior da Política Monárquica recomendasse aos seus correligionários o voto nos candidatos Severino de Santana Marques (Portalegre) e Eduardo Fernandes de Oliveira (Elvas) da UIE. O Partido Republicano Radical disputou as maiorias em Évora e as minorias em Estremoz. O Partido Comunista Português, como se disse, apresentou um candidato em Beja em coligação com a Esquerda Democrática. Quanto aos candidatos independentes e regionalistas, apresentaram-se três em Portalegre, três em Estremoz, um em Beja e três em Aljustrel.
Em cada círculo eleitoral formaram-se coligações e acordos tendo por base não só questões ideológicas mas principalmente questões de ordem estratégica e pessoal. A Esquerda Democrática converteu-se na “herdeira natural” do PRP em Évora e Estremoz, já que parte da direção distrital e concelhia do PRP aderiu à dissidência esquerdista e o órgão de informação do PRP no concelho de Évora, “O Democrático”, passou a defender as teses dos “canhotos”. A Esquerda Democrática transformou-se assim, no principal adversário político das forças conservadoras. Em Beja houve um acordo entre a Esquerda Democrática e o Partido Comunista Português, tendo apresentado no mesmo boletim de voto os nomes de Pedro Januário do Vale Sá Pereira e Manuel Ferreira Quartel.
A seleção dos candidatos a deputado era um momento de alguma pressão e tensão entre os órgãos diretivos centrais e os órgãos locais dos partidos. Várias candidaturas foram impostas pela força dos notáveis, embaraçando por vezes a posição dos diretórios. No final de setembro iniciaram-se os preparativos para a escolha dos candidatos nacionalistas no distrito de Beja. No entanto, não se chegou a acordo, tendo havido duas reuniões com sinais opostos. Os dirigentes da comissão política municipal de Beja, do centro político do PRN, do jornal.
“O Bejense” e alguns membros da comissão distrital decidiram apoiar as candidaturas de António Aresta Branco e Joaquim Lança. Porém, os outros membros da comissão distrital e as outras comissões concelhias do distrito fizeram nova reunião onde decidiram apoiar as candidaturas de Jaime António Palma Mira e José do Vale de Matos Cid.
Como o diretório acabou por apoiar estes últimos candidatos, as estruturas políticas que não viram vingar a sua pretensão dissolveram-se em protesto e recusaram-se a apoiar os candidatos indicados. Muitas individualidades da capital do Baixo Alentejo abandonaram o PRN e decidiram “adotar” António Aresta Branco como o novo patrono do novo Centro Republicano conservador de Beja. Esta mudança ocorreu quando faltavam apenas cinco dias para as eleições legislativas.
A cisão da Esquerda Democrática também teve consequências em Beja. O Centro Democrático Bejense foi expulso das estruturas do PRP pelo diretório no dia 24 de setembro de 1925. O motivo invocado foi o seu protesto contra a irradiação de vários membros da ala esquerda do PRP. Os delegados das comissões políticas democráticas do círculo de Beja reuniram no dia 18 de outubro de 1925 para escolherem os candidatos às eleições. Após a votação, verificou-se que os nomes indicados tinham sido: Paulo Limpo de Lacerda e Henrique Augusto da Silva. Alguns democráticos preferiam que o antigo deputado por Beja, Pedro Januário do Vale Sá Pereira, fosse o escolhido. Contudo, devido ao conflito existente entre o “austero republicano e o diretório do partido, foi posta de parte a indicação da sua candidatura”. No entanto, um conjunto de antigos correligionários do PRP, nesse momento afetos à Esquerda Democrática, avançou com a candidatura de Sá Pereira “em oposição à lista oficial do partido”. Para “O Porvir”, afeto à corrente conservadora do PRP, esta candidatura extraoficial “não tem nenhumas probabilidades de triunfo, servirá apenas para dividir as nossas votações, resultando somente, desse facto, vantagens para os candidatos adversários do nosso partido”.
Em Aljustrel, Brito Camacho tinha sempre a sua eleição confirmada, mas decidiu abandonar o Parlamento em 1925, pelo que “deu os seus votos” a António Lobo de Aboim Inglês, que recebeu a sanção das estruturas locais e do diretório do PRN.
A CAMPANHA ELEITORAL
Nestas eleições a campanha eleitoral ainda decorreu de forma tradicional. Os candidatos deram entrevistas e divulgaram manifestos na imprensa partidária, que insistia no apelo ao voto através de editoriais. Os notáveis discursaram em banquetes e em comícios realizados principalmente em salas de espetáculo ou nos centros políticos. Os candidatos procuravam essencialmente o amparo dos “grandes eleitores” ou dos caciques. Este apoio, assegurado através do contacto direto ou por intermédio de cartas particulares, permitia-lhes o controlo de um determinado número de votos. Quando visitavam um determinado local, a prioridade ia, pois, para o convívio com os notáveis e não com os eleitores comuns.
Em Aljustrel, o candidato a deputado pelo Partido Republicano Nacionalista, António Lobo de Aboim Inglês, recebeu o testemunho de Brito Camacho, que praticamente lhe garantia a eleição. Daí ter feito uma campanha eleitoral bastante tranquila, limitando-se a distribuiu um manifesto de cariz conciliador que procurava cativar um eleitorado moderado.
A cisão do PRP no verão de 1925 teve um forte impacto no Alentejo. Em Évora e Beja uma grande parte dos dirigentes e dos seus membros foram irradiados do PRP e aderiram à Esquerda Democrática. Os Centros Democráticos Republicanos de Évora e Beja passaram a apoiar a Esquerda Democrática. O mesmo monopolista ou dos exploradores e traficantes do património nacional”. Sá Pereira, na sua intervenção, resumiu os temas que o iam guiar se fosse eleito deputado na próxima legislatura. Começou por criticar alguns dos últimos governos da República, pois “por uma errónea compreensão das leis do equilíbrio social e falsa interpretação dos interesses coletivos, têm-se posto ostensivamente ao lado da classe capitalista contra as forças produtoras do país”. Defendeu a proteção da indústria corticeira, e denunciou a mudança da pauta aduaneira sobre a importação de algodão que apenas beneficia um “milionário eleiçoeiro do Porto”. Sobre a questão dos latifúndios defendeu que não se pretende “atacar o direito de propriedade. O que se pretendia era “condicionar a sua posse”, para que “ela possa gradualmente ir passando para a mão daqueles que a trabalham e valorizam”. Em relação à educação a sua ação iria pautar-se por conseguir “tornar a instrução gratuita”.
A campanha eleitoral dos comunistas centrou-se na crítica ao anarco-sindicalismo pelo seu abstencionismo e no perigo monárquico e fascista, que deveria ser combatido pela revolução e pela união das forças progressivas. No círculo de Beja realizaram-se duas sessões de propaganda eleitoral. A primeira teve lugar no dia 1 de novembro no teatro de Moura. Foi organizada pela célula comunista local, sendo presidida por Álvaro Fialho, secretário-geral da referida célula. O presidente da mesa deu a palavra a dois camaradas, Manuel Martins e Manuel Ferreira Quartel. O primeiro defendeu a necessidade dos “trabalhadores, e em especial a classe rural, se agruparem em volta da bandeira do Partido Comunista” única forma dos proletários conquistarem “o poder político” e se emanciparem “da burguesia exploradora”. O segundo, que era o candidato do PCP pelo círculo de Beja, defendeu que os parlamentos daquela época eram “pura e simplesmente a representação dos diversos grupos financeiros, comércio, indústria e agricultura, que ali mandam os seus representantes para defender única e simplesmente os seus interesses”. Deu como exemplo “as deportações sem julgamento, levadas a efeito por governos reacionários” que não seriam tão fáceis de realizar se estivessem nessa época deputados operários que “levantassem a sua voz”. No dia 3 de novembro realizou-se em Beja um novo comício organizado pela Federação das Células deste distrito. Manuel Ferreira Quartel voltou a insistiu nos mesmos temas que tinha abordado em Moura.
Os delegados das comissões municipais do PRP do círculo eleitoral de Beja reuniram no Governo Civil no dia 19 de outubro e decidiram escolher como candidatos Paulo Limpo de Lacerda e Henrique Augusto da Silva. Os órgãos locais do PRP receberam uma carta de José Romão dos Santos Ferro, manifestando o desejo de ser candidato a deputado pelo PRP pelo círculo de Beja, mas tal pretensão não foi aceite, embora fossem louvadas as suas “altas qualidades de carácter e inteligência”. Nesse mesmo dia, Santos Ferro, publicou um artigo de opinião no jornal bejense “A Pátria”, intitulado “Política de Hoje”, onde expôs algumas das suas ideias para renovar a elite política do Congresso e para reformar a República: “Não pode continuar o espetáculo vergonhoso de um parlamento composto por acionistas de grandes empresas e por empregados de casas bancárias. Há, portanto, que elaborar uma rigorosa lei de incompatibilidades. Há também que alargar o sufrágio e dar representação política a todas as correntes de opinião”.
José Romão dos Santos Ferro acabaria por avançar com a sua candidatura a deputado, apresentando-se como “regionalista”.
No dia 7 de novembro, um dia antes das eleições, o candidato a deputado pelo PRP no círculo de Beja, Henrique Augusto da Silva, deu uma entrevista ao jornal, “O Porvir”, tentando cativar o eleitorado da ala esquerda do republicanismo, que poderia ser seduzido pela Esquerda Democrática. Henrique Augusto da Silva lamentou que alguns dos seus amigos tivessem abandonado o PRP, pois teria sido preferível constituir uma corrente política e lutar “pelas reformas de carácter económico-social […] dentro do partido”, pois essas reformas “estão no seu programa e também no ânimo de todos os que, respeitando a vontade da maioria, acatam as decisões do diretório”. Em relação às questões locais defendeu a necessidade de criar uma “escola de ensino elementar, agrícola e colonial, em qualquer herdade, no nosso distrito, e transformar a Escola Primária Superior de Beja, em escola industrial e comercial”.
A União dos Interesses Económicos (UIE) programou uma sessão de propaganda política na Associação Comercial de Beja para o dia 2 de novembro, mas o ambiente hostil face às “forças vivas”, aconselhou o seu cancelamento.
Embora tenham surgido nestas eleições alguns sinais que apontam para uma maior disputa eleitoral e para um maior pluralismo nalguns círculos, na verdade, os resultados eleitorais continuavam a depender mais das negociações de poder entre os notáveis do que da soma das vontades individuais.
OS RESULTADOS
Após a proclamação dos deputados pelas comissões de verificação de poderes constatou-se que o PRP ganhara as eleições com maioria absoluta a nível nacional.
No Alentejo venceu o PRP. Mas elegeu apenas sete deputados (38,9 por cento), quando em 1922 tinha eleito 11 deputados. O PRP obteve a maioria em Portalegre e Aljustrel, a minoria em Beja; em Évora e Estremoz registou-se um empate. Em Elvas, porém, o PRP não conseguiu eleger nenhum deputado. O que demonstra o forte impacto da dissidência da Esquerda Democrática no Alentejo, já que, dividindo os notáveis, dividiu também os votos que anteriormente iam para os democráticos.
O jornal democrático “O Porvir” lamentou não terem sido eleitos dois deputados no círculo de Beja. Atribuiu esse facto à indisciplina partidária, “que fez com que se cortassem a esmo nomes de candidatos nossos, que foram substituídos por nomes de adversários”. Em Beja, donde era natural o candidato do PRP, Henrique Augusto da Silva, cortara-se fortemente o nome do seu companheiro de lista, Paulo Limpo de Lacerda. Em Moura, porém, este fora protegido, já que era o candidato da terra. Em contrapartida, foi Henrique Augusto da Silva quem sofreu cortes em grande número. Por vezes, eram os próprios membros da lista que incentivavam este comportamento, pois se suspeitassem que uma das listas concorrentes era mais forte do que a deles, estaria apenas em disputa uma vaga de deputado. O que implicava que os colegas de lista passavam a adversários diretos.
O Partido Republicano Nacionalista elegeu seis deputados no Alentejo (33,3 por cento), o que representava uma ligeira redução face às eleições de 1922, onde o Partido Republicano Liberal elegera cinco deputados e o Partido Republicano de Reconstituição Nacional dois deputados. O PRN obteve as maiorias em Beja, as minorias em Aljustrel; conseguiu um empate em Elvas, Évora e Estremoz e não elegeu nenhum deputado em Portalegre. Esta situação é parcialmente explicada pela dissidência de Álvaro de Castro, que fragilizou seriamente o partido. Ainda assim, conseguiu no Alentejo um resultado acima da média nacional.
A Esquerda Democrática (aliada ao PCP) acabaria por não eleger nenhum deputado no Alentejo. Este desfecho foi fruto da concertação das forças políticas do centro e da direita contra esta nova organização e pela ação tendenciosa do PRP nas comissões de verificação de poderes da Câmara dos Deputados.