“Oil Dorado” é o novo livro documental do geógrafo e fotógrafo André Paxiuta que reflete “as consequências ambientais e sociais do novo paradigma agroindustrial de olivicultura intensiva e superintensiva” no Alentejo.
Texto Ana Filipa de Sousa
Num ano em que a apanha da azeitona atinge proporções excecionais devido à produtividade dos olivais superintensivos, André Paxiuta, autor do livro “Oil Dorado”, a editar em breve, diz que “faz sentido olhar atentadamente para o que está a acontecer na região”. E explica: “Senti que poderia dar um contributo que fosse expressivo do que se vive e experimenta no terreno e que vai além do discurso de exaltação pelos indicadores económicos, pelos avanços tecnológicos e pelos ‘rankings’ de exportação de azeite”.
Ao longo dos últimos quatro anos, André Paxiuta, doutorado em Geografia Física pela Universidade de Lisboa e fotógrafo documental independente, recolheu “um conjunto de imagens” que permitiu a criação de um portefólio fotográfico e textual “sobre a nova paisagem industrial alentejana”. Este projeto, agora em livro, permite tornar “acessível a compreensão da escala deste empreendimento, as causas e as suas consequências reais, ambientais, económicas e sociais” explica o autor ao “Diário do Alentejo”.
A ideia surgiu em 2016 quando o fotógrafo foi confrontado com a realidade das estufas no litoral alentejano enquanto trabalhava como guia de natureza. Percebeu rapidamente “que as dinâmicas de transformações não se limitavam ao litoral e que assumiam proporções muito superiores no interior”, no que diz respeito a percentagem de área ocupada.
Só um ano depois, em 2017, em conjunto com intervenientes locais do Movimento Alentejo Vivo, Associação Ambiental Amigos das Fortes e Associação Solidariedade Imigrante se iniciou a recolha de testemunhos coletivos para “criar um espaço de reflexão sobre o caminho até ao momento percorrido”.
“Regado a partir do maior lago artificial da Europa, onde crescem oliveiras aos milhares, azeitonas aos milhões, enriquecem-se pioneiros e abrilhanta-se o orgulho da nação… à custa da degradação ambiental, da exploração de trabalhadores rurais e da perda de valor ecológico e cultural da paisagem”, pode ler-se na introdução do livro, onde se lamenta “a morte anunciada da paisagem alentejana”.
As alterações apresentam principalmente consequências ambientais e visuais, mas trazem também outros “fenómenos e processos que vêm a reboque” a nível económico, demográfico e social. André Paxiuta começa por referir a “destruição de recursos naturais, erosão do solo, contaminação de aquíferos pelo uso de fertilizantes, destruição de habitats ribeirinhos e abate do montado” aquando da reformulação dos terrenos em olival para a sua plantação, produção e apanha, através do funcionamento das máquinas agrícolas. Posteriormente, o fotógrafo menciona ainda a “exploração das classes trabalhadores migrantes” e a proximidade dessas culturas intensivas aos centros habitacionais, obrigando as populações a conviverem regularmente com fitofármacos, químicos e outros produtos associados a esta produção.
Exemplo desta nova mudança é Fortes, no concelho de Ferreira do Alentejo, onde os seus habitantes dizem que a sua vida está “condicionada” deste 2009, época em que se instalou na localidade a fábrica de queima de bagaço de azeitona Azpo. A fábrica trabalha diariamente e sem qualquer tipo de interrupção, o que obriga a que os cerca de 100 habitantes da aldeia sofram “com o cheiro e o fumo poluente (…) que em certas condições atmosféricas (…) irrita os olhos e a garganta, provoca tosse, lacrimejar e falta de ar”, lê-se no livro.
Segundo André Paxiuta, esta nova forma de produção de olival, em regime intensivo e superintensivo, não tornou o Baixo Alentejo próspero a nível demográfico. “Os Censos de 2020 foram claros (…) O desenvolvimento do Alentejo que se seguiu à construção da Barragem do Alqueva não contribuiu para a fixação da população na região”, referiu o autor numa entrevista ao “Público”, acrescentando que “o interior de Portugal está despromovido de população ativa para trabalhar no campo, os portugueses não querem realizar esses trabalhos porque os salários são muito baixos, as jornadas de trabalho são muito longas e duras e não querem submeter-se a estas novas formas de escravatura”. A opção mais rentável é a exportação de mão-de-obra da Europa de Leste, Índia, Paquistão, Bangladesh e Nepal.
O fotógrafo acrescenta que ao longo dos anos em que esteve no terreno, a criar o seu projeto, conheceu os dois lados da moeda destes trabalhadores. Por um lado, existem aqueles que “trabalham com todas as condições e têm bons empregadores”, por outro “há uma fatia que se queixa de excessos de carga horária, de más condições de trabalho, documentos sequestrados, ameaças de denúncias junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de contratos anulados”, sendo que a queixa mais frequente “está relacionada com a habitação”, com casas sobrelotadas e armazéns agrícolas onde dormem em colchões no chão cerca de 40 a 50 trabalhadores.
A opinião nacional e regional quanto a este tema não é unânime, conforme sublinha André Paxiuta, na entrevista ao “DA”. Se a nível nacional há quem enalteça a economia e a tecnologia do modelo agrícola adotado, também é fácil de ouvir “o grito de oposição à expansão exacerbada dos regimes de superprodução dependentes de água e química corretora”. A nível local as posições mantêm-se divididas “entre a alegria de uma terra, finalmente, produtiva e a tristeza por uma mudança brusca de ramo, sem o devido cuidado pela paisagem, conduzida por agentes externos que extraem muito e deixam pouco”.
Acrescentando que até ao momento “impera uma filosofia extrativista onde o cuidado pelo ambiente e pela condição humana perde a corrida para os chavões do desenvolvimento económico, como se os fins justificassem os meios”, o fotógrafo e geógrafo vai mais longe e conclui que durante toda a sua investigação se surpreendeu “com a incapacidade do Estado, autarcas e dos promotores agrícolas para reconhecer os problemas existentes e de trabalhar no sentido de os resolver, garantindo que os recursos naturais e a saúde da população têm espaço no modelo que propõem”.
Neste momento o livro encontra-se a aguardar publicação por falta de verbas estando, inclusive, a decorrer uma angariação de fundos, através do link https://www.indiegogo.com/projects/oil-dorado-photobook#, para essa finalidade.