Diário do Alentejo

Ulsba falha prazos em 25% das novas consultas

18 de novembro 2021 - 11:10

De acordo com os últimos dados disponibilizados pelo portal “Mais Transparência”, em setembro, 26,4 por cento das primeiras consultas de especialidade no hospital de Beja não foram realizadas dentro do tempo máximo previsto. A Ulsba justifica os atrasos com a desmarcação de consultas devido à pandemia de covid-19 e diz que, atendendo à situação vivida em 2020 e 2021, os resultados são “bastante positivos, demonstrando o empenho de todos os profissionais na recuperação da atividade atrasada”. O Conselho Sub-Regional de Beja da Ordem dos Médicos fala em “deficiências gritantes de recursos humanos e materiais”.

 

Texto Nélia Pedrosa

 

No mês de setembro, um em cada quatro utentes não foi atendido dentro do tempo máximo previsto para uma primeira consulta de especialidade no hospital de Beja. De acordo com os últimos dados disponibilizados pelo portal “Mais Transparência” (plataforma que permite consultar a informação facultada pelo Estado de forma mais acessível e simplificada), nesse mesmo mês, 73,6 por cento das primeiras consultas de especialidade hospitalar foram realizadas em tempo adequado e 26,4 por cento ultrapassaram o prazo previsto.

 

Embora se verifique um aumento em relação a setembro de 2020, em que 69,7 por cento das primeiras consultas de especialidade no hospital de Beja foram efetuadas dentro do prazo previsto, os valores ainda são inferiores aos registados em período homólogo antes da pandemia de covid-19 – 84,5 por cento em setembro de 2019; 89,7 por cento em setembro de 2018; e 90,6 por cento em setembro de 2017.

 

De acordo com a portaria 153/2017, os tempos máximos de resposta garantidos (TMRG) para primeira consulta de especialidade hospital referenciada pelos centros de saúde são 30 dias seguidos a partir do registo do pedido efetuado pelo médico assistente em caso de “muito prioritária”, 60 dias se for “prioritária” e 120 dias se for de “prioridade normal”.

 

Ainda segundo os dados de 2021, a percentagem de primeiras consultas de especialidade realizadas em tempo adequado não apresenta grandes diferenças nos últimos meses – 73 por cento em julho e 73,9 por cento em agosto. Já o número de primeiras consultas prestadas dentro do prazo previsto tem vindo a aumentar. Em setembro deste ano foram realizadas 4138 consultas, mais 575 do que em agosto e mais 1099 do que em julho. No mês de março, por exemplo, em período de segundo confinamento, tinham sido 837.

 

Somando as primeiras consultas prestadas em tempo adequado e as que ultrapassaram esse tempo máximo, em setembro deste ano foram realizadas 5620 consultas, em agosto 4820 e, em junho, 4163. 

 

“RECUPERAÇÃO DE CONSULTAS EM AGENDAS EXYTRAORDINÁRIAS”

A presidente do conselho de administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba) sublinha, em declarações ao “Diário do Alentejo”, que, atendendo à situação vivida em 2020 e 2021, “consequência da pandemia de covid-19”, os resultados são “bastante positivos, demonstrando o empenho de todos os profissionais na recuperação da atividade atrasada”. Conceição Margalha salienta que, entre janeiro e setembro deste ano, foram realizadas 22 446 primeiras consultas, “o que representa um incremento de 20 por cento relativamente ao ano de 2020”.

 

Os atrasos verificados na realização das primeiras consultas, explica a responsável, “estão relacionados, essencialmente, com a desmarcação da atividade programada, neste caso as consultas externas de especialidades, que começaram a ser reagendadas e recuperadas assim que a evolução da pandemia o permitiu”. Admite, no entanto, que em algumas especialidades existe “o efeito cumulativo de falta de médicos e situações de ‘médico único’ que fazem com que seja muito difícil dar uma resposta diferente da que está a ser dada, com ou sem pandemia”.

 

As especialidades com maior número de consultas realizadas fora do tempo previsto, esclarece, “são precisamente as que fazem mais consultas referenciadas pelos centros de saúde e também algumas em que apenas existe um ou dois médicos de especialidade”.

 

“O facto de consultas terem ficado com agendamento pendente durante algumas fases da pandemia e as regras implementadas de consultas mais espaçadas e com menos presenças simultâneas na zona das consultas resultaram na realização destas consultas numa data posterior e necessariamente com datas mais próximas ou a ultrapassar o TMRG”, reforça a presidente do conselho de administração.

 

Uma vez retomados os agendamentos das consultas que se encontravam pendentes, frisa Conceição Margalha, considerou-se que, para recuperar “de uma forma mais célere” as consultas com maior tempo de espera, “não era suficiente manter o agendamento normal, pelo que, “após negociação com as especialidades e análise das situações em espera, iniciou-se em várias vertentes a atividade em produção adicional onde as especialidades realizam a recuperação de consultas em agendas extraordinárias, designadamente, aos sábados e no fim das sessões normais”. Esta atividade adicional “trará benefícios antes do final do presente ano”, acrescenta.

 

A responsável salienta, ainda, que durante “todo o período da pandemia realizaram-se teleconsultas com vista a manter o acesso e acompanhamento dos doentes respondendo às suas necessidades imediatas” e que a Ulsba “manteve a sua rede de urgência em funcionamento pleno, serviços de urgência básica e urgência médico-cirúrgica do Hospital José Joaquim Fernandes, com disponibilidade total para receber as situações urgentes que a ela se dirigiram. Bem como o atendimento em todas as linhas de atividade aos doentes oncológicos”.

 

“DEFICIÊNCIAS GRITANTES DE RECURSOS HUMANOS E MATERIAIS”

“Sendo que a pandemia alocou profissionais e tempo de forma nunca imaginada, os números acabam por sem bem positivos”, considera, por sua vez, o presidente do Conselho Sub-Regional de Beja da Ordem dos Médicos. E “ultrapassada a fase mais crítica, em que imperou o empenho ético e o sentido do dever dos profissionais (os apelidados ‘heróis’ do Serviço Nacional de Saúde)”, sublinha Pedro Vasconcelos, “a realidade voltou a pôr a nu as deficiências gritantes de recursos humanos e materiais anteriores”. O responsável diz ainda que os números “não são ainda melhores” devido “não só à falta de especialistas hospitalares e de medicina familiar, bem como ainda haver, em ambas as áreas, um desvio relevante de recursos para responder à pandemia”.

 

Para Pedro Vasconcelos, os atrasos das respostas por parte dos serviços de saúde têm implicações não só “nos doentes e suas patologias”, mas também nos profissionais, “pelo acréscimo de esforço, na tentativa de porem em dia trabalho em atraso e, portanto, somando mais desgaste ao que vêm sentindo ao longo de mais de ano e meio”.

 

Perante isto, o presidente do Conselho Sub-Regional de Beja considera que é necessário, em primeiro lugar, combater “o omnipresente problema base: desenvolver o interior, para atrair profissionais de saúde (como outros quadros e atividades socioeconómicas) com adequadas acessibilidades, sem o que não se cortará nunca o ciclo vicioso de menos oferta – menos gente – menos oferta".

 

Depois, “dotar os serviços de saúde de meios técnicos que promovam um desempenho de acordo com as necessidades da comunidade e as aspirações dos profissionais que aqui trabalham e dos que, aqui vindo fazer o seu internato de especialidade, se sintam retribuídos para aqui permanecerem”.

 

Pedro Vasconcelos defende ainda a promoção de “um estudo da Saúde nos diversos “Alentejos”, de modo a definirem-se quais as necessidades de especialidades, de profissionais e de técnicas a implantar em cada um, em lugar de se concentrar num deles quase toda a capacidade de resposta, deixando os demais a perderem essa capacidade”.

 

Por fim, a curto prazo, diz, deverão ser emitidas “diretrizes adaptadas à fase da pandemia que se vive e ao período gripal que se avizinha, nomeadamente, para os cuidados primários, de modo a canalizar os recursos necessários para essa recuperação de consultas, em lugar de uma dispersão de meios, sem estratégia coerente”.

 

ESPECIALIDADES MAIS AFETADAS

As especialidades com maior número de consultas realizadas fora do tempo previsto são, segundo Conceição Margalha, cardiologia, “que tem grande procura e só dois médicos”; cirurgia geral, “com grande procura e saída de vários médicos por reforma e pedidos de rescisão de contrato”; hematologia clínica, também só com uma médica; psiquiatria da infância e adolescência, igualmente com uma médica “e grande procura de doentes fora da nossa área de abrangência”; e urologia, que é assegurada por “um médico a tempo inteiro e outro a tempo parcial”. As consultas de cardiologia, hematologia e urologia estão “em processo de recuperação”, diz.

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