Antes da pandemia a radio estava bem lançada, fazendo a cobertura de muitos acontecimentos, com as pessoas “muito interessadas em tudo”. Por isso, quando ela terminar, e as feiras e os campeonatos de canoagem voltarem a Odemira, a RIO vai estar de novo na rua. A angústia é não se saber quando é que isso sucederá. “Estamos ansiosos por isso, pois é o que nos dá mais prazer, e dava mais audiências. Por outro lado, vai permitir arranjar mais apoios ligados à área do comércio, dos restaurantes, do turismo, que era uma das áreas que nos via com bons olhos e nos apoiava”, desabafa Vítor Silva.
AMOR À MÚSICA E À POESIA
Porque os pais quiseram dar uma educação musical às filhas, Judite Lima e a irmã iniciaram-se muito cedo na então Fundação (hoje Academia) Musical dos Amigos das Crianças, em Lisboa. Mas enquanto Irene Lima se dedicou por completo, é primeira violoncelo na Orquestra Sinfónica Portuguesa, Judite faria outro caminho. “A Orquestra da RDP acabou e surgiu-me a oportunidade de ir para a Antena 2”. Tinha 21 anos, e nunca tinha feito rádio. “Assim que entrei no estúdio e a luzinha vermelha se acendeu, senti-me como peixe na água, pois gosto muito de falar, de comunicar”, observa.
Do alinhamento musical passou a falar de música, “num espaço que tinha das 23:00 horas à meia-noite” que já não se lembra o nome, mas que gostava muito de fazer. “Propus à direção de programas preenchê-lo com uma entrevista com músicos, porque conhecia muitos”. O resto foi surgindo naturalmente, como gosta de dizer. Teve o “privilégio” de entrevistar grandes mestres no âmbito de Lisboa Capital da Cultura, como George Sauti, Zubin Mehta ou Montserrat Caballé. Somou 20 anos de serviço na estação. A reforma chegou há 11 por sua própria iniciativa.
Assume que a música e a poesia – “e a poesia também é música”, enfatiza –, no fundo a literatura em geral, são a sua vida e os seus passatempos. Se calhar por causa da formação académica: formou-se em românicas, hoje línguas e literaturas modernas. Gosta muito de Fernando Pessoa (escreveu sobre o poeta e os seus heterónimos uma peça que esteve em cena no auditório Lurdes Norberto, em Linda-a-Velha), e de Camões (mais das reflexões do poeta do que do resto da epopeia). Diz que o autor de “Os Lusíadas” é muito “contemporâneo”, com uma “visão shakespeariana do mundo”. Argumenta: “Então o canto V, quando fala na ignorância dos governantes relativamente às artes, é a cereja no topo do bolo. Continua tudo na mesma. Basta ver o que o Orçamento Geral do Estado tem para a cultura, que não chega a um por cento.”
O dia a dia da realizadora começa normalmente com um passeio, acompanhada pela sua pequena cadela. Mas janeiro, mais frio no Alentejo do que alguma vez imaginou, surpreende-a em casa. “Leio, vejo as notícias, quando me incomodam desligo, e preparo os meus programas para a RIO”. Também dá explicações de português através da Internet a explicandos que já tinha em Lisboa. Mais uma função que lhe enche o coração de alegria e entusiamo.
Habituou-se tão bem à região e às suas rotinas que não sente saudades de Lisboa. “Nem me lembro que existe”. Quando entrou na capital para passar o Natal com a irmã e o filho foi um choque: “Assustei-me com aqueles carros todos num para, arranca. Agora, faz-me confusão!”. Viu-se a pensar “que saudades que eu já tenho do meu Alentejo”. Confessa: “É aqui que eu me sinto bem. De vez em quando vou à praia, gosto de cheirar a água, de ouvir o mar a bater, gosto de passear na areia. O Alentejo só me tem dado coisas boas.”
GRELHA DE PROGRAMAÇÃO
A terra é outro elemento “maravilhoso”, para Judite Lima. “Gosto imenso de mexer na terra, a terra que é limpa e tem um cheiro especial, que é uma coisa muito forte”. Plantou “umas coisinhas” no monte de um amigo, e agora anda atenta “para ver se as ‘ouço’ crescer”, diz entre risos. Foi por lá que se estreou a conduzir um trator, “num sítio plano, porque é uma coisa extraordinariamente perigosa”. O resultado foi surpreendente: “adorei sentir-me agricultora, lavradora, mesmo que apenas por meia hora”.
As suas orquídeas é que já começaram “a arrebentar”. Talvez a primavera não tarde. “A natureza é eterna. Dia após dia nasce um rebentinho, e depois mais outro, que nos vai preparando para o renascimento que também nos renasce, dá-nos outra vontade de viver”.
De regresso à rádio, fala de um segundo programa. Este que faz alternadamente com Vítor Silva: “O Café Sudoeste é uma conversa com um convidado em estúdio, num mosaico” também de várias figuras locais, de diferentes áreas. A realizadora, que gosta “muito de aprender”, diz que lhe dá muito prazer fazer parte de mais esta rubrica, que lhe permite ficar a “saber muita coisa interessante sobre a região”. Ao diretor, elogia a capacidade sonhadora, lutadora e resiliente. “Se a RIO ainda existe, devemos ao Vítor”. Nos projetos imediatos, conta que há ainda a recuperar as “Vozes da Radio”, que foi preciso interromper por causa de problemas técnicos, e agora irá para o ar com um novo nome. Como vai ser conduzido por três pessoas, cada espaço terá o seu. O de Judite, às quartas-feiras, vai chamar-se “Navegar é Preciso”. Não vê a hora de começar!
EMISSÃO INTERNACIONAL A PARTIR DE ODEMIRA
Deitando por terra o velho lugar-comum de que no Alentejo “não se passa nada”, Vítor Silva lembra que “há pequenos projetos muito interessantes, por exemplo, na onda do sustentável e do artesanato” capazes de dar boas histórias. Assegura: “Há aqui uma grande riqueza, para além da cultura popular”. Neste espaço, a radio estava a iniciar um trabalho de recolha oral, com poetas populares, quando a pandemia obrigou o país a parar. A equipa espera vir a reatar este e outros programas interrompidos, e lançar novos.
O diretor é perentório: “Não queremos ser elitistas, mas queremos passar ideias novas, outras formas de ver o desenvolvimento local e social. Queremos ser uma rádio local atenta à realidade e à cultura durante o dia, até às 20:00 horas, que é quando temos o Café Sudoeste. E uma radio para amantes da radio à noite, com programas de autor, temas, com qualidade de música e qualidade de texto.”
Reafirma que o projeto, nesse sentido, estava em curso, com bons resultado, mas, agora, o momento é de apreensão. Vive-se um impasse. “Não entra dinheiro porque a economia colapsou, não há apoios das atividades económicas, porque não podemos ir para a rua”. Pensar estratégias para mitigar a situação passou a ser uma constante. O público sugeriu “fazer-se um clube de amigos da radio, em que as pessoas entravam com uma participação mensal simbólica, de cinco euros”.
Vítor Silva considera a ideia, enquanto manifesta “alguma mágoa”, ao ver os milhões “dados aos meios de comunicação nacionais, e ninguém se lembrar da imprensa regional, cujo trabalho de proximidade e afetividade com as pessoas” e de preservação da cultura popular é “tão necessário e nobre”. Em Odemira, a radio ‘online’ vai prosseguir com a grelha de programas possível. À espera de melhores dias, como Portugal inteiro.