Diário do Alentejo

Futuro de zona protegida preocupa autarcas

16 de janeiro 2021 - 19:00

A Criação da Zona de Proteção Especial de Mourão, Moura e Barrancos, há cerca de 20 anos, não trouxe desenvolvimento e a “degradação ambiental” acentua-se, em particular nas áreas de montado. Autarquias querem "incentivos próprios" para uma utilização sustentável de recursos e a possibilidade de instalar culturas regadas na região.

 

Texto Luís Godinho

 

As Câmaras de Barrancos, Moura e Mourão exigem um "sistema de incentivos próprios direcionado para a utilização sustentável dos recursos". A exigência é feita num documento enviado ao Governo, que já foi debatido numa reunião entre as três autarquias e o secretário de Estado do Ordenamento do Território. Em causa está a proposta de criação de "incentivos diferenciados", por exemplo a nível fiscal, para quem invista e crie emprego na denominada Zona de Proteção Especial (ZPE) que abrange os três territórios. Trata-se, aliás, de uma proposta enquadrada em recomendações da União Internacional para a Conservação da Natureza.

 

Em 2017, a Assembleia da República recomendou ao Governo a criação de condições para "assegurar a coexistência entre a salvaguarda dos valores naturais e a atividade agropecuária" nesta região, designadamente através da elaboração de um plano de gestão e da garantia de "financiamento adequado" para compensar perdas de rendimento e revitalizar o mundo rural. Os deputados instaram ainda o Executivo a "estimular o desenvolvimento de modelos de atividade económica que compatibilizem a salvaguarda dos valores naturais com as atividades humanas, com destaque para a agropecuária" e a reavaliar a possibilidade de compatibilizar as culturas de regadio com a salvaguarda dos valores naturais.

 

Em causa está ainda a necessidade de valorizar esta ZPE, integrada na Rede Natura 2000, colocando "as suas potencialidades ao serviço do desenvolvimento" dos três concelhos, e de desenvolver uma estratégia nacional para a agricultura de sequeiro que incorpore a especificidade deste território.

 

Apesar desta recomendação, a situação não se alterou. "Ao que se tem assistido desde a sua criação [da ZPE], tudo faz crer que a degradação ambiental, o modo de produção agrícola, a não monitorização dos bens patrimoniais e consequente despovoamento, conduzam inexoravelmente à irreversível perda de riqueza", referem os três municípios, no documento intitulado “Valorização económica e natural da Rede Natura 2000 nos concelhos de Moura, Mourão, Barrancos e Serpa (Integração do novo PDR nas políticas de conservação da natureza)”, a que o "Diário do Alentejo" teve acesso, e já entregue aos ministérios do Ambiente e da Transição Energética e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.

 

"Sendo a conservação da natureza um ativo económico, deverá ser realçado o capital natural e remunerados os respetivos custos. É sentida por todos a necessidade da mudança de paradigma, uma vez que a solução atual não serve para rentabilizar a frágil economia local e a conservação da natureza", sublinham os autarcas, que defendem a adoção de "medidas de cárter setorial", operacionalizadas através do novo Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) e articuladas com os planos territoriais de desenvolvimento.

 

REGIÃO EM PERDA

 

Criada em setembro de 1999, a ZPE de Mourão, Moura e Barrancos caracteriza-se pela predominância da cerealicultura extensiva e das áreas de montado, sobretudo de azinho mas também de sobreiro, num "mosaico" agrícola que integra pastagens permanentes, bem como algumas áreas de vinha e de olival. "É uma área muito importante para numerosas aves dependentes dos agrossistemas ibéricos de feição estepária e também para aves de rapina". Segundo a Liga para a Proteção da Natureza (LPN), é também uma zonas classificada como "das mais importantes" para a invernada dos grous [uma espécie ameaçada] em Portugal.

 

O problema, sublinham os autarcas, é que apesar da classificação, o conjunto dos três municípios continua a ser marcado por um "acentuado decréscimo e um excessivo envelhecimento" da população. Nas últimas duas décadas, o concelho de Moura perdeu 19 por cento da população, o de Barrancos 17 por cento e o de Mourão cerca de oito por cento. "Mais de metade da população destes concelhos é beneficiária de pensões de reforma, subsídios de desemprego ou rendimento social de inserção". Quase 100 por cento da área do município de Barrancos encontra-se integrado na ZPE, o mesmo sucedendo com 46 por cento da área do concelho de Moura e 55 por cento da de Mourão.

 

O documento lembra os principais fatores de ameaça a este território, designadamente a perda e degradação do habitat estuário, defendendo a necessidade de um "melhor planeamento, ordenamento cultural e ambiental com inevitável conversão de áreas de sequeiro em regadio e a expansão de culturas permanentes". Por outro lado, são igualmente preocupantes a "degradação das áreas de montado, por gestão inadequada e por ausência de regeneração", bem como "a degradação da qualidade do habitat ripícola", por intensificação das atividades humanas traduzida, por exemplo, no aumento da poluição aquática.

 

Segundo os três municípios, "as orientações de gestão são dirigidas prioritariamente para a conservação das aves estepárias, do grou, das aves rupícolas e das rapinas florestais. Neste âmbito deverá ser encarada como fundamental a manutenção da cerealicultura extensiva em área aberta assente numa rotação cultural, a manutenção dos olivais tradicionais e a manutenção e recuperação natural de manchas florestais de montado de sobro e azinho".

 

O problema, acrescentam, é que "as margens geradas a partir das produções extensivas não remuneram adequadamente quer o rendimento do empresário agrícola, quer o valor da terra e, ainda, que muito dificilmente proporcionam excedentes para a viabilização de novos investimentos".

 

No caso concreto do olival, a cultura dominante nesta região, os autarcas sublinham a "insustentabilidade dos olivais tradicionais, com custos de produção muito altos em relação à baixa produtividade", num setor onde o mercado "ainda não valoriza de maneira diferenciada" o azeite produzido, pelo que defendem que a intensificação desta cultura permitirá torná-la "rentável". E explicam: "A excelente adaptabilidade da cultura do olival intensivo às condições do solo e de climas locais, o menor consumo de água, associada à capacidade industrial instalada, são fatores muito importantes que favorecem a eleição desta cultura na nossa região".

 

MEDIDAS INSUFICIENTES

 

No Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) 2014-2020, lembra o documento, foram adotadas diversas medidas para as áreas de Rede Natura, "as quais contribuíram para a salvaguarda" dos sistemas agrícolas e florestais e para a conservação de espécies e de habitats. Entre elas incluem-se projetos para garantir investimentos em ações de gestão das espécies cinegéticas e para a manutenção de habitats do lince ibérico, "ação de grande relevância para garantir a preservação de manchas de habitat com características adequadas à presença" desta espécie ameaçada.

 

Mas outras medidas tiveram um alcance nulo. No caso do apoio para a compatibilização das explorações agrícolas com a conservação da natureza, só por uma vez, ao longo dos seis anos do PDR, houve abertura de concursos, não tendo existido qualquer candidatura. Tal como não existiram candidaturas para a manutenção e recuperação de galerias ripícolas, ação fundamental para "manter e recuperar habitats fundamentais para assegurar a diversidade da paisagem e funcionalidade dos ecossistemas".

 

Por outro lado, prossegue o documento, os valores de apoio para a manutenção de sistemas de sequeiro "são desadequados para as áreas com solos de maior qualidade, quando se comparam com as receitas potenciais da introdução de sistemas de regadio". O denominado "Pagamento Rede Natura" apoiou 557 agricultores, mas o valor do apoio ficou-se entre os 24 e os 40 euros por hectare, insuficiente, asseguram os municípios, para "promover uma gestão ativa para a conservação da natureza". No caso do olival tradicional, beneficiaram de apoio 1215 produtores, com uma verba entre 50 e 162 euros por hectare, valor considerado "pouco expressivo" para o rendimento da exploração.

 

"Denota-se, de uma maneira geral, montantes de apoio reduzidos para os sistemas agrícolas extensivos e ou de cariz tradicional. Por outro, verifica-se que estes apoios não estão diretamente associados à gestão das áreas de Rede Natura em apreço, não promovendo de forma ativa a salvaguarda dos valores naturais", sublinha o documento elaborado pelas Câmaras de Barrancos, Moura e Mourão, acrescentando que o novo PDR "deverá alterar este paradigma, privilegiando apoios que promovam a gestão ativa destes espaços" em função, por exemplo, "da atribuição de apoios a sistemas competitivos, como é o caso da medida de produção Integrada em olivais intensivos e superintensivos".

 

No caso dos olivais, os autarcas querem que o próximo PDR contemple uma “remuneração justa do olival tradicional”, designadamente para as explorações que se encontrem dentro da Rede Natura 2000 e que não possam ser irrigadas, mas que seja igualmente equacionada a possibilidade de criar zonas de regadio “com regras bem estabelecidas e culturas bem definidas” dentro da área protegida, “com o objetivo de fixar os jovens à região, bem como evitar o abandono das terras devido á sua nula rentabilidade”.

 

DECLÍNIO PRONUNCIADO DO MONTADO

 

Apesar do grande investimento com fundos públicos em novas arborizações de sobreiro e azinho que se verificou nas últimas décadas, os autarcas de Barrancos, Moura e Mourão sublinham que, neste momento, se assiste a um “declínio pronunciado de muitas áreas ocupadas por sobro e, essencialmente, nas áreas ocupadas por azinho”. O problema tem causas variadas, entre as quais as práticas agrícolas e silvopastoris, mas também mudanças no uso dos solos e alterações climáticas. O documento enviado aos ministérios da Agricultura e do Ambiente recorda que, em todas as análises feitas, há pelo menos uma “evidência”, o envelhecimento dos povoamentos de sobro e de azinho, devido à “inexistência de regeneração natural”. Segundo defendem, “a necessidade do rejuvenescimento dos montados tem de passar, necessariamente, por uma melhor gestão do pastoreio, nomeadamente nas áreas ocupadas por azinheira” e, neste contexto, é “fundamental” que se ajustem as medidas de apoio “de forma a salvaguardar a economia das explorações agrícolas, pecuárias e florestais, sem que se comprometa” a continuidade das explorações e do sistema de montado. “Essas medidas devem salvaguardar a regeneração natural e garantir a existência de um pastoreio de densidade adequada. A arborização deverá ser enquadrada em contexto de beneficiação/adensamento de áreas com vocação para o efeito”.

Comentários