Os profissionais de saúde do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja começam a “sentir o cansaço e a exaustão” provocado pela sobrecarga da pandemia de covid-19. Na “linha da frente” há mais de sete meses, contam que o trabalho tem sido “muito duro e demasiado desgastante”. Nos últimos dias, três surtos em lares de idosos, com dezenas de infetados, colocaram ainda maior pressão sobre esta unidade de saúde.
Texto Marta Louro
A Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Ulsba) tem estado, desde o início da pandemia, na “linha da frente”. Não tendo “uma equipa propriamente dedicada apenas a doentes com covid-19, os profissionais – divididos por circuitos e devidamente protegidos – desdobram-se para atender doentes os doentes infetados com o novo coronavírus e todos os outros. Num turno, por exemplo de 24 horas, os profissionais de saúde “podem passar seis horas no espaço de atendimento de doentes infetados com o novo coronavírus e outras tantas em atendimento de utentes com outras patologias clínicas”, explica ao “Diário do Alentejo” Vera Guerreiro, médica especialista em medicina interna.
“Tentamos que exista uma diferenciação nos circuitos, em que os doentes são avaliados, porque a forma como estamos equipados é diferente, mas os profissionais muitas vezes acabam por ser os mesmos”, explica Vera Guerreiro, acrescentando que a pandemia veio obrigar a “reinventar” o Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Neste momento, não há nenhum profissional que esteja a fazer as coisas da mesma forma [que fazia antes da covid-19]”.
Em seu entender, a “grande dificuldade” prende-se com a sobrecarga de trabalho, que só poderia ser resolvida com mais profissionais: “Quando desdobramos espaços, e distribuímos as equipas, precisamos quase do dobro das pessoas”. Como isso não sucedeu, médicos e enfermeiros viram-se obrigados a trabalhar mais horas, num esforço suplementar para assegurar a prestação de cuidados e salvar vidas.
Desde março – quando foi detetado o primeiro caso positivo em Portugal – que as relações afetivas e familiares de quem se encontra na “linha da frente” do combate à covid-19 foram postas em causa. Vera Guerreiro, por exemplo, tem um filho pequeno, que sentiu “na pele” a ausência da mãe. “Na fase inicial, em março, o meu filho ficou a viver com os avós durante cerca de um mês e meio”.
O dia-a-dia de um profissional de saúde, em tempo de covid-19, é “completamente diferente”, diz Vera Guerreiro. “O procedimento iniciado em março já sofreu alterações. O conhecimento sobre a epidemiologia e os números vão ditando aquilo que temos de fazer”. Há sete meses que é assim. E, nos últimos dias, a “pressão” sobre o hospital aumentou de forma exponencial com o surgimento de dezenas de casos em três lares do Baixo Alentejo (ler artigo nestas páginas). “Já se nota alguma exaustão nas pessoas. Isso é também o reflexo do trabalho ao longo de todos estes meses”.
Os novos tempos obrigam a novas rotinas. “Atualmente, utilizamos roupa e calçado específico que não é levado para casa. Quando não estamos em zonas covid-19 esses cuidados são tidos ainda mais em conta, porque sabemos que o doente pode ser assintomático. A correta higienização é fundamental”. O objetivo é protegerem-se a si e aos seus. Outra preocupação, aponta ao “DA” é o facto de o SNS “girar em torno daquilo que é a separação de doentes e a realização de testes. Tudo isto torna-se um entrave em termos de tempo e de disponibilidade de meios. Nesta altura, não posso transferir um doente sem antes fazer um teste de despistagem, a não ser em situações de urgência extrema. Fazer todos estes procedimentos sem prejudicar os utentes é algo que me marca muito”.
“ESTÁ A SER MUITO DURO E DEMASIADO DESGASTANTE”
Estar na linha da frente no combate à pandemia de covid-19 “está a ser muito duro e demasiado desgastante”. O desabafo é de Carlos Marques, também ele médico especialista em medicina interna no Hospital de Beja e que tem, desde março, enfrentado “dias de trabalho” completamente diferentes daquilo que era hábito. “O problema é que a situação se tem prolongado muito e cada vez mais [somos confrontados] com mais trabalho. A pandemia não parou, está a agravar-se. Está prevista uma segunda vaga e nós já estamos a ter pouco espaço de manobra”.
Inicialmente, lembra Carlos Marques, até parecia que no Alentejo as coisas correu bem. Depois, tudo mudou. E no próprio hospital de Beja surgiu um surto que infetou um total de 36 profissionais, colocou 60 em isolamento profilático e obrigou à realização de mais de mil testes de despistagem da doença. “Quando o surto do hospital surgiu não foi mais do que o reflexo daquilo que se passava no distrito. Cada vez há mais casos. As pessoas têm relaxado e agora estamos com uma situação bastante complicada”, lamenta o médico, segundo o qual o principal conselho é ter sempre em conta as “medidas de higiene e segurança” recomendadas pela Direção-Geral de Saúde.
Carlos Marques tem evitado o contacto com amigos e familiares e diz “nunca saber” se pode, ou deve, ir visitar os pais. Em seu entender, a pandemia “veio mostrar o melhor e o pior das pessoas” com que, se cruza: “Já vi a população de Beja e arredores a unir-se para ir para a frente e vencer, mas também já vi algumas situações egoístas aliadas ao medo”.
“Com as mãos numa lástima e com o nariz e as orelhas doridas” em virtude do uso permanente da máscara, o médico pede à população que “siga as recomendações das autoridades de saúde, evite os aglomerados, tenha etiqueta respiratória e faça a correta desinfeção” das mãos. “Sejam conscientes. Os nossos recursos são limitados, não são infinitos”.