Este tarifário penaliza as viagens mais longas (que deveriam ser proporcionalmente mais baratas) porque resultam de um somatório de várias viagens independentes. Por exemplo, de Beja para Lagos, o cliente da CP paga uma viagem de Intercidades entre Beja e Pinhal Novo (apesar de até Casa Branca o serviço estar ao nível de um Regional) mais um bilhete no Alfa Pendular entre Pinhal Novo e Tunes, mais um Regional entre Tunes e Lagos. A soma disto tudo dá 30,60 euros. Se entre Pinhal Novo e Tunes for no Intercidades, custará 27,65 euros. A Rede de Expressos faz o mesmo serviço com um único transbordo em Albufeira e cobra apenas 14,70 euros. E é 1 hora e 17 minutos mais rápida.
Tornar o caminho-de-ferro do Alentejo mais competitivo não depende só de avultados investimentos na infraestrutura e no material circulante. É certo que é necessário eletrificar e modernizar a via férrea, aumentando as velocidades para encurtar os tempos de percurso. E também é verdade que são necessários comboios novos, mais rápidos e confortáveis. Mas há coisas que se podem fazer por zero cêntimos. E uma delas são melhorar os horários e o tarifário, tornando-os mais atrativos por forma a captar clientes.
Reabrir as linhas encerradas
Eduardo Zúquete, que foi quadro da CP entre 1969 e 2000 e assessor de vários governos na área dos transportes nas décadas de 70 e 80, confessa-se desiludido com o rumo do caminho-de-ferro no Alentejo. “Uma das imagens fortes da minha infância é a estação do Sul e Sueste no Terreiro do Paço. Fascinavam-me os 10 painéis de azulejos que representavam a cidade de Lisboa e as restantes nove cidades do Alentejo e do Algarve servidas pelos então Caminho-de-Ferro do Sul e Sueste: Beja, Estremoz, Évora, Faro, Lagos, Portimão, Setúbal, Silves e Tavira. Tratava-se de um evidente simbolismo à coesão proporcionada pela via férrea. Impressiona-me vivamente que estas ligações sejam hoje muito mais difíceis do que eram – ou até mesmo impossíveis – e concluo que, por baixo da serapilheira grosseira do falso progresso, houve afinal, com a reiterada despromoção do caminho-de-ferro, que persiste, um flagrante retrocesso civilizacional”.
O também professor universitário defende a reabertura da rede ferroviária alentejana. “Ao contrário do que acontece no resto do território, o povoamento no Alentejo está tradicionalmente concentrado, o que facilita a sua reabilitação. Hoje os novos povoadores, que tanto procuramos para combater a desertificação, irão exigir acesso rápido à saúde, ao ensino, à cultura, à tele-informação e à plena cidadania, que só cidades de média dimensão podem proporcionar. Por isso, cidades sustentáveis, agradáveis para viver, com parques, serviços de proximidade e curtas distâncias entre a residência e o trabalho devem estar ligadas entre si e à capital por comboios automotores pequenos, discretos mas muito frequentes, para evitar a penosa sensação de abandono que os maus transportes imprimem. É por isso que acho que a antiga e excelente rede ferroviária do Alentejo deve ser reaberta e requalificada para que a região se torne uma referência de uma temperada modernidade”.
A rede ferroviária alentejana já chegou a ter quase 1200 quilómetros de extensão, mas 437 quilómetros de linhas foram encerradas. Vale a pena ver os troços onde o comboio deixou de apitar:
Torres das Vargens – Beirã 73 quilómetros
Torre da Gadanha – Montemor-o-Novo sete quilómetros
Évora – Mora 60 quilómetros
Évora – Portalegre 122 quilómetros
Estremoz – Vila Viçosa 17 quilómetros
Évora – Reguengos de Monsaraz 40 quilómetros
Beja – Moura 58 quilómetros
Beja – Ourique 52 quilómetros
Ramal de Aljustrel oito quilómetros
A maior razia ocorreu na década de 90 do século passado. Quem hoje tem menos de 40 anos já não tem memória do tempo em que as suas vilas ou cidades eram servidas pelo caminho-de-ferro. Restam ainda os canais ferroviários, alguns transformados em ecopistas e muito património abandonado: as típicas estações, com o edifício de passageiros, a casa do chefe da estação no primeiro andar, o cais das mercadorias, os dormitórios do pessoal, as casas das guardas de passagem de nível. E muitos quilómetros de carris enferrujados.
A maioria das linhas foi encerrada no dia 1 de janeiro de 1990. Durante 30 anos julgava-se que a ferida estancara. No início do século XXI contavam-se 312 quilómetros de linhas abandonadas. Mas em 2011 foi-se mais longe e aconteceu o impensável: fechou a linha fronteiriça Torre das Vargens – Marvão/Beirã e a ligação Beja – Ourique. Uma curiosidade: na rede ferroviária nacional foram as regiões do Alentejo e Trás-os-Montes que tiveram mais quilómetros de linhas encerrados. Não por acaso, quando hoje se fala no combate à desertificação do interior e na coesão territorial, entra na equação o fim dos serviços públicos nessas regiões, entre eles, o transporte ferroviário.
E é assim que voltamos à reflexão sobre a reabertura das linhas no Alentejo. Eduardo Zúquete acha que, tão ou mais importante do que meia dúzia de Intercidades diários de Évora e Beja para Lisboa, é a ligação entre as cidades e vilas alentejanas através de serviços ferroviários frequentes. “Os comboios não têm que ser poucos, grandes, rápidos e andarem muito cheios. Devem ser muitos, pequenos e assegurarem uma oferta que privilegie a frequência em vez das taxas de ocupação. Por vezes não vale a pena gastarem-se milhões para ganhar 15 minutos no tempo de percurso. Qualquer jovem responderá que prefere é um comboio com Internet a bordo. O tempo ocupado na viagem tem hoje outra valorização porque pode ser passado a trabalhar”.