Diário do Alentejo

Minas em Olivença põem em causa água de Alqueva

27 de agosto 2020 - 17:10

A cerca de 20 quilómetros do Guadiana e a 35 de Reguengos de Monsaraz, onde o grande rio do Sul serve de fronteira entre Portugal e Espanha, perto da localidade de Alconchel, está previsto entrar em funcionamento uma exploração mineira a céu aberto que está a ser contestada pelas populações locais.

 

Texto Aníbal Fernandes

 

Os ativistas espanhóis afirmam que os materiais pesados utilizados na laboração acabarão por contaminar a água do Alqueva, o que porá em causa o ecossistema e a saúde pública. O investimento, que foi aprovado numa primeira fase pelo governo regional da Extremadura, encontra-se em discussão pública e ainda necessita de um estudo de impacto ambiental transfronteiriço.

 

O projeto para a instalação de três minas a céu aberto para a exploração de ouro, ferro e cobre em território espanhol, mas muito perto da fronteira portuguesa, está levantar dúvidas às populações de Badajoz, Olivença, Villanueva del Fresno, Oliva de la Frontera e Jerez de Caballeros, entre outras localidades.

 

Duas associações de ativistas – Alconchel Sin Minas e Sin Minas Comarca de Olivença – manifestaram-se contra a autoçrização do governo da Extremadura para a exploração de 21 poços mineiros. A primeira fase do projeto prevê a exploração de três mil hectares junto a Olivença, Alconchel e Táliga, uma zona protegida, junto ao grande lago de Alqueva e que integra a Rede Natura 2000, para além de ser considerada Zona de Interesse Comunitário (ZIC).

Só aqui, estão previstas duas grandes minas a céu aberto com cerca de 100 metros de profundidade, um grande depósito de ácidos com 40 metros de altura e um lago para lodos tóxicos de metais pesados com capacidade para três milhões de metros cúbicos de resíduos perigosos, dizem os ativistas.

 

Segundo Artur Lopes, biólogo espanhol que integra um dos movimentos, trata-se de “uma mina a céu aberto que tem um aterro, um depósito enorme de material, que não é tratado porque é muito caro. Quando chove essa água vai para o rio, isto é, para o Guadiana” e, daí, para a albufeira de Alqueva. “Os governos português e espanhol investiram muito no Alqueva, como um dos sítios mais atrativos da Europa e, agora, vão contaminá-lo”, lamenta Artur Lopes.

 

Uma terceira mina também está a ser equacionada, o que poderá pôr em causa o abastecimento de água numa região já de si deficitária deste bem essencial, quer para a agricultura e pecuária, quer para o consumo humano. Segundo está declarado no projeto a que as associações tiveram acesso, serão retirados dos aquíferos da zona cerca de sete milhões de litros por dia, o que é considerado “insustentável”.

 

A preocupação também é grande devido ao método de escavação que recorre a rebentamentos à base de nitrato de amónio – o mesmo produto que explodiu recentemente em Beirute -, a pouco mais de 1,5 quilómetros de Alconchel, havendo receio de que a explosão possa “afetar a estrutura de edifícios e habitações” do casco urbano da povoação.

 

Para além disso, denunciam, “o megaprojeto é altamente contaminante” e afetaria a bacia hidrológica e “de forma irreversível a qualidade da água do grande lago de Alqueva”, bem como os solos com a drenagem de ácidos e metais pesados nos aquíferos subterrâneos, ou a atmosfera com sílica em suspensão.

 

Segundo os ativistas, que pretendem contactar os autarcas portugueses dos territórios potencialmente afetados, além do Ministério do Ambiente, este projeto deve ser liminarmente recusado por se tratar da zona especial de conservação da Serra de Alor y Monte Longo, já que a lei estabelece que as atividades mineiras sejam desenvolvidas fora deste perímetro. Por último, lembram que a zona integra o programa turístico de Alqueva “Starligth”, que ficaria em causa devido à atividade mineira intrusiva.

QUERCUS ATENTA, ZERO CONTESTA

Para a Quercus a situação “é preocupante”, mas Nuno Sequeira, vice-presidente da associação ambientalista portuguesa diz ser “necessário esperar por mais informação oficial” e pela “avaliação de impacto ambiental transfronteiriça” prevista na legislação europeia.

 

“Esperamos que o estado espanhol não viole o direito comunitário como, infelizmente, já aconteceu noutros casos”, alerta Nuno Sequeira garantindo que a Quercus, em devido tempo, tomará posição sobre o assunto. Entretanto, no início do mês, a associação ZERO considerou que o decreto-lei, que esteve em discussão pública, e prevê uma Estratégia Nacional dos Recursos Geológicos, não acautela “devidamente” o ambiente e a sustentabilidade.

 

Segundo os ambientalistas da ZERO “após 30 anos de aplicação de uma legislação que há muito se encontra obsoleta e que continua a regular a atribuição de concessões mineiras, seria expectável que o novo modelo legislativo viesse a evidenciar uma nova etapa nos cuidados relacionados com a atividade mineira”, mas a lei “não só deixou de fora a sustentabilidade, como utiliza terminologia ambiental para ”pintar de verde” um setor ambientalmente muito sensível, responsável por feridas e passivos ambientais insanáveis no território português, afetando em especial as populações”.

 

Também o CDS-PP questionou o Governo através da Assembleia da República sobre este projeto de extração de minério. Numa pergunta dirigida ao ministro do Ambiente e Ação Climática, o deputado João Gonçalves Pereira considera que “a futura existência de minas a céu aberto, com fortes possibilidades de contaminação das águas por materiais pesados perigosos, coloca em risco não só o projeto de Alqueva, mas também a saúde das populações de toda aquela região”.

 

O centrista quer “saber se o ministro está a par do projeto, se foi estabelecido algum tipo de contacto por parte do Governo espanhol ou de qualquer outra entidade pública, no sentido de conjuntamente ser negociado e analisado e, se não, que medidas vai o Governo tomar no sentido de analisar o projeto e precaver eventuais consequências nefastas para Portugal”, nomeadamente para o empreendimento do Alqueva.

 

EDIA ATENTA A INTERVENÇÃO COM POSSÍVEIS “EFEITOS NEGATIVOS”

A Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas de Alqueva (EDIA), responsável pelo Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva disse ao “Diário do Alentejo” que “não tem contactos com o promotor, mas mantém todos os canais institucionais abertos com Espanha, nomeadamente com a Confederação Hidrográfica do Guadiana e com a Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira (CADC)”.

 

No entanto, a EDIA garante que “todas as intervenções na bacia hidrográfica, que possam ter efeitos negativos na qualidade da água, são obviamente alvo” de reserva por parte da empresa que, no entanto, confia “nos instrumentos de controlo que existem e na aplicação da convenção de Albufeira”. Segundo as associações que estão a lutar contra o projeto mineiro da Extremadura, o promotor do negócio é a PDCA, uma estrutura empresarial canadiana, com sede na cidade de Toronto.

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