Diário do Alentejo

“A inspiração é um mito. Temos simplesmente de estar muito atentos ao que se passa à nossa volta e no nosso interior”

15 de dezembro 2025 - 08:00

Nasceu em Évora, no ano de 1981, mas foi em Santiago do Escoural (Évora), paredes meias com a serra de Monfurado, que cresceu e onde manteve residência até concluir o seu trajeto formativo, que culminou com a licenciatura em Ensino de Português e Inglês, na Universidade de Évora.Feito professor, percorreu e conheceu várias zonas do Baixo Alentejo, cruzando-se com pessoas que tinham histórias para contar e com histórias que contavam pessoas.E no universo das histórias, proliferou a sua, a sua história de amor, que o havia que fixar por terras de Cuba, vila alentejana que lhe dá guarida, vila alentejana que, em homenagem ao seu maior vulto literário, instituiu o “Prémio Literário Fialho de Almeida”, cuja segunda edição foi ganha com a obra Labirinto e Outras Ficções.Eis Miguel Rabino na primeira pessoa! Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?Comecei a escrever na escola primária aquelas composições muito simples que todos escrevemos. O professor Rufino, na altura, elogiava mais o estilo do que a ortografia. No secundário tive a sorte de ter um professor, João Luís Nabo, que nos colocava perante o desafio da criação literária na disciplina mais improvável: técnicas de tradução de inglês. Trazia-nos textos que eram uma novidade, como sonetos de Shakespeare, que eu nem sonhava que também escrevia poesia, contos de Edgar Allan Poe e José Cardoso Pires. Vivi naquelas aulas alguns dos momentos mais empolgantes da minha adolescência. Comecei a escrever mais a sério quando apareceram os blogues, mas sem muita continuidade. Para além da influência em contexto de escola, tive o privilégio, que não era comum a grande parte dos meus colegas, mesmo aqueles que viviam mais desafogadamente, de crescer numa casa com livros, esse objeto mágico. Foi isso que acabou por me levar aos meus heróis literários: Torga, Saramago, Borges e Ferreira de Castro. Foi num desejo, quase infantil, de procurar imitar o estilo destes gigantes que peguei na caneta pela primeira vez. Fui ingénuo ao acreditar que isso era possível e alguns dos contos que escrevi padecem, talvez, desse mal. Ainda assim, sinto carinho por todas essas pequenas histórias e anima-me sentir que da primeira que escrevi “Aldeia do Colete” à mais recente “Formigas de Asa” há uma escada, por muito rasa que possa ser, que fui subindo. Mais do que isso, uma voz que se foi depurando, e se me tornou clara. Para além do conto, que outras modalidades literárias já experimentaste?Fiz experiências com a poesia, mas fazer boa poesia parece-me demasiado desafiante, um ofício que exige muita minúcia. A crónica interessa-me do ponto de vista da reflexão, ajuda-me a organizar as ideias. Quais as motivações para escrever? Cada conto tem uma origem distinta. Pode ser algo que vejo e me cause uma impressão tão grande que tenho de inventar uma história que lhe dê sentido. Também me interessa muito um património oral que temos no alentejano, e ao qual damos pouca importância, que são as pequenas histórias com um fundo real, mas muito exageradas. Há quem lhe chame “partes”. Diverte-me muito recriá-las. Sobretudo, interessa-me o que me sobressalta. Tornou-se mais fácil escrever quando percebi que a inspiração é um mito. Temos simplesmente de estar muito atentos ao que se passa à nossa volta e no nosso interior. Que importância teve para o seu percurso de autor literário a vitória da segunda edição do “Prémio Literário Fialho de Almeida”?Teve uma importância tremenda. Estou muito grato ao município de Cuba e à Associação Cultural Fialho de Almeida pela promoção do prémio. Há alguns anos que ia escrevendo contos para uma gaveta virtual. A minha família e amigos elogiavam-nos, mas precisava de opiniões mais isentas. Por esse motivo comecei a enviar textos para diversos concursos literários. Não fosse esta distinção, estou seguro de que continuariam na gaveta. Deu-se ainda a coincidência de ser premiado por um concurso na terra onde vivo e trabalho, o que também foi muito bonito.  Labirinto e Outras Ficções. Que livro é este?É um conjunto de contos, diria, desirmanados. Se tivesse de encontrar um denominador comum a todos eles teria muita dificuldade. O que mais aproxima a maioria é a referência ao Alentejo. São contos muito curtos, com a exceção de “Labirinto”. Senti necessidade de dar destaque a este último, até no título. Escrevi-o originalmente no âmbito de uma cadeira de escrita criativa no mestrado em Literatura e foi quando o entreguei para avaliação que senti que podia talvez publicar este livro.   Que opinião tem sobre o universo literário em Portugal? Tenho muito pouca experiência nesse campo. Fui publicado apenas em duas ocasiões: este Labirinto e Outras Ficções e um conto que saiu numa antologia. Num caso e noutro tive a sorte de contar com o apoio do Grupo Editorial Divergência que me parece um projeto muito interessante, rigoroso e que aposta na divulgação de novos autores. Como professor, tenho visto com surpresa e agrado que os jovens se começam a interessar novamente pela leitura e pela escrita. Chegam a trocar recomendações de leituras comigo. Espero que isto não se perca e possa ir contagiando mais gente nova. E o acordo ortográfico? Vivemos num mundo tão polarizado que até um tema da linguística se tornou político. Simplificando, não falamos português sozinhos nem somos os proprietários da língua. Se levamos a língua a outros povos, como dizia a doutrina do Estado Novo, aceitemos que também lhes pertence. O acordo ortográfico apenas pretende que escrevamos da mesma forma, pelo menos em documentos oficiais. Agora, sempre posso dizer, mais como provocação, que quem quiser escrever farmácia com “ph” no seu caderno diário é livre de o fazer. Que sonhos literários moram em Miguel Rabino?Gostaria de continuar a escrever os meus contos. Tenho dois filhos com dois anos e sinto necessidade de contar outras histórias que possa partilhar com eles a curto prazo, por isso penso em escrever contos para crianças também. Mas o grande sonho é escrever um romance. Não sei se terei arcabouço para essa tarefa, mas só saberei depois de tentar. O que está na “manga”?O Labirinto e Outras Ficções já está na segunda edição, mas ainda tenho a intenção de o apresentar na minha terra, Santiago do Escoural, porque este livro também pertence a esta vila. Tenho trabalhado também num conto para um projeto da minha editora, sobre o qual ainda não posso falar muito.

Comentários