Diário do Alentejo

Crónicas do cante: Juntas de freguesia: da salvaguarda à dinamização do cante

07 de setembro 2025 - 08:00

No próximo mês de outubro os portugueses são chamados às urnas para eleger os representantes do poder local. A campanha está na rua, já se ouvem promessas, baseadas nos programas eleitorais de cada uma das forças políticas concorrentes aos diferentes órgãos e todos comungam da ideia de que estas são umas eleições diferentes. E são!

A diferença destas eleições reside, sobretudo, na proximidade ou não, das populações aos eleitos e ao poder local e na discussão das realidades locais e regionais com base em factos e não em perceções generalistas, amplamente difundidas pela comunicação social nos telejornais nacionais. Nestas eleições discute-se a rua e o bairro de cada um, os espaços verdes, os transportes escolares, a economia local e muitos outros aspetos da vida mundana do dia-a-dia em comunidade, onde as juntas de freguesia assumem um papel importantíssimo.

Com efeito, a perceção social, moldada por fatores culturais, afetivos e simbólicos, pode atribuir às juntas de freguesia um papel mais ou menos relevante do que aquele que efetivamente desempenham. Esta divergência entre realidade e representação tem implicações significativas na forma como as coletividades reconhecem o apoio institucional, na valorização do associativismo e, em última instância, na própria coesão social. Assim, compreender esta distância entre o que é praticado e o que é percebido constitui um passo essencial para avaliar com maior rigor a eficácia da ação das juntas de freguesia na vida comunitária.

No desenrolar deste projeto que é o Arquivo Digital do Cante, o contacto regular com os grupos de cante leva a que, frequentemente, exista interação com as juntas de freguesia, através dos seus presidentes. Ora porque, legitimamente, querem saber o que se passa no seu território, ora porque querem conhecer o projeto ou também porque querem contribuir para o desenvolvimento do nosso trabalho para que o grupo da sua terra, em atividade ou não, seja referenciado.

Esta generosidade, esta disponibilidade e boa vontade, esta proximidade tão característica dos autarcas de freguesia, nem sempre reconhecida, corresponde, quase sempre, à dita diferença destas eleições comparativamente a outras.

Este traço de proximidade às populações revela-se desde sempre e está na génese do poder local democrático, pelo que, em vários arquivos dos grupos de cante, quer na correspondência recebida, quer na correspondência expedida, se constata a materialização desta proximidade, pelo elevado número de correspondência trocada entre as juntas de freguesia e os grupos.

Apesar da reduzida capacidade financeira das freguesias, é percetível que em muitos casos é o apoio das juntas de freguesia que vai permitindo a exequibilidade dos planos de atividade dos grupos, através de apoios financeiros pontuais, mas, sobretudo, pelo apoio logístico prestado (cedência de carrinhas, apoio administrativo, montagem de palcos, iluminação dos eventos, cedência de materiais para as sedes, apoio às refeições do encontro de grupos, por exemplo).

O objetivo destes apoios, de maior ou menor dimensão, dependendo da capacidade financeira e logística da freguesia, é sempre o de garantir as condições mínimas para que as estruturas culturais existentes não se deteriorem ou extingam. Não obstante este esforço, outros fatores como o despovoamento e envelhecimento do interior, em que a capacidade de intervenção das juntas de freguesia é diminuta, acabaram por ditar o fim de alguns grupos. Ainda assim, entendem os autarcas que a missão não termina aqui e por isso tentam encontrar formas de salvaguardar a memória e/ou implementar novos projetos que eliminem essas lacunas. Como é o exemplo da Junta de Freguesia da Póvoa de S.Miguel, no concelho de Moura, que nos disponibilizou algumas fotos em sua posse, do extinto grupo coral da freguesia, para que, através do Arquivo Digital do Cante, não se perca a memória. Ou, no quadro da tentativa de implementação de novos projetos ligados ao cante, o exemplo que nos chegou da Junta de Freguesia de Cercal do Alentejo, apelando à participação das crianças no cante. Ambos os exemplos são demonstrativos da persistência contínua das juntas de freguesia e dos seus autarcas em manter, de todas as formas possíveis, as dinâmicas do movimento associativo e a sua identidade tão viva quanto possível. E essa é também uma característica dos eleitos locais e também uma das causas que tornam estas eleições diferentes. Onde a perceção nem sempre vence a realidade!

 

Florêncio Cacete Coordenador do Arquivo Digital do CanteCidehus/Universidade de Évoraflorencio.cacete@uevora.pt

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