O Arquivo Digital do Cante continua no terreno e essa estada regular junto dos arquivos dos grupos e de várias pessoas ligadas ao cante permite-nos ir cumprindo com a missão inicialmente definida e recolher alguns documentos dispersos por algumas coleções privadas também. A crónica de hoje assenta em documentos que nos chegaram pela mão amiga do Eng.º Francisco Colaço, de Aljustrel. Um autêntico arqueólogo da memória coletiva do referido concelho, a quem se agradece os documentos que nos entregou. A documentação que nos foi entregue, entre outros dados de extrema relevância histórica e cultural, permite-nos hoje recordar a memorável noite de S. Pedro, do ano de 1951, em Beja. Uma noite de festa com assistência record, como classifica a imprensa regional, na capa da edição de dia 29 de junho desse ano. Uma noite para todos inesquecível, a julgar pela forma como é descrita e detalhada a “parada folclórica” desse ano, não desmerecendo as dos anos anteriores, lê-se. Participaram neste grande encontro do cante, 19 agrupamentos, entre adultos e infantis, que desfilaram mediante o júri, que se encontrava na frente da entrada principal do Governo Civil de Beja, ladeado por outras entidades oficiais. O cortejo de modas e de grupos iniciou com os grupos infantis (já os havia, portanto) oriundos de concelhos distintos: Serpa, Vidigueira, Despertar e Salvador de Beja e o Grupo Infantil da Mina de São Domingos, que há dois anos (1949) tinha recebido o 1.º prémio. Seguiram-se depois as formações adultas cuja ordem no desfile se definiu por sorteio: Mineiros de Aljustrel, Odemira, São João de Negrilhos, Despertar S.C.de Beja, Sobral da Adiça, Peroguarda, Almodôvar, Serpa, Grupo Coral Visconde Francisco de Beja, Ourique, Amareleja, Ferreira do Alentejo, Aldeia Nova de São Bento e Vidigueira. Pena é que não se tenham identificado os nomes dos grupos. Ainda que possamos deduzir alguns, tendo em conta documentação já encontrada, não é possível aferir de todos com segurança. Uma particularidade, já aqui referida, esta, de apenas se referir o concelho de proveniência dos grupos participantes nos certames desta época. Porém, neste concurso, há a registar um outro aspeto ímpar que se deveu ao Grupo de Peroguarda, pois apresentou “números de danças que mereceram entusiásticos aplausos”. Uma outra particularidade interessante é referenciada no final da reportagem jornalística, em que se escreve: “Terminado o concurso procedeu-se, junto do Convento da Conceição, à gravação das canções de alguns ranchos, com destino a um filme que o poeta Azinhal Abelho vai realizar sobre o Alentejo”. Será também Azinhal Abelho, natural de Orada, Borba, que assina o trabalho ilustrativo dos diplomas de participação dos grupos de cante do concurso de Lisboa em 1952. O que demonstra a sua efetiva ligação também ao cante. Tratando-se este certame de 1951 de um concurso, cuja direção esteve sob responsabilidade do arqueólogo Abel Viana, houve prémios. Sendo os mesmos, atribuídos por cada um dos júris, que eram compostos por pessoas com fortes ligações às manifestações culturais e ao cante. O júri do concurso de cante estava constituído pelo Dr. Meneses Soares (governador civil), Dr. José Augusto do Rego e padre Alfaiate Marvão. Atribuindo, estes, o 1.º prémio, na categoria de infantis, ao Grupo Coral da Mina de São Domingos, mil escudos (1000$00), ficando o grupo de Serpa em 2.º lugar e o da Vidigueira em 3.º. Na categoria de adultos, decidiu o júri atribuir ao Grupo dos Mineiros de Aljustrel o 1.º lugar, dois mil escudos (2000$00). Ficando como 2.º classificado o grupo de Vidigueira e em 3.º o grupo de Peroguarda. Todos os classificados receberam também prémios, de menor valor, mas igualmente simpáticos, tendo, inclusivamente, a comissão executiva instituído um 4.º prémio, concedido ao Grupo de Aldeia Nova de São Bento, “atendendo ao agrado com que o mesmo se exibiu”.Por sua vez, o Grupo Coral de Peroguarda recebeu o 1.º lugar do “Traje Regional”, cuja atribuição foi decida pelos jurados Cândido Marrecas, Joaquim Roque e Carlos Marques (filho), classificando-se em 2.º e 3.º lugar os grupos de São João de Negrilhos e Amareleja, respetivamente. Mais uma vez se sublinha a importância dos arquivos dos grupos, através desta crónica, cuja concretização foi possível porque alguém guardou um jornal da época, que deveria constar dos arquivos dos grupos também. Porém, nem sempre acontece e muitos de nós e dos grupos nomeados não teriam conhecimento de toda a dimensão deste encontro/concurso de canto popular que ocorreu em Beja há largas dezenas de anos.
Florêncio Cacete Coordenador do Arquivo Digital do CanteCidehus/Universidade de Évoraflorencio.cacete@uevora.pt