Texto | José Valente
Elisabete da Cunha, de 41 anos, é uma das cientistas portuguesas (possui dupla nacionalidade, portuguesa e australiana) homenageadas no livro Mulheres na Ciência pela agência Ciência Viva. A astrónoma afirma nesse livro que “os telescópios são verdadeiras máquinas de viajar no tempo e no espaço”.
Os media destacam a investigação e as descobertas de Elisabete da Cunha. A nível internacional a imprensa fala da sua última descoberta com uma equipa de mais de 20 astrónomos de vários países (Austrália, Holanda, Alemanha, Reino Unido, EUA, Chile, Japão e Itália) tendo estudado a estranha galáxia Rebels 25. O estudo foi publicado há poucos meses na prestigiada revista “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society”.
Elisabete da Cunha nasceu em Paris. A família é da região de Viana do Castelo. Licenciou-se na Universidade do Porto e tirou o doutoramento em Astrofísica pela Universidade de Paris VI. Vive na Austrália desde 2014. É investigadora no International Centre for Radio Astronomy Research (Icrar) da University of Western Australia, na cidade de Perth, desde 2019.
Desde muito cedo que tem um grande interesse pelas estrelas e, segundo a publicação “Sete Jornal”, quando frequentava o ensino secundário leu todos os livros de astronomia da sua escola. Elisabete da Cunha acredita que a astronomia não é só uma ciência fascinante, mas é também muito útil a todos nós.
Na revista “Sábado” ela confirma que o estudo do Universo trouxe benefícios para a humanidade. Desde o homem pré-histórico que contemplava o céu, procurando aí as suas origens, até às tecnologias de ponta, usadas primeiro pelos astrónomos, em aparelhos e software, e depois pela população no global, a astronomia foi benéfica. Ela afirma nessa revista: “Na minha ideia romântica de ver as coisas, a humanidade sempre quis perceber de onde vem e qual é o seu lugar no universo.” E continua: “As câmaras dos telemóveis resultam de uma técnica desenvolvida com o intuito de fotografar digitalmente o céu profundo.”
Agora ela estudou uma galáxia distante de nós 13 100 milhões de anos-luz, com uma idade de 700 milhões de anos após a criação do Universo, ou seja, após o Big Bang. A galáxia é misteriosa, possuindo o disco e rotação e é bastante organizada para essa época tão remota.
O “Diário do Alentejo” entrevistou Elisabete da Cunha
O que torna a galáxia Rebels 25 tão especial?É uma galáxia demasiado ordenada e evoluída para a sua época, ou seja, a imagem da galáxia é de pouco depois da origem do Universo e já apresenta características semelhantes a galáxias mais recentes.
Porquê?O Universo era mais pequeno e as galáxias colidiam muito umas com as outras e, como tal, não podiam ser muito organizadas. E, na altura a seguir ao Big Bang, havia nas galáxias mais gás que estrelas, hidrogénio e hélio. Os metais vieram depois.
O que são os metais para os astrofísicos?Tudo o que não é hidrogénio e hélio é, para os astrofísicos, metal. Na tabela periódica dos químicos a noção de metal é diferente.
Quando surgiu o gás do Universo?O gás veio antes das estrelas.
Essa galáxia já tinha semelhanças a uma galáxia mais recente, como a Via Láctea?Sim.
Quais as características da Via Láctea?A Via Láctea tem estrelas de população II com pouco ferro e algumas estrelas com 13 000 milhões de anos (com poucos metais), de pouca massa muito inferior à do Sol.
A REBELS 25 difere das primeiras galáxias formadas no Universo?Sim, ela tem características muito diferentes. A rotação era muito mais ordenada do que se estava à espera. Era mais evoluída do que se esperava.
Como era a sua constituição?Era muito poeirenta, o que indica que terá tido várias gerações de estrelas para formar os grãos de poeira.
Foi difícil estudar a rotação da galáxia?Para ver a rotação é necessário ver linhas espetrais muito brilhantes com muito sinal tendo sido usado a linha do Carbono. E, para isso foi necessário a rede de radiotelescópios ALMA.
Quais as vantagens do ALMA?O ALMA tem um poder de resolução grande e sensibilidade alta, uma vez que a galáxia é muito ténue por estar tão longe e ser mais pequena que a Via Láctea.
Qual o tamanho dessa galáxia?É talvez um décimo da Via Láctea.
Qual a região do espectro eletromagnético na observação da Rebels 25?Detetamos na região do infravermelho, onde o ALMA está especializado nas observações.
Podemos concluir que as outras galáxias nessas distâncias de nós, ou seja, observadas uns poucos milhões de anos a seguir ao Big Bang são diferentes da Rebels 25?Sim. Essas galáxias têm menos poeira e são menos evoluídas, tendo menor rotação e sendo rotações menos ordenadas. As galáxias maiores como esta talvez adquiram a rotação mais ordenada mais rapidamente, em menos tempo. A velocidade de rotação das galáxias maiores é superior.
Que dificuldades houve no estudo desta galáxia?Com as galáxias mais pequenas é mais difícil fazer as medições da rotação e detetar tão bem a linha do carbono.
Pensa um dia vir fazer investigação para Portugal?Se tivesse as condições que tenho na Austrália gostaria de vir para Portugal investigar, mas não vejo que isso ocorra tão cedo. As condições na Austrália são boas para fazer astrofísica, temos uma carreira estável e apoio financeiro do governo para a investigação. E temos também muitas bolsas.
Tem ganho prémios pelo reconhecimento da sua investigação?Ganhei um prémio atribuído a investigadores em meio de carreira, da universidade, e o ano passado ganhei uma bolsa do governo [O “Diário do Alentejo” acrescenta que no estado da Austrália Ocidental a comunidade portuguesa atribuiu à cientista o prémio “WA Portuguese Citizen of the Year 2022”].