Diário do Alentejo

Em busca do planeta X

14 de outubro 2024 - 08:00
Foto | D.R.Foto | D.R.

Texto José Valente

 

Pela primeira vez surgem fortes evidências da existência de um grande planeta nos confins do sistema solar, o misterioso planeta X.

Na antiguidade conheciam-se apenas seis planetas, sendo Saturno o último. Depois, o sistema solar foi “alargado” com os novos planetas descobertos: Urano, Neptuno e Plutão. Mais recentemente descobriram-se inúmeros planetas anões a seguir a Plutão. E, agora, uma simulação de computador de Patryk Lykawka, com muitíssimos dados reais das órbitas dos últimos planetas e de dezenas de planetas anões e objetos transneptunianos e bem fundamentada, evidencia a existência de um outro planeta grande muito para lá de Plutão.

Urano foi descoberto em 1781. O sistema solar ficou com o dobro da extensão, pois este planeta situa-se muito mais longe do Sol do que Saturno. O raio do sistema solar passou de 1450 milhões de quilómetros para 2850 milhões. Porém, de acordo com as leis da dinâmica de Newton, a órbita de Urano apresentava irregularidades que levou a suspeitar-se serem produzidas pela ação gravítica de outro grande planeta. Assim, procedeu-se à busca desse planeta. Os astrónomos Adams e Le Verrier fizeram previsões acerca da sua localização. Como que por milagre, os cálculos baseados nas fórmulas matemáticas de Newton permitiram a sua deteção perto da zona prevista. Foi no ano de 1846. Mais uma prova, entre tantas, de que a mecânica celeste funcionava e permitia fazer todo o tipo de previsões acerca da localização dos astros e de suas velocidades orbitais. O sistema solar tinha agora uma extensão (raio) de 4500 milhões de quilómetros. O universo passou a ser visto como um enorme relógio preciso e Deus como o relojoeiro.

Mas a órbita de Neptuno também parecia ter irregularidades e os astrónomos questionaram se não haveria ainda um outro planeta a seguir a Neptuno. Percival Lowell, um dos maiores astrónomos do mundo, foi um dos grandes impulsionadores na busca do planeta X. Esse planeta incógnito (daí a letra X) foi descoberto em 1930 e atribuíram-lhe o nome de Plutão em homenagem ao respetivo famoso astrónomo, cujo nome coincide com as primeiras letras, P de Percival e L de Lowell.

Alguns anos depois concluiu-se que Plutão tinha um tamanho muito mais pequeno do que a nossa simples Lua. E que a sua ação gravítica não poderia explicar as discrepâncias nos planetas Urano e Neptuno. Então, já nas últimas décadas do século XX e início do século XXI aumentam as tentativas de descobrir o novo planeta influenciador, designado planeta X.

Descobriram-se inúmeros objetos transneptunianos (situados a seguir a Neptuno), como Makemake, Sedna, Quaoar, Varuna, Haumea e Éris. No entanto, tinham um tamanho semelhante a Plutão ou muito menor. E muitos foram designados por planetas anões, como o próprio Plutão também passou a ser.

O misterioso planeta X continuava escondido dos olhares dos astrónomos.

Utilizando análises estatísticas, o conhecido descobridor de planetas anões, Mike Brown (descobriu Sedna) prevê que existam dezenas de planetas anões semelhantes a Sedna, que teriam menos de metade da massa de Plutão e uma menor quantidade deles o tamanho de Plutão. A quantidade de planetas com o dobro da massa de Plutão seria menos e com o triplo da sua massa apenas dois ou três. O número de planetas com o tamanho entre o de Marte e da Terra seria apenas um.

Isto é justificado por o tamanho do sistema solar se saber agora que é muito maior do que se calculou antes. Por exemplo, Sedna tem uma órbita muito elíptica, de 11 400 anos, afastando-se do Sol até mais de 30 vezes a distância de Neptuno do astro-rei, o que são 140 550 milhões de quilómetros.

A enorme órbita de Sedna poderia ser explicada pela influência de um planeta grande para lá de Neptuno, o tão procurado planeta X. É o que pensa o astrónomo Patryk Lykawka, que estudou vários objetos transneptunianos.

O astrónomo publicou há pouco tempo o resultado das suas simulações em computador no “The Astronomical Journal”, onde acredita haver evidência da existência desse novo grande planeta.

Patryk Sofia Lykawka licenciou-se em Física e mais tarde em Matemática, sendo um apaixonado pelas matérias que estudou e pelo que investiga no momento. Seguiu rumo ao Japão em 2001 e após ter conseguido o doutoramento e pós-doutoramento é professor e investigador na Universidade Kindai, em Osaka. Foi aí que a sua investigação conduziu à evidência séria de um possível novo planeta maciço, o planeta X, que a ser descoberto produzirá forte impacto na astronomia do sistema solar, ao implicar a necessidade de uma nova classe de planetas, uma revisão das teorias da formação do sistema solar e ao possível interesse da NASA pela exploração desse planeta e da Cintura de Kuiper.

As simulações envolveram as forças gravíticas dos planetas do sistema solar e do sol, das estrelas que passaram perto do sistema solar e ação gravítica da nossa galáxia, a Via Láctea. Foram analisados as ações gravíticas sobre os objetos transneptunianos, bem como os seus movimentos instáveis e a ação relativamente intensa do campo gravítico de Neptuno.

Nesse sentido, Patryk Lykawka concedeu uma entrevista ao “Diário do Alentejo”.

 Ao estudar os objetos transneptunianos deu-se conta de que estes apresentavam propriedades estranhas?

Primeiramente, a análise das populações de objetos transneptunianos no Cinturão de Kuiper distante revelou propriedades intrigantes e difíceis de explicar.

 

Onde se situam esses objetos astronómicos?

Eles são definidos na região além de 50 ua, onde ua é a unidade astronómica.

 

Que propriedades estranhas são essas?

Uma população proeminente de objetos transneptunianos distantes com órbitas além da influência gravitacional de Neptuno (com periélios acima de 40 ua), uma população significativa com inclinação orbital acima de 45 graus e objetos transneptunianos extremos com órbitas muito peculiares.

 

E que objetos transneptunianos são esses?

Listo no meu estudo 10 desses objetos, incluindo o mais conhecido, Sedna.

 

O que mais revela a sua análise?

A análise também identificou uma população importante de objetos transneptunianos ressonantes muito estáveis localizados em várias ressonâncias na mesma região.

 

O que concluiu com base nas simulações que efetuou?

Então, baseados em extensas simulações do sistema solar externo, incluindo um hipotético planeta com massas semelhantes ao da Terra (testei também várias órbitas para o planeta), obtive resultados que poderiam explicar as propriedades orbitais das populações do Cinturão de Kuiper distante descritas acima.

 

Esse possível planeta é importante para melhor compreendermos o sistema solar?

Isso sugere um papel vital desempenhado pelo planeta na formação do Cinturão de Kuiper que constitui o sistema solar.

 

E essas propriedades não se conseguem explicar pela influência gravitacional dos quatro planetas gigantes?

Também confirmei com simulações adicionais que o sistema solar externo atualmente conhecido contendo apenas os quatro planetas gigantes (Júpiter, Saturno, Úrano e Neptuno) não foi capaz de explicar essas propriedades.

 

Será que há um planeta com um tamanho significativo nos confins do Sistema Solar que possa explicar as suas análises?

Sim. Dessa forma este estudo prevê a existência de um planeta com massa de aproximadamente 1,5 a três terras no sistema solar externo distante, situado além de cerca de 200 ua.

 

Há uma só órbita possível para esse planeta ou podem existir mais órbitas possíveis?

Há três tipos de órbitas possíveis para o planeta: ~200-300 ua, ~200-500 ua e ~200-800 ua,

 

E qual das três órbitas possíveis tem mais probabilidades de ser a correta?

Os melhores resultados favorecem os dois últimos tipos.

Que mais coisas preveem as suas simulações?

As simulações também preveem a existência de muitos objetos transneptunianos em órbitas peculiares, semelhantes aos objetos transneptunianos extremos.

 

E qual a utilidade do seu estudo, ou seja, dessas previsões?

Essas previsões podem motivar novas pesquisas e observações telescópicas para explorar o sistema solar além de 50 ua e novos estudos teóricos sobre a formação do Cinturão de Kuiper e do próprio sistema solar.

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