Texto | José Valente
O astrofísico Pedro Mota Machado nasceu em Ponta Delgada, São Miguel, e é o orgulho de muitos açorianos. Professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e investigador no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, Pedro Machado pertence à União Astronómica Internacional (UAI), sendo membro da Divisão F de Sistemas Planetários e Astrobiologia. Sempre foi um apaixonado por livros. É um cientista bem conhecido e mediático. Há uns meses a revista “Superinteressante” destacou-o como um dos grandes cientistas portugueses. O programa televisivo “Cosmos”, de Carl Sagan, marcou-o para sempre. Em criança adorava olhar para o céu dos Açores e observar as inúmeras estrelas, apesar de nas ilhas o céu estar frequentemente nublado.
Pedro Machado investiga os planetas do Sistema Solar, com destaque para as atmosferas planetárias e os exoplanetas. Obteve o doutoramento em Astrofísica no Observatório de Paris (Universidade de Sorbonne) e na Universidade de Lisboa. Tem estudado a dinâmica, evolução ao longo do tempo e a composição das atmosferas de Vénus e Marte e também tem interesse nas atmosferas de Júpiter, Saturno e Titã. Trabalha com os maiores telescópios do Mundo e para complementar a sua investigação usa dados de diversas sondas espaciais, fazendo parte das equipas dessas missões. É o caso da missão espacial “Akatsuki”, da Agência Espacial do Japão (JAXA), e das missões da Agência Espacial Europeia (ESA) “Venus Express”, “Ariel”, “EnVision” e “Mars Express”. A missão “Akatsuki”, que tem observado Vénus, tem utilizado inúmeros dados para a sua investigação. Na missão “EnVision”, que irá estudar Vénus, é um dos responsáveis pelo espectrógrafo da sonda. Nesta sonda e na sonda Ariel tratará de trabalhar no financiamento e na coordenação das atividades da indústria nacional para a sua construção. A missão “Mars Express” também tem feito uso dos dados. Esta missão já leva mais de duas décadas desde que chegou a Marte em dezembro de 2003, mantendo-se ativa ainda hoje.
Conferência na Biblioteca Municipal de Beja
Pedro Machado proferiu a conferência “Outros mundos: a nova grande aventura está a começar”, a 25 de maio do ano passado, na Biblioteca Municipal de Beja.
Na conferência, com o anfiteatro da biblioteca cheio, falou do Universo, do Sistema Solar e das suas investigações. Um dos seus grandes interesses é perceber porque sendo os planetas Vénus e a Terra quase do mesmo tamanho, e situando-se na mesma zona do Sistema Solar, têm caraterísticas atmosféricas tão diferentes. Explica que enquanto o clima da Terra é agradável, o de Vénus mais parece o Inferno! A temperatura atinge aí os 467ºC (suficiente para derreter chumbo).
Outra questão interessantíssima é sabermos se estamos ou não sós no Universo. Haverá vida fora da Terra? Pedro Machado referiu que em algumas luas do Sistema Solar poderão existir moléculas orgânicas complexas e até formas de vida simples. A lua Europa (de Júpiter) e a lua Encelado (de Saturno) têm, provavelmente, debaixo das suas superfícies, oceanos de água líquida. Em algumas fraturas da camada superficial e formando geiseres foram detetados alguns jatos de água líquida emitidos para o espaço devido às diferenças de pressão e a uma gravidade fraca. E o incrível é que na água emitida detetaram-se moléculas orgânicas complexas! O que pode isso significar? Colocou-se a hipótese de poder haver nesses oceanos, debaixo da superfície, vida microbiana! Encélado, tem fonte de energia, tem água, aminoácidos e moléculas orgânicas. Talvez haja lá vida!
Pedro Machado também fez a apresentação de uma descoberta sensacional sua. Uma onda de ar gigante com 10 000 quilómetros de extensão na atmosfera de Vénus, que resulta de variações da pressão e temperatura atmosféricas em forma de “y” deitado, é explicada com novos modelos matemáticos desenvolvidos por Pedro Machado e sua equipa de astrofísicos portugueses e espanhóis. Essa onda foi fotografada pela sonda japonesa Akatsuki. O estudo que deu origem a um novo modelo matemático para explicar o fenómeno foi publicado na revista “Geophysical Research Letters” há cerca de uma década.Falou também no aquecimento global e no lixo espacial que tem aumentado de forma desmesurada.
Para além de conferências para um público geral, como na biblioteca de Beja, Pedro Machado tem participado em sessões de divulgação da ciência com crianças, em que aborda as questões do espaço com os conhecimentos da sua investigação em astronomia com a linguagem adequada. Tem sido um colaborador ativo no “Programa Ciência Viva”. Há muitas entrevistas com ele e as respostas que dá mostram o seu lado humano, a curiosidade pelo conhecimento e inspiram-nos a nós leitores.
Em entrevista ao “Diário da Lagoa” (jornal açoriano), de 18 de junho de 2022, Pedro Machado dá um belo conselho aos jovens: “Às vezes, há pessoas que nos dizem ‘isso é impossível’, ‘não consegues’, nunca acreditem. (…) Portanto, nunca desistam dos vossos sonhos, arranjem sempre maneira de dar a volta às coisas e inventar outras formas de poder chegar aos mesmos objetivos. (…) Rómulo de Carvalho (…) conhecido como António Gedeão (…) tem esta máxima: ‘O sonho comanda a vida’. O que eu desejo a todos é que os vossos sonhos comandem as vossas vidas”.
Pedro Machado conseguiu! Devemos acreditar sempre.
Asteroide 32599 Pedromachado
Ao asteroide 2001 QL160 foi dado o nome definitivo de 32599 Pedromachado, em sua honra, pela União Astronómica Internacional, como reconhecimento do seu trabalho de investigação na área dos asteroides e outros objetos menores do Sistema Solar.
O asteroide tem quase três quilómetros de extensão, leva cerca de 4,5 anos a orbitar o Sol, situando-se na cintura de asteroides entre Marte e Júpiter e foi descoberto em 2001 como o seu nome provisório sugere.
A ciência, a filosofia e a poesia Pedro Machado gosta de dialogar sobre a astronomia, o Universo e a ciência com outros cientistas, com filósofos, escritores e poetas e também jovens alunos da escola secundária ou da primária.
Ele comentou no diálogo com o poeta, também açoriano, Eduíno de Jesus, em 23 de dezembro de 2024, no programa “A Ronda da Noite”, da “RTP”, que é importante a ciência aproximar-se da filosofia e da poesia. A ciência afastou-se da base humanista. Nessa longa conversa, Eduíno diz que contempla a beleza, mas não entende. Pedro Machado compara a inteligência artificial (IA) com um telescópio dos que usa, ou seja, “a IA permite multiplicar e aumentar as nossas possibilidades e os nossos sentidos, a inteligência artificial tem a inteligência que nós lhe dermos”. Nós ajudamos a inteligência artificial a “ser mais rápida e eficaz a analisar um problema, mas ela apenas sabe o que o programador lhe ensinou”. Machado vê a IA como uma ferramenta e que não é completamente autónoma.
Pedro Machado costuma dizer que se puser o chapéu de cientista tem obrigatoriamente de pronunciar-se de acordo com o método científico. Para ele a ciência não explica, mas, sim, descreve.
As moléculas dos aminoácidos (formam as proteínas dos nossos músculos), glícidos (açúcares) e lípidos (gorduras) têm uma orientação geométrica chamada quiralidade, que nos seres humanos é igual à dos insetos e dos mamíferos como a zebra e outros. Essa quiralidade implica duas possíveis orientações, para a esquerda ou para a direita, e uma vez que as nossas moléculas têm a mesma orientação das moléculas desses animais, tal prova que somos irmãos.
Pedro Machado afirma: “Umas orientam-se para a direita e outras para a esquerda. No entanto, esperaríamos que 80 ou 90 por cento das moléculas das nossas células seguissem essa ordem, havendo uma margem de erro de 10 ou 20 por cento ou apenas 0,001 por cento. Mas, não, seguem essa ordem 100 por cento das moléculas, sendo o erro de zero por cento. Incrível!”.
Pedro Machado gosta de explicar que a génese da vida e a evolução dos seres vivos e de nós, humanos, ao longo de milhões de anos, está gravada no nosso ADN.
Na conversa com Pedro Machado, diz Eduíno de Jesus que na linguagem da poesia são as letras e as palavras que se combinam e dão-lhe o sentido. Por comparação também há uma linguagem da vida, em que as palavras são, neste caso, unidades que, de acordo com a gramática da bioquímica, surgem diversas vezes de forma repetida.
Esta ideia também já a li em belos livros de bioquímica quando estudei na Universidade de Évora: as poucas unidades de informação originam uma infinidade de ideias na poesia, ou, uma infinidade de estruturas e funções nos organismos vivos.
Em Beja, na conferência na biblioteca municipal, Pedro Machado explicou que as estrelas são feitas de mudança desde que nascem, “crescem” e morrem. E confessa que gosta de Luís de Camões quando o mesmo também diz nos seus poemas que tudo muda.
Em Constância, no Centro Ciência Viva, assisti a uma conferência em que se mostravam algumas ideias nos Lusíadas que nos lembravam a constituição do Mundo e alguns aspetos da astronomia e da ciência. Estas abordagens levam-nos a concluir que as humanidades estão mais próximo das ciências do que alguns julgam.
Pedro Machado costuma citar nas suas sessões que nós somos feitos do pó das estrelas como dizia Carl Sagan: “Somos filhos das estrelas”.
Pedro Machado motiva-nos nas sessões que faz sobre ciência. Aprendi na conferência de Beja, e nas conversas com Pedro Machado, muita coisa. E aprendemos todos. Não só os conhecimentos que ele nos oferece, mas também a gostar mais de ciência.
Apesar de a Terra nos dar tudo, nós estamos a tratar mal o nosso planeta. Há evidência científica disso, não se trata de uma simples opinião, mas de provas científicas. E o planeta mal tratado pelo Homem está a voltar-se contra nós através das consequências das alterações climáticas, do excesso de poluição e da perda de biodiversidade.
Ainda na conversa com Eduíno de Jesus, ele afirma: “A perfeição é imperfeita” e “cada pessoa tem o seu próprio erro que é a sua assinatura”.
Pedro Machado acredita que não podemos chegar à perfeição sozinhos, mas todos juntos, na interajuda, poderemos um dia contribuir para que a Humanidade chegue à luz e a poesia é o melhor canal que ele conhece para isso. Pedro Machado confessa: “A poesia poderá não mudar o Mundo, mas muda as pessoas e as pessoas mudam o Mundo”.
Viagens
Pedro Machado adora viajar, conhecer povos e colecionar contos tradicionais. Conheceu os povos Inuítes no Ártico, povos na Amazónia, Vietname e outros. Conheceu a cultura da Papua-Nova- -Guiné onde se falam mais de 700 línguas. Falou com budistas no Tibete. Um desses budistas disse-lhe algo que ele não esquece, uma grande lição: “Pedro, a perfeição é imperfeita”.
Em jovem leu livros sobre povos fantásticos em África que lhe despertaram o interesse de os conhecer. Aos 19 anos vai à procura do sonho que nasceu nesses livros. Viaja por África, fazendo milhares de quilómetros. Ficam-lhe na memória histórias incríveis, fez amizades e viveu aventuras. Pedro Machado acredita que, no fundo, as pessoas são naturalmente boas.
Em África passou meses com um jovem maasai e viveu como um maasai. Aprendeu os costumes e as tradições desse povo. Ficou-lhe uma amizade para toda a vida quando deu um lenço seu ao amigo e este ofereceu-lhe uma autêntica medalha dessa vivência, a adaga que levou para a selva para se defender dos leões no estágio que o fez passar para a idade adulta. Guarda religiosamente essa prenda. Esteve em África, também, com bosquímanos.
Fez vários interrail. Viu a mudança na antiga URSS. No primeiro ano em que se pôde viajar para a URSS fê-lo e constatou que os povos desses países são iguais a nós ocidentais. Havia uma curiosidade dos ocidentais em conhecer o mundo do leste e os habitantes do leste conhecerem o ocidente. Havia nesses países uma fome de liberdade. Essas aventuras foram documentadas. Pedro Machado acabou por escrever um livro sobre essas magníficas viagens.