Diário do Alentejo

Crónicas do cante: O êxito de uns pode não ser o de outros!

 

Modas e cantigas que se misturam!

 

 

Foto | Grupo Coral Infantil de Messejana*

 

É verão, está muita gente de férias, o País está a braços com os incêndios e já cheira a eleições autárquicas! Não obstante, na grande maioria das vilas e aldeias deste país (que até agora escaparam aos incêndios) realizaram-se, ou vão ainda realizar-se, as tradicionais festas, onde a comissão não se responsabiliza por qualquer incidente ocorrido durante as mesmas, lê-se no final de muitos cartazes que as anunciam.

O Alentejo não é exceção e em muitos festejos, sejam feiras, festas ou romarias, lá se vão encontrando amigos, familiares e conhecidos que se reencontram anualmente por ali. A par desta importância social dos eventos, que, graças à carolice de alguns, ainda se vão realizando, existe também a importância cultural de que se revestem, ou não, tais festejos, tão agregadores e significativos para a identidade do local. Daí que, e de acordo com a capacidade financeira da comissão de festas, se negoceia a contratação dos artistas de forma a oferecer uma programação cultural, em que, por vezes, se incluem grupos de cante, indo estes, regra geral, pro bono. Ou porque são da terra, ou por opção do grupo, ou por outra razão qualquer de entre muitas que são habituais e que não nos compete a nós julgar ou avaliar.

Estando o Arquivo Digital do Cante no terreno, no cumprimento da missão que nos leva até este Alentejo profundo, não raras vezes somos confrontados com a nossa participação nalguns festejos e numa lógica de participante observante ficamos atentos às apresentações dos grupos de cante, tendo nós reparado, neste ano, numa nova tendência de um ou outro grupo, em locais distintos e em datas diferentes, se apresentarem cantando cantigas de jovens artistas do Alentejo, enquadrados no panorama musical nacional e até internacional.

Soma-se a este facto um outro que advém de uma visível padronização dos temas interpretados pelos grupos de cante nas suas apresentações, transmitindo uma perceção, errada, de que, no Alentejo, todos os grupos cantam os mesmos temas e da mesma forma. Tentando perceber estes fenómenos, questionámos uma ou outra pessoa, integrantes dos grupos observados, de forma informal, ao que obtivemos sempre uma de duas respostas: “Se o (nome do artista) pode, por que é que nós não podemos?” ou “Se os outros grupos cantam, por que é que nós não podemos cantar?”. Enquanto isto, num desses dias, numa visita a um grupo, identificámos três ou quatro modas manuscritas, junto a uma máquina de escrever, que não chegaram a ser datilografadas porque quem as datilografava faleceu. E ali ficaram. E não se cantam! Como outras tantas que vamos encontrando nesses arquivos fora e em que algumas foram êxitos de outrora e que estão agora arquivadas – estão?! – no baú do tempo.

Não nos cabe a nós julgar ou avaliar, até porque a nossa máxima assenta no pressuposto de que o cante é e será aquilo que os grupos quiserem que seja. No entanto, não nos abstraímos da realidade e, porque somos investigadores, questionamos, procuramos respostas, observamos e registamos, para memória futura. E como tal também sabemos que há modas que transitaram de um local para outro e por isso se cantam em mais do que um local. Independentemente do constatado seria pena perderem-se modas que são autênticas relíquias do nosso cancioneiro e que estão silenciadas.

A luta pela sobrevivência dos grupos é cada vez mais difícil, devido à falta de apoios e de pessoas, mas é também pelo estudo, pela valorização e dignificação do património de cada grupo e do cante em geral que se poderá estancar uma dinâmica que já deixou tantos grupos pelo caminho e que hoje constituem apenas memória. E a esse propósito, da salvaguarda da memória e também da história – que essa, sim, é a missão do Arquivo Digital do Cante –, deixamos hoje um agradecimento ao estimado amigo, leitor e assinante do “Diário do Alentejo”, Henrique Petronilho, e sua esposa, Lurdes, pelas fotos do Grupo Coral Infantil de Messejana, que nos fizeram chegar e cuja datação está a ser conjuntamente apurada. Este foi apenas um dos que ficou pelo caminho! E para que a história não se perca e a memória não se apague, em boa hora nos chegaram mais estas fotos que iremos disponibilizar em breve no Arquivo Digital do Cante.

 

Florêncio Cacete Coordenador do Arquivo Digital do CanteCidehus/Universidade de Évoraflorencio.cacete@uevora.pt

 

*Foto gentilmente cedida por Henrique Petronilho e esposa, Lurdes

 

 

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