Texto Jorge Martins Ilustração Paulo Monteiro/Arquivo
Tendo como mote um editorial recente do “Diário do Alentejo”, que falava da silly season, creio que estamos nesta época “parva” (levando à letra esta expressão) já de algum tempo a esta parte, ultrapassando o habitual período sazonal que seria expectável.
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que após um trágico e indescritível acidente mortal de dois jovens, que deixam as famílias destroçadas para sempre, chovam artigos que comentam a ausência do astro do futebol, capitão da seleção nacional, nas cerimónias fúnebres. Como podemos faltar ao respeito às duas partes e considerar uma espécie de protocolo (inexistente, de resto, quer do ponto de vista escrito, quer do ponto de vista moral)?
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que os serviços de justiça, já de si lotados e com processos suficientes em curso, sejam ocupados por figuras públicas que se consideram ofendidas (e lesadas) por uma publicação nas redes sociais, de outra figura pública, associando à referida publicação um rol de efeitos aleatórios e impossíveis de relacionar, quando esta mais não era do que uma apreciação com teor humorístico (que, como se sabe, vai sempre depender do sentido de cada um, mas nunca deve ser entendido de outra forma, desde que bem feito e sem ofensa direta e explícita à integridade moral ou devassa da vida privada do próximo). Abrem-se precedentes para esta atividade de fazer humor, quando diariamente passam incólumes ofensas graves, cenários de crime e respetiva vista grossa, numa arena digital que se assemelha muito à Grécia antiga.
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que uma deputada de um partido exponha os nomes de crianças (do pré-escolar) para sustentar um argumento ideológico sem noção das consequências que isso possa trazer àquelas crianças, àquelas famílias, a este país.
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que uma guerra devastadora e inexplicavelmente duradoura, que já leva três anos e muitas mais vidas que não voltam, esteja a ser alvo de uma espécie de mediação estratégica pela mão de um líder cujo discernimento para governar a sua própria chafarica é sobejamente conhecido como sendo... peculiar.
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que, alegadamente, em prol da defesa dos interesses climáticos e globais, se abuse do património público e privado, se cortem estradas, se jogue tinta sobre pessoas, se interrompam programas de televisão em direto e se levem a cabo muitas outras iniciativas que não mais fazem do que descredibilizar a luta, fundamental, por um tema que é de todos.
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que existam criadores de conteúdos (maioritariamente digitais) que, pelo seu (estranho) alcance se tornam os ditos influencers, instiguem ao ódio, ao racismo, à misoginia e aos demais comportamentos historicamente nefastos à sociedade e a quem dela faz parte (pois isto é e continuará sempre a ser sobre pessoas) e que estes tenham quem os aplauda.
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que alguém critique um determinado comportamento ou defenda uma posição sobre um assunto específico que o incomoda e que a reação (regra geral por detrás do poder ilibatório de um teclado) seja a de ofensa gratuita sem contra argumentos válidos e, por isso, vazios de decência, senso ou noção.
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que tenha de se legislar sobre a utilização de telemóveis nas escolas do primeiro e segundo ciclos, numa espécie de rolha que pretende estancar um problema que não é de hoje, mas que é, ao mesmo tempo, um atestado de incompetência aos pais que, cedendo ao facilitismo dos dias, foram incapazes na sua tarefa e cuja incapacidade teve como consequência esta necessidade de se legislar. Gostava de acreditar que esta lei que se aplica ao ambiente escolar terá efeitos colaterais positivos no lar de cada um, mas receio que o risco seja o de compensação. Veremos...
Estamos numa fase em que parece ser normal (e aceitável) que eu possa considerar que nada disto é normal. Nem no novo normal, nem no velho normal. Digo-vos eu que nada disto é normal, nem é fácil de explicar pois, para isso, era necessário ser fácil de entender.