Texto Jorge Martins
Ilustração Susa Monteiro/Arquivo
No dia em que escrevo este artigo completam-se seis meses desde que fumei o último cigarro.
Não gosto, creio, até, nem estar ainda em condições de assumir esse patamar, de me considerar um ex-fumador, tampouco preciso desse rótulo.
Sou alguém que, para já, tomou uma decisão sem que isso represente um contrato vinculativo.
Mas este não é um texto sobre deixar de fumar.
Deixem-me partilhar uma história: recentemente (acho que será para sempre um “recentemente”) perdi alguém muito próximo (eufemismo para peça fundamental) para um cancro num pulmão. Alguém a quem dois meses “bastaram” desde o diagnóstico até à partida. O curioso (eufemismo para ingrato) foi que foram também aproximadamente dois os meses que separaram a decisão de deixar de fumar deste diagnóstico fatal.
Esta foi, de resto, uma decisão natural motivada por uma força interior de alguém que, na altura, perto de completar 60 anos, somava já acima dos 40 como fumador.
Seria hipócrita da minha parte dizer que este desfecho foi um alerta. Faria de mim um inconsciente dos malefícios. Mas será verdadeiro dizer que foi “inspirador”, pois nem sempre são os desfechos “felizes para sempre” que nos inspiram.
Já com esta decisão mais ou menos cimentada ouvi alguém dizer-me que para uma decisão semelhante o racional por detrás desta foi somar mais anos de vida enquanto não fumadora do que como fumadora. Justo. Com sentido. Inspirador, também.
Uma nota desta sociedade centrada, egoísta e polarizada, virada para o “Eu”: há dias, num restaurante, na mesa do lado, alguém partilhava a marca de dois meses sem fumar, quando rapidamente um outro ex-fumador se empoleirou a dizer que isso não era nada, que ele já levava três anos, dando a entender pelo tom que era um herói perante aquele “copinho de leite”. Ora, nada mais errado. Quem está neste processo sabe que cada dia conta como uma vitória alcançada. E se não precisamos de cartazes de apoio, também não precisamos de pessoas que desvalorizem o esforço implícito nesta caminhada. Muito menos daqueles que, a dada altura, também já estiveram neste marco que, na ocasião, lhes há de ter dado o conforto emocional suficiente para hoje poderem afirmar, à boca cheia, que chegaram aos três anos. Como disse linhas atrás, este não é um texto sobre deixar de fumar.
Quero que seja um texto sobre vontade. Sobre decisões. Sobre rever. Sobre voltar atrás. Sobre compromisso connosco próprios. Sobre vontade. Sobre noção. Sobre respeito.
Continuo a estar certo de que esta foi a melhor decisão. Mas isso não me vincula a um “para sempre”. Tem de me comprometer com o hoje. Comigo. Com os meus. Com o que quero para mim. Podia dar-vos aqui um conjunto de motivações que me fizeram chegar a este ponto, mas seria infrutífero pois, além deste não ser um texto sobre deixar de fumar, é também fundamental que cada um encontre as suas próprias linhas orientadoras.
Não é tanto sobre a decisão, é mais sobre o processo. Não é tanto sobre físico, é mais sobre capacidade emocional. Não é tanto sobre o que poupamos, é mais sobre o que ganhamos. Não é tanto sobre o outro mas, sim, digo-vos eu, sobre nós.
Porque estes 181 dias também são por ti, pai.