Texto | Luís Miguel Ricardo
Nasceu em Terrugem, Elvas, no ano de 1964, mas ainda em tenra idade trocou o Alentejo por Lisboa. Atualmente, reside entre a capital do território e a casa de partida, Terrugem.
É licenciado em Geografia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, fez dois mestrados, ambos na cidade de Aveiro, um na universidade, outro no Instituto Superior de Ciências da Informação e da Administração, e ambos durante um período em que desempenhou funções na Capitania do Porto de Aveiro.
A vida profissional fez-se como oficial da Marinha Portuguesa, e foi através da mesma que percorreu várias geografias do globo e que realizou estudos militares, com destaque, entre outros, para os desenvolvidos na Escola Naval e no Instituto de Estudos Superiores Militares.
No campo da literatura, teve várias distinções, com destaque para o “Prémio Novo Talento FNAC/Teorema”, com o romance Francisca (2006); “Prémio Literário Maria Rosa Colaço”, com o romance Ronda Filipina (2008-Almada); “Prémio Literário de Narrativa Boutique da Cultura/ /Câmara Municipal Lisboa” (ex aequo) – conto (2018); “Prémio Hernâni Cidade” (2024); e venceu um dos prémios de poesia do Festival Sons do Guadiana (2024), patrocinado pelo Presidente da República.Para além dos prémios literários, tem um vasto número de títulos publicados em várias valências das letras: em prosa, para além dos já referidos, tem O País Inacabado (2010), A Nave (2018) e Camilo Elvas (2025); em poesia: As Fogueiras da Triste Paixão (2009), A Fragata (2024); em atividades de recolha: Todos Nós Somos Camões (2008) e Do Que Ainda Ouvi Falar (2013); em antologia: II Antologia dos Poetas Lusófonos (2009) e Autores de Elvas – Geografia das Palavras (2024).Eis, na primeira pessoa, Manuel Tibério/César Magarreiro!
Porquê dois nomes e um autor? Chamo-me Manuel César Tibério Magarreiro. São, pois, parte de mim. Reparti funções. César Magarreiro ficou com a prosa e Manuel Tibério assumiu a poesia. Cada um deles a fazer o que mais gosta.
Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?Já tarde, infelizmente. Por isso, quando posso, influencio sempre os mais jovens a escrever. Há para aí muito boa gente que não tem a noção das suas reais capacidades. Nunca fui daquela gente que queima tudo à sua volta, mesmo as pequenas ervas que nascem, para que apenas a sua verdade/obra ganhe cor. Para mim, tudo começou com um email. Um simples email, enviado para alguém ligado ao jornalismo/ cultura a falar de um assunto que nada tinha a ver com a escrita. Gostou do texto e desafiou-me. Leio com gosto desde pequeno, e sempre me seduziu a temática “Cultura”. No entanto, cresci num meio em que o que mais importava era a sobrevivência e não a arte. Só mais tarde me libertei deste dogma, mas ainda fui a tempo. Algumas das minhas influências, na prosa, são os escritores João Ubaldo Ribeiro (brasileiro), Yaşar Kemal (turco) e Annie Ernaux (francesa). Na poesia, leio com frequência e todos me influem, contudo, não vou identificar nomes sonantes, e fico-me pela essência. Pelo povo e a sua poesia. Por exemplo, pelas mulheres e homens alentejanos que ainda fazem as décimas, que ainda as mantêm vivas.
Conto, romance e poesia. Qual o registo literário de eleição? Depende de com quem se está a falar. Se for com o César Magarreiro, este responderá que o conto, a novela ou o romance são as suas áreas de eleição. Responderá, ainda, que escrever num ou noutro género dependerá sempre do tempo que tenha, na altura, para a liberdade criativa, pois a vida quotidiana, a comum de todos os dias, também ocupa a vida de quem cria, muitas vezes retirando tempo de criação ou até dando azo a que se perca o foco quanto ao produto cultural a criar. Se se falar com o Manuel Tibério, conhecendo-o como conheço, não tenho dúvida de que dirá que o seu registo é a poesia. É um ser sensível, que a espaços me emerge na personalidade. Não precisa de tempo para a criação. Surge, impõe-se e, seja em que situação for, obriga a que tudo pare e que dê atenção ao que propõe. Depois desaparece, para um certo dia voltar a emergir e repetir o ciclo. Gosto dele, é meu amigo.
Onde se vai beber inspiração para a escrita?A tudo que me rodeia. É preciso andar desperto e atento. Seja a nível afetivo/social, seja quanto ao ambiente quotidiano/histórico. Por exemplo, um destes dias ia a passear num jardim de Benfica e vi um urso de peluche a baloiçar num trapézio pendurado numa árvore. Certamente uma decoração de Natal que ainda não tinha sido retirada. Logo ali escrevi o poema: “Elegia ou o urso acrobata”. A obra Francisca nasceu pelos 250 anos do terramoto de 1755. Já o texto Ronda Filipina teve origem num exercício que, pela Marinha, fiz em Porto Santo.
Dos vários trabalhos literários, algum a merecer especial destaque? O último é sempre o mais importante, pois ainda estou emocionalmente envolvido com ele. Tal e qual como no amor. Escrevi recentemente um conjunto de poemas sobre a fragata Gago Coutinho. Aquela que estava frente ao Terreiro do Paço na manhã do 25 de Abril de 1974. Dentro do navio, durante algum tempo, existiu o dilema acerca de disparar ou não disparar sobre as forças de Salgueiro Maia. Felizmente venceu a lógica do não disparar, levando a que também esta fragata tivesse concorrido, no sentido positivo, para o sucesso da Revolução. Claro que nos dias e anos seguintes surgiram duas fações e se apontou o dedo a quem se dizia ter querido disparar, levando a que a outra fação se defendesse e contasse a história à sua maneira. Escrevi a história em poesia e estou a fazer em prosa, a participação da Marinha na Revolução, onde também consta a história da fragata.
Que papel desempenha o Alentejo na produção literária de Magarreiro e Tibério?Desempenha um papel muito relevante. No romance Ronda Filipina, grande parte da ação ocorre no Alentejo. Em 2024, o Coletivo de Autores de Elvas, a que pertenço, levou a cabo a antologia Geografia das Palavras, na qual participei. Tenho também criado alguma poesia (décimas, sextilhas, etc.) e ganho alguns prémios em concursos no Alentejo e não só. Também nos trabalhos de recolha: recolha em texto – Todos Nós Somos Camões e Do Que Ainda Ouvi Falar – e recolha audiovisual – “História da Gente Comum” (em curso desde 2022) –, com apoio de dois amigos, o Luís Infante e o António Brinquete.
Qual a opinião sobre o universo literário em Portugal? Sendo a Cultura um universo de fracos recursos e para a qual são canalizadas escassas verbas, quando o são, é um meio que se propicia à castração de novos autores e até dos existentes. Muitas das vezes só emerges se te submetes à criação de produtos de mainstream e onde nunca deves hostilizar ou fazer sombra a quem já está convenientemente instalado no meio. Criei há pouco tempo uma chancela editorial, a Solid-Story, e pretendo com ela, não a afirmação da escrita de vaidade, mas, sim, aquela que seja um veículo para que os autores que tenham uma palavra a dizer e não vejam outras portas abertas, a não ser aquelas que os obrigam a pagar fortunas para verem o seu nome impresso na capa de um livro ou associado a uma fugaz referência na Internet, se possam afirmar.
E o acordo ortográfico?Concordo. Se se quiser olhar a partir de um ponto de vista mais conservador é um mal necessário. Abrindo a mente, aceito a sua necessidade, face a uma visão estratégica por parte de quem andou para a frente com o acordo. Aliás, a língua portuguesa nunca cristalizou, felizmente. E muito menos o pode fazer no mundo global em que vivemos. Se neste castelo linguístico continuássemos, quiséssemos ou não, o português do Brasil, e o de outros países que têm muito mais falantes do que nós, prevaleceria. Seríamos invadidos ou morreríamos lentamente. Puros e sós. Assim não aconteceu e tivemos uma palavra a dizer sobre tal. Neste âmbito, também de salientar e abordar a importância da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, gostemos ou não.
Que sonhos literários moram em Magarreiro e Tibério? O sonho de continuar. O sonho de saber que ao escrever não estou só e que faço com que outras pessoas/leitores também não o estejam. O sonho de saber que ao escrever também penso, e que faço com que outras pessoas/leitores também o façam, gostem ou não do que escrevo. Vivemos num mundo que caminha para a formatação. A Internet e as redes sociais são importantes, mas também perniciosas, quanto à arte em geral. Dão, mas tiram. A pressão das vendas, a pressão dos “gostos” no Instagram ou no Facebook, a pressão de escrever o que é o correto, a espuma dos dias e o que supostamente está na moda, o medo da crítica dos instagramers ou, pior, a sua bajulação por parte de editoras ou dos/as autores/as, para que escrevam apenas boas referências. Claro que nem tudo é isto, mas existe muito disto.Todos existem e todos têm um importante papel. Críticos e autores. Mas devemos estar cientes que tudo isto também cerceia a livre criação e, se não há firmeza e maturidade, apenas se escreve, no caso da escrita, claro, o que fica bem na fotografia social.
O que está na “manga”?Neste momento estou a trabalhar em duas obras distintas: uma sobre a participação da Marinha no 25 de Abril, desde as primeiras reuniões no Clube Militar Naval em 1973 até à tomada da Direção-Geral de Segurança na madrugada/manhã de 26 de abril 1974, passando pelo episódio da fragata no Tejo; e outra, que é uma biografia de um dirigente do Clube de Futebol Benfica: Domingos Estanislau.