Diário do Alentejo

Paulo Vaz: “Um escritor tem uma responsabilidade social que nem sempre os autores estão disponíveis ou prontos para assumir”

07 de abril 2025 - 08:00

Tem 35 anos, é natural de Portalegre e viveu por terras de Ponte de Sor até aos 18 anos, altura em que trocou a vila norte-alentejana por Coimbra, para prosseguir estudos. E os estudos desembocaram, numa primeira etapa, na licenciatura em Línguas Modernas: Português e Inglês, e, numa segunda etapa, no mestrado em Literatura Portuguesa. Volvidos alguns anos, voltou à “cidade dos estudantes e do conhecimento” para realizar um segundo mestrado, desta vez em Docência do Português.

Atualmente vive em Beja e é professor de português e inglês no Agrupamento de Escolas n.º 1 de Serpa. E foi na sua função de professor que no ano de 2022, com um plano de aula pensado para a disciplina de português, venceu o “Prémio Isabel Maria Aguiar Branco e Silva”, atribuído pelo Centro de Literatura Portuguesa, da Faculdade de Letras de Coimbra e da Fundação Engenheiro António de Almeida. Um prémio que visa estimular a contribuição dos professores de português para a construção de caminhos inovadores no trabalho com a literatura em sala de aula.

No campo da literatura, tem três obras publicadas. A primeira, intitulada Desistências da Carne, de 2017; a segunda, A Culpa, de 2018; e o terceiro livro, Envolto, publicado em 2022.

Em 2020, fundou, em parceria com alguns amigos, a Associação Debate Intemporal. Uma associação cultural, com sede em Ponte de Sor. Eis Paulo Vaz na primeira pessoa!

 

Quando e como foi descoberta a vocação para o universo das letras?

O gosto que surgiu primeiro foi o da leitura, quando tinha, sensivelmente, nove ou 10 anos. A escrita está muito ligada à leitura, no meu caso. Comecei por escrever textos soltos em inglês. Ao longo dos anos, o gosto pela escrita em português foi crescendo quando descobri que me podia expressar melhor na minha língua materna. Alguns textos e poemas foram sendo reconhecidos em diversos concursos literários, o que me motivou a não parar de escrever até hoje.

 

Poesia, documentário/investigação, prosa. Como é que estas valências de escrita se conciliam no autor Paulo Vaz?

Apesar de ter artigos sobre literatura publicados em atas de colóquios, o tipo de escrita que me é mais caro é a escrita literária. Neste ofício, interessa-me bastante a ideia de cruzar os modos poético e narrativo. Agrada-me contar uma história sem deixar de lado o pendor poético, a ambiguidade associada à literatura.

 

De onde vêm as motivações e as inspirações para a escrita?

Uma ideia que está presente, talvez desde o primeiro texto que escrevi, é a questão da precaução, de tentar prevenir ou alertar para certos comportamentos que prejudicam o outro ou mesmo a sociedade. Quanto à motivação, indubitavelmente, duas das grandes influências que tenho são as obras dos escritores Gonçalo M. Tavares e Franz Kafka. O surrealismo faz-me pensar, inquieta-me. Aprecio também a leitura de obras de Afonso Cruz. Gosto também de visitar os clássicos, Dostoiévski, Cervantes, Camões, por exemplo. São incontornáveis.

 

Para além da literatura, foi experimentada ou desenvolvida mais alguma forma de arte?

Interessa-me, principalmente, a literatura. Tenho, no entanto, a consciência de que a literatura pode conectar-se a outras formas de arte. O meu relatório de estágio em ensino tem precisamente o título: “O Diálogo entre as Artes e a Literatura nas aulas de Português”. Além dos livros publicados, tenho alguns trabalhos na área da videopoesia e um poema digital, sempre realizados em colaboração com outros artistas. Desde 2020 que participo também em sessões de poetry slam. É um formato de poesia falada que me interessa bastante e, em 2022, venci a eliminatória de Aveiro e pude participar no campeonato nacional. Foi uma experiência enriquecedora. Nestas sessões conhecemos muitas pessoas e fazemos alguns amigos.

 

Dos vários projetos literários desenvolvidos, algum a merecer especial destaque?

Gostaria aqui de destacar o meu terceiro livro, Envolto, pois foi aquele que teve uma maior tiragem e foi aquele que tive mais oportunidade e tempo para divulgar. O livro foi apresentado em várias cidades – Ponte de Sor, Avis, Évora, na Feira do Livro de Lisboa e na Festa do Livro de Belém. Este livro é especial, também, porque congrega textos produzidos para as minhas participações em sessões de poetry slam, tem também um poema que surge em forma de reflexão a propósito da minha participação na performance “Onirocritica”, na Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra, e outro poema escrito durante a residência artística com o músico brasileiro Mateus Aleluia, no teatro da Cerca de São Bernardo. Pegando um pouco na questão anterior, na terceira parte deste livro cada poema vem acompanhado por uma fotografia, aqui privilegia-se, portanto, o diálogo interartístico e ecfrástico, no sentido da descrição da imagem, já que os poemas surgem depois da imagem.

 

Que papel desempenha o Alentejo na produção literária de Paulo Vaz?

Apesar de nunca identificado, o Alto Alentejo é o cenário de todo o meu primeiro livro, Desistências da Carne, de 2017. A certa altura, a viver no Alentejo, senti um isolamento cultural relativamente a outras cidades onde tinha vivido. Acho, ainda assim, que este isolamento pode criar potencialidades e gerar vontades acumuladas, um sentimento essencial para fazer surgir coisas boas. Felizmente, este paradigma tem-se alterado, devido, principalmente, a movimentos associativos. Mais recentemente tenho-me preocupado bastante em relatar e documentar algumas situações de carência que observo na área onde vivo, sempre com a camuflagem da literatura.

 

Qual a opinião sobre o universo literário português?

O universo literário português é riquíssimo. Existem ótimos escritores e escritoras, alguns ainda pouco conhecidos. A facilidade de publicação tem o seu lado positivo, pois permite que qualquer pessoa possa publicar a sua obra, contudo, este fenómeno acaba sempre por ocultar alguma literatura essencial, já que é impossível acompanhar toda a produção literária, que é imensa. A questão do anonimato de alguns poetas/escritores pode ser problemática, porque eu acho que um escritor tem uma responsabilidade social que nem sempre os autores estão disponíveis ou prontos para assumir.

 

Acordo ortográfico. Qual o posicionamento face à polémica?

Relativamente ao acordo ortográfico, apesar da contestação que se ouve, considero que temos de pensar que a sua implementação vem contribuir imenso para diminuir a opacidade e a arbitrariedade que algumas palavras da língua portuguesa transportam para a fonética. Este pormenor pode ajudar, no limite, a diminuir a percentagem de dislexia, por exemplo. Existe ainda uma outra via de discussão que é a de refletir sobre a uniformização da(s) língua(s) portuguesa(s). Quanto a essa questão, sinceramente, não acho que algum dia existirá essa dita uniformização, nem seria sequer saudável para a(s) língua(s).

 

E a Associação Debate Intemporal. Que associação é esta?

A Associação Debate Intemporal é uma associação juvenil, cultural e recreativa, com sede em Ponte de Sor e fundada em 2020. Nasceu com a necessidade local de promover atividades culturais viradas para um público mais jovem. Desde a sua origem já realizou exposições, concertos, saraus, dinamizou ainda sessões de jogos de mesa e oficinas de escrita, de colagem e de negócios on line.

 

O que está na “manga”?

Neste momento estou a desenvolver, conceber um roteiro literário, com o objetivo de colocar em prática em Ponte de Sor, através da Associação Debate Intemporal, talvez ainda neste ano. Estou, paralelamente a este projeto, a reunir e a organizar textos para lançar o quarto livro.

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