Texto | Luís Miguel Ricardo
Define-se como “uma mulher sedenta pela vida, e que é mãe, esposa, filha e nora”. Tem 44 anos, é natural de Lisboa, mas prestes a residir em Montemor--o-Novo.É licenciada em Desenvolvimento Comunitário e Saúde Mental. Ingressou na indústria farmacêutica poucos anos após o nascimento do filho. Um ingresso que, associado às funções desempenhadas, a acicatou para a realização de uma pós-graduação em Gestão de Recursos Humanos. Uma especialidade académica que lhe preenche, atualmente, uma das suas valências profissionais, sendo responsável de recursos humanos numa empresa na área da ótica. Ocupação partilhada com a biblioterapia e a escrita.E na literatura tem publicado, em coautoria, o livro de contos Sublime Querer; tem participações, na modalidade de conto, nas seguintes coletâneas: Não Vão os Lobos Voltar; Que Não se Calem as Mãos; Viver; Os Melhores Contos da Fábrica do Terror – Vol. 2; Sympathy for the Grave; O Vendedor de Sofás. Também na modalidade de conto, publicou nas seguintes revistas digitais e websites: “Intercomunidades”, “Palavrar”, “Progredir”, “Orpheu Paredes” e “Fábrica do Terror”.É ainda coautora do podcast “Livros a três” e criadora e dinamizadora do projeto “À luz das letras”.Eis Cláudia Passarinho na primeira pessoa!
Quando e como foi descoberta a vocação para as letras? Posso dizer que passei por três fases, em tempos distintos, que culminaram na Cláudia que sou hoje. Em primeiro lugar, sempre adorei ler. O meu pai lia muito e, de alguma forma, incutiu-me a ideia de refúgio que a leitura pode proporcionar. No início da adolescência lembro-me que íamos acampar e quase todos os dias lia um livro em vez de conviver com outros miúdos da minha idade. Como as palavras coexistiam comigo numa espiral, prestes a materializar-se, quando a minha avó faleceu usei a escrita terapêutica como método de superação do luto. Uma coisa levou à outra. Veio a covid-19 e concluí um curso de escrita criativa. Participei em diversas atividades na escrita e aprimorei a minha técnica e a minha capacidade. Também ajuda o grupo de pessoas que convivem comigo diariamente e que me incentivam. Não é por acaso que Jim Rohn diz: “Nós somos a média das cinco pessoas com quem mais convivemos”. Confesso que se fica agradada quando vemos o nosso nome ser destacado em menções honrosas na modalidade de conto e de poesia, em ganhar prémios e em reconhecerem qualidade no nosso trabalho. Hoje, se quisesse parar já não seria capaz.Conto e poesia. Qual o registo literário de eleição?Adoro os dois géneros. Mas encanta-me a ideia de condensar técnicas que provocam emoções no leitor em menos páginas do que um romance ou uma novela. O conto é uma espécie de saco de vácuo, onde debitamos sensações, naturezas sensoriais, olfativas, táteis, personagens marcantes e muito mais numa narrativa curta. Quando o leitor lê, e fornece ar, o saco deixa de estar condensado. E aí revelam-se histórias impactantes e inesquecíveis. Coisas grandiosas.
Quais as motivações para a escrita de Cláudia Passarinho?A minha maior motivação na escrita começou por ser a minha família e a procura de deixar um legado. Esta situação ainda se mantém, porém, agora a minha motivação é ver crescer obra e perceber que a criatividade é um recurso ilimitado. Na verdade, atualmente, não preciso de motivação, a vida empurra-me para a escrita.
Sublime Querer. Que livro é este?O livro Sublime Querer foi o resultado da primeira edição do prémio literário “O Prazer da Escrita”, cujo objetivo era premiar novas vozes literárias. O concurso foi organizado pela Analita dos Santos e a Editora Visgarolho. Teve como vencedora a Ana Paula Campos. Eu e a Lara Vasques de Sousa recebemos menções honrosas. O Sublime Querer leva os leitores através de uma narrativa que oferece reflexões e revela as profundezas da condição humana. Podcast “Livros a três”. Do que se trata? Quais os objetivos do projeto?O podcast partiu de uma ideia minha. Acabei por verbalizá-la à Analita Alves dos Santos e à Inês Pinto, duas mulheres extraordinárias que disseram logo que sim ao projeto. O programa aborda uma variedade de temas relacionados com a escrita, literatura, artigos temáticos e cinema. O objetivo principal do projeto é, e vou usar o nosso slogan: demonstrar que “ler vai além de um simples virar páginas e que escrever é mais do que juntar de palavras”. Semanalmente exploramos diferentes facetas do mundo literário, damos a ouvir o clube de leitura “O prazer da escrita” e o clube de leitura “Inspirar à Ação”, onde exerço a curadoria juntamente com a Analita Alves dos Santos. Dei agora início à leitura dos artigos escritos por mim sobre a área da biblioterapia na revista “Progredir”.
E “À luz das letras”. Que projeto é este?Lá está, a minha cabeça tem o grave problema de não saber estar quieta. Pertenço ao “Clube dos writers”, um clube exclusivo para escritores e amantes da leitura. Considero que a escrita é um ato solitário, mas não precisa ser pontuado pela solidão. Explico melhor: muitas pessoas que gostam de escrever acabam por não o fazer porque se sentem limitadas nas suas capacidades como escreventes e julgadas pelos textos que criam. Nas sessões “À luz das letras” eu proponho dinâmicas de escrita, participamos em atividades como concursos ou desafios e, durante uma hora e meia a duas horas, os participantes escrevem livremente. Juntos, treinamos e exercitamos o ato de escrever. Este projeto une escritores, desbloqueia a criatividade e, na minha opinião, é libertador.
Biblioterapeuta. Pode desconstruir este conceito? A biblioterapia é a prática de usar livros como ferramenta terapêutica, promovendo o bem-estar emocional e psicológico por meio da leitura. O biblioterapeuta surge como alguém que orienta este processo terapêutico, ajudando as pessoas a encontrarem nos livros insights, reflexões e conforto para lidar com desafios pessoais. A biblioterapia transcende a ideia tradicional de que os livros servem apenas para entreter. A relação entre psicologia e a literatura é profunda e muito antiga, as palavras cuidam da alma. A literatura permite que os leitores vivenciem sentimentos e dilemas através das personagens e da vibração que as palavras oferecem, promovendo identificação e catarse.
Sendo a Cláudia uma nativa de Lisboa, como surge o Alentejo no seu trajeto de vida?Os meus pais compraram casa há mais de 15 anos numa aldeia perto de Montemor-o-Novo. E como há coisas que não se explicam, anos depois caiu do céu um pedaço de terra que nasceu para ser meu, em São Cristóvão. Em família decidimos alterar a nossa vida cosmopolita e investir num espaço onde possamos estar em comunhão com a natureza e fora do rebuliço citadino. Só sei dizer que sinto uma atração única pelas planícies, pelos tons, pela calmaria, pelo calor carnívoro do verão e pela geada nas manhãs de inverno. Não nasci no Alentejo, mas ele enraizou-se em mim.
E que papel desempenha o Alentejo na produção literária de Cláudia Passarinho?Desempenha um papel importante. O ato de contemplação que o Alentejo me permite desenvolver impulsiona a minha vontade de escrever e, nos últimos dois anos, tenho vivido experiências desafiadoras que me ensinaram muito e que gosto de passar para o papel.
Que sonhos literários/artísticos moram em Cláudia Passarinho?Como escreveu Fernando Pessoa no poema a “Tabacaria”: “Não posso querer ser nada/ À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Uma certeza que tenho é a de que quero continuar a escrever. Também pretendo divulgar a biblioterapia em Portugal e, quiçá, fazer história nesta área.
O que está na “manga”?O romance. Espero terminá-lo nos próximos meses. “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”, já dizia o nosso Saramago.