Diário do Alentejo

Um problema de equilíbrio

14 de julho 2024 - 08:00
Uma coisa em forma de...
Ilustração | Pedro E. SantosIlustração | Pedro E. Santos

Texto Ana Paula Figueira

 

Talvez hoje possa ser assim

 

Na origem, quando era desconhecida a noção de abismo, existia uma harmonia entre o Homem e o universo. Logo que essa noção passou a ser inerente a toda a experiência humana, gerou-se a perceção de que existe um equilíbrio que foge ao nosso domínio. Foi nesse preciso momento que nasceu a eterna e inglória busca do Homem, do e pelo justo equilíbrio – o tal onde mora a sua, mais ou menos nítida, completude –, cujo catártico caminho tem por fim, tão somente, exorcizar o medo.

 

Perplexos, alguns de nós começaram a correr mundo, de lés a lés, fazendo perguntas e procurando respostas, no desejo de reencontrar a candura e a nitidez do início ou, por outras palavras, a restituição do equilíbrio. Com esta nova situação, ao provocar uma qualquer ação, como saber se estamos a esconjurar ou a convocar, a luz ou a sombra?

 

Alertaram-me para a importância do discernimento e de saber discernir, com sabedoria. Desejavelmente, de uma forma íntegra, imparcial, legítima, apropriada e conveniente. Mas, esperar que todos assim o fizessem, afigurava-se-me uma fantasia… Perante as minhas dúvidas, preveniram-me para os perigos da ousadia – da coragem de agir ou de falar sem medo –, malgrado os riscos, factuais ou fictícios, que possam advir. Em particular, se essa ousadia estiver fundada na imprudência, ao invés de se alicerçar no conhecimento. Nestas circunstâncias, tenderia a converter-se numa tolice. Persistia, então, a pergunta: até onde se pode ir?

 

Seduzida por estas incertezas e indagações, também decidi empreender aquela viagem. Como navio, escolhi o meu corpo, a minha mente e a minha alma. Não sabia onde esta jornada me levaria, mas essa insciência era, talvez, o seu maior fascínio. Será que iria encontrar algumas certezas?

 

Porventura, a música, presente no sussurro do rio, no crepitar da fogueira, no assobio do vento, no tamborilar da chuva, no gorjeio dos pássaros, na voz do Homem… em todos os seres da natureza, pudesse ser a minha companheira de viagem.

 

Encontrei um leão a rugir e, sem que me chegasse muito perto dele, pedi-lhe

 

“Leão, ensinas-me a origem do teu rugido?”.

Ele, depois de me presentear com vários grunhidos, disse-me

 

“Aproxima-te. Não tenhas medo de mim. Põe a mão na minha cabeça e procura ouvir o que eu não sei dizer. Talvez encontres a resposta”.

 

A seguir, ao passar por um bosque, ouvi as árvores a conversar. Escolhi a mais frondosa e repeti a pergunta

 

“Árvore, conheces o som inicial da tua voz?”

 

Vi caírem-lhe muitas folhas de uma só vez. Presumi que isso terá resultado de alguma surpresa, ou de um certo espanto. Todavia, respondeu

 

“O inverno aproxima-se. As minhas folhas estão a mudar de cor e a cair… sempre foi assim e assim continuará a ser. A razão dir-te-á porquê”.

 

Ao dirigir-me para o mar, comecei a notar que este me presenteava com uma fresca e agradável brisa. Resolvi perguntar-lhe

 

“Brisa, explicas-me a origem do teu sibilo?”

 

Senti que ela se mexia, como se estivesse a ensaiar uma dança. Que eu não via. Enquanto isso, retorquiu

 

“Se fechares os olhos e acreditares, é possível que me vejas. Quiçá assim tenhas a tua resposta”.

 

Passado pouco tempo, cheguei ao mar. À sua beira, aproveitei para sentir o aroma da maresia.

 

“Mar, gostava de conhecer o princípio do murmúrio das tuas ondas quando quebram…”

Naquele momento, as ondas tornaram-se levemente maiores e, ao rebentarem, revelaram-se mais barulhentas. Apreensiva, recuei um bocadinho.

 

Depois de breves minutos, a tranquilidade voltou a impor-se. Chegara o momento do lusco-fusco. Eu permanecia descalça, com os pés na areia molhada, a sentir aquela energia. Havia pensado aproveitar o encanto do momento e questionar igualmente a luz. Optei por não o fazer. Por certo também não me iria responder.

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