Diário do Alentejo

A caixa de pandora do cosmos

04 de julho 2023 - 12:00
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O aglomerado de galáxias da Caixa de Pandora surgiu a partir de vários aglomerados com milhares de galáxias que chocaram entre si, sendo dos fenómenos mais majestosos do Universo.

 

Estas estruturas têm extensões de milhões de anos-luz e são compostas por galáxias, gás intergaláctico e matéria escura. Através destes fenómenos de colisões e de outros tenta-se localizar a matéria negra, medir a sua dimensão e a sua massa bem como descobrir um dos maiores mistérios da atualidade: a sua natureza.

 

O professor Eduardo Cypriano, astrofísico da Universidade de São Paulo, estudou este aglomerado de galáxias que também se designa por Abell 2744. O “Diário do Alentejo” entrevistou-o.

 

Texto José Valente

 

No aglomerado de Pandora surgiram espíritos maus e, por fim, a esperança, mas aqui refere-se a descobertas extraordinárias que saíram daí. As descobertas são citadas mundialmente. Por que foi esse seu estudo importante?

Foi um estudo usando lentes gravitacionais fracas neste aglomerado de galáxias. Eu já o tinha estudado na minha tese de doutoramento e percebi que ele se comportava de maneira diferente de outros aglomerados. E uma das razões para que isso aconteça é, justamente, a existência de colisões.

 

O que tratava o seu artigo de 2011?

Nele começámos a falar do aglomerado da Caixa de Pandora e o que sai dela são as estruturas do Universo. A técnica de lentes gravitacionais fracas baseia-se na medida da deformação das galáxias que estão atrás do aglomerado. A massa do aglomerado vai deformar o caminho da luz que vem e vai provocar distorções no formato da imagem. Muito pequeninas, mas quando usadas em conjunto, nós conseguimos medir e usar isso para mapear a distribuição da matéria.

 

O telescópio Hubble foi importante?

Sim. Ao usar esse telescópio em órbita nós tivemos acesso a um número muito maior de galáxias, ou seja, de dados, mas a área observada é relativamente pequena.

 

Os dados que forneceu eram de que telescópios?

Era preciso analisar uma área maior, de forma a capturar algumas estruturas que não cabiam na imagem do Hubble e foi aí que eu entrei com os meus dados que obtive com o VLT (Very Large Telescope), no Chile. Foi também utilizado o telescópio espacial Chandra para ter imagens em raios-x.

 

Qual a importância desses dados?

Foi conseguirmos fazer um mapa preciso da distribuição de matéria nesse aglomerado. O normal é ver uma distribuição de matéria e de gás esfericamente simétrica que projetado no plano do céu fica circular. Este aglomerado é bastante diferente. Ele vai ter subestruturas de três componentes principais, tanto de galáxias (vemos com imagens do ótico normal), quanto da distribuição do gás ionizado que emite raios-x devido à sua temperatura de perto de 100 milhões ºC, quanto da matéria escura (vemos com lentes gravitacionais). E o gás está dissociado das galáxias e da matéria escura. O que é outro sinal da existência de uma colisão.

 

Fale-me da colisão…

No aglomerado Bullet Cluster ocorre uma colisão bastante simples, dois sub-aglomerados passando um através do outro. As estrelas das galáxias não colidem entre si. Entre nós, e a estrela mais próxima de nós que é alfa-centauri, podem-se enfileirar vários milhões de sóis. Está a cerca de qautro anos-luz. Se eu passar uma galáxia por outra quase não vai haver nenhuma colisão estrela com estrela.

 

Provavelmente chocam duas ou três estrelas em 100 mil milhões de estrelas de cada galáxia…

É como se fosse um fantasma a passar por outro. E vai sentir-se a gravitação, é claro.

 

E a matéria escura e o gás interagem?

A matéria escura poderá ser constituída por partículas fundamentais. E, ou não interagem entre si ou têm uma interação muito fraca. Já o gás interage porque é uma componente diferente. O gás de um aglomerado vai fazer a pressão no gás do outro aglomerado. As galáxias vão-se atravessando e o gás sentindo essa pressão andando mais devagar. As galáxias vão chegar mais longe e o gás vai chegar menos longe. Vai haver a dissociação do gás em relação às galáxias e à matéria escura. Ao fazer uma imagem em raios-x vemos que o gás está numa posição mais central e as galáxias e a matéria escura estão mais afastadas.

 

E o que se passa no caso do Abell 2744?

É muito mais complexo. Há quatro estruturas. A história é muito mais rica. Há várias sucessões de aglomerados atravessando o aglomerado principal e o gás está à frente das galáxias e da matéria escura. Isto não tem uma explicação satisfatória até ao momento. Por isso é que esse artigo foi tão impactante tendo imensas citações.

 

Qual a massa deste aglomerado?

Foi uma colisão grandiosa. A massa total dele é muito grande. E são muito raros. A massa de uma galáxia média é 100 mil milhões de vezes a massa do Sol, ou seja, a massa deste aglomerado é 10 mil vezes mais. O que acontece aí é tudo bem espetacular porque é tudo muito grande.

 

O processo de choques é mais rápido?

Como as massas são grandes as velocidades de colisão são altas, pois dependem da atração gravitacional mútua das massas.

 

As galáxias movem-se muito rapidamente no aglomerado, e se não houvesse uma massa muito grande deste elas dispersar-se-iam?

Sim, a gigantesca massa prende-as de modo a elas se manterem na região.

 

Há atrito nas componentes de gás?

Sim. As componentes de gás chocam umas com as outras. A agitação das partículas do gás é elevada devido à grande velocidade do choque e à enorme massa dos aglomerados e a temperatura é, por isso, alta. Há uma complexidade de fenómenos aqui.

 

Quais os fenómenos interessantes que se verificaram?

Foi a dissociação do gás em relação às galáxias e à matéria escura. Quanto aos aglomerados que colidiram, estes convergiram para um deles e, provavelmente, daqui a algum tempo vão fazer parte de um só.

 

A partir das lentes gravitacionais descobriu-se a matéria escura no aglomerado e fez-se o seu mapeamento?

Exatamente.

 

Quanto tempo durou a colisão?

Acima de 300 milhões de anos.

 

O que acontecerá com esta colisão no futuro?

Esta colisão ainda está acontecendo e no futuro estas estruturas vão ter algumas oscilações. E vão todas cair no centro. As oscilações serão cada vez menores até parar.

 

É como um pêndulo com atrito a oscilar?

Um sistema como este vai ter quatro ou cinco oscilações. Até ficar equilibrado e fica regular, esfericamente simétrico, tornando-se aproximadamente uma esfera gigante e um dos maiores aglomerados do Universo com galáxias, gás e matéria escura. Esse processo até estabilizar todo levará mil milhões de anos.

 

Quais são os países envolvidos nesta investigação?

São a Alemanha, EUA, Reino Unido, Canadá, Itália, Israel, Espanha, Taiwan e Brasil.

 

Qual a importância da sua investigação?

É nós entendermos como se formam as grandes estruturas do Universo. E pode-se investigar a possibilidade de a matéria escura interagir consigo mesma.

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