Diário do Alentejo

Leandro Sidoncha: “O coração do Alentejo faz parte das minhas obras”

28 de abril 2023 - 13:00
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Leandro Sidoncha tem 46 anos, é natural de Lisboa, mas desenvolve, em conjunto com a mulher, Luísa, a sua atividade profissional de cantarias e escultura em pedra mármore e granitos, em Vila Nova de São Bento. No universo das artes, Leandro define-se como escultor autodidata.

 

Um percurso que começou em 1993, executando pequenos trabalhos de relevo no mármore, motivos florais, gravação de letras e imagens religiosas esculpidas em alto relevo mediante técnica manual, utilizando cinzéis e maceta.

 

Dois anos depois criou a primeira escultura num formato tridimensional, uma estatueta de um buda em pedra mármore branco, à qual atribui alguma fortuna na carreira. Talvez bafejado pela sorte e inspiração do Buda, em 1997 já fazia estatuetas religiosas com alguma facilidade e outras peças de cantaria ornamental. Também neste ano, num casual encontro, conheceu, em Vila Verde de Ficalho, o conceituado escultor multitécnica Abílio Febra, que na altura estava a fazer umas esculturas de grande porte com pedra mármore de Ficalho, para amigos, entre eles alguns artistas de renome, como o caso do mestre pintor gestualista Artur Bual.

 

E foi essa troca de impressões e de experiências com o mestre escultor que instigou Leandro para a escultura criativa num registo abstrato. Uma opção que recebeu as críticas positivas de artistas locais, como o pintor neofigurativo Francisco Relógio, e de gente com íntimas ligações ao mundo das artes plásticas. Críticas que o motivaram, desde então, para a criação de peças de pequeno e médio porte nessa valência da escultura. 

 

Ao longo de uma carreira com cerca de três décadas, Leandro Sidoncha já recebeu várias distinções e participou em diversos projetos artísticos, no Alentejo e fora dele, quer em Portugal, quer no estrangeiro, com destaque para: menção honrosa nos Prémios Salúquia – Artes Plásticas Terras Raianas, Moura, 2009; menção honrosa na 2.ª edição do Prémio Ibérico de Escultura Cidade de Serpa, 2009; menção honrosa na VII Bienal Salão das Artes da Vidigueira, 2010; galardão de reconhecimento artístico, na categoria de “Mais Artes e Fotografia”, pela revista “Mais Alentejo”, 2011; 1.º prémio na categoria de “Escultura”, na 8.ª Bienal Salão das Artes da Vidigueira, 2012; 2.º prémio de “Escultura” na 5.ª edição do Prémio Ibérico de Escultura Cidade de Serpa, 2012; 1.º prémio na IX Bienal Salão das Artes da Vidigueira, 2014; a participação na Bienal Artes Plásticas MertolArtes, integrando a exposição final e o catálogo com duas obras, 2016; participação na X Bienal Salão das Artes da Vidigueira, integrando a exposição final e o catálogo com duas obras, 2016; participação na 1.ª Bienal de Artes Plásticas e Literatura de Leiria, integrando a exposição final e catálogo com uma obra, 2016; construção da escultura de homenagem a Tomé Guerra, obra instalada em Rosal de la Frontera, Espanha, 2017; participação na exposição do IV Prémio Ibérico de Escultura Cidade de Serpa, 2018; participação na Bienal Artes Plásticas Mertolartes, 2018; participação na XI Bienal das Artes da Vidigueira, com duas esculturas, 2018; criação dos troféus escultura atribuídos aos atletas primeiros classificados nas gerais, masculinos e femininos, nas maratonas desportivas de bicicletas todo o terreno, realizadas em várias localidades alentejanas, entre os anos de 2012 e 2018; participação, desde 2006, na Fator – Feira Artes e Ofícios da Raia, evento que se realiza anualmente em Vila Verde de Ficalho; e participação em várias edições da Arte na Rua, promovida pela Câmara Municipal de Moura.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Como se caracteriza Leandro Sidoncha enquanto artista?

O meu estilo de esculturas abstratas assenta, em grande parte, em peças de homenagem à mulher no seu todo. Peças onde desfragmento a ideia de escultura corporal figurativa, procurando extrair a máxima delicadeza e leveza dos movimentos suaves do corpo feminino em total liberdade de expressão escultural e texturas. Gosto de fazer esculturas plenas de vibração, inquietações, emoção e sentimentos vários.  Não gosto de me focar nas preferências de mercado, seguindo um padrão comercial, pois, na minha opinião, essa estratégia dita o aprisionamento criativo. 

 

Quando e como foi descoberta a vocação para a escultura?

Sou bisneto, neto e filho de homens que viveram da pedra e das cantarias ornamentais, pelo que sou influenciado e motivado para este meio desde tenra idade. Eu ficava, e ainda hoje fico, fascinado com as obras de escultura que o meu avô paterno, Júlio D. Souto Sidoncha, fez, utilizando os poucos recursos disponíveis na época. Por isso, a escultura em pedra e o pó do mármore estão presentes no meu genoma. 

 

Que papel desempenha o Alentejo na sua arte?

Eu sou alentejano apesar de ter nascido em Lisboa. O coração do Alentejo faz parte das minhas obras, pois todas as minhas esculturas foram esculpidas com mármore do Alentejo, proveniente das pedreiras de Vila Viçosa e Vila Verde de Ficalho.

 

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, alguns mais marcantes?

Tenho duas obras que foram marcantes pelo reconhecimento atribuído: a obra “Germinar”, que conquistou o prémio na 7.ª Bienal Salão das Artes da Vidigueira, em 2012; e a obra “Eclosão”, que conquistou o segundo lugar na 5.ª edição do Prémio Ibérico de Escultura Cidade de Serpa, no ano 2012. Estas obras têm uma importância especial, porque passaram por um exigente processo de avaliação feito por professores portugueses e espanhóis, de renome nas áreas da escultura e artes plásticas, e provenientes das faculdades de belas artes.

 

Como são identificadas as temáticas alvo de criação?

Normalmente não sou eu que escolho as temáticas, as temáticas é que me seguem, é que surgem em mim de uma forma completamente natural e espontânea, são como o respirar, apesar de, como já referi, ter uma certa tendência em fazer esculturas que evoquem influência feminina.

 

Onde podem ser apreciadas as suas obras?

Da grande maioria das minhas esculturas desconheço o paradeiro, elas seguiram o seu percurso de existência quando foram adquiridas pelas suas novas famílias. Pode soar a delírio, mas considero que as esculturas são como filhos que criamos e que um dia seguem e vão à sua vida. Ou seja, as esculturas só são minhas até as esculpir e retirar do mármore, depois elas seguem a sua vida, não faz parte da minha natureza ser egoísta e aprisionar as obras no meu acervo. Mas algumas peças sei onde podem ser vistas, como, por exemplo, em Serpa, num espaço público, no edifício municipal e na Galeria de Arte Contemporânea Municipal; em Samora Correia, no auditório municipal; em Vidigueira, no edifício da biblioteca, no Centro Multifacetado e Novas Tecnologias e no edifício municipal; em Moura, no gabinete do presidente da câmara; em Vila Verde de Ficalho, no edifício da junta de freguesia.

 

Como é com a matéria-prima?

Nesse contexto não tenho qualquer dificuldade em conseguir as pedras para fazer as esculturas, pois existem várias pedreiras desativadas na região. Outras trago de Vila Viçosa sempre que me desloco para comprar matéria para a minha atividade profissional de canteiro. Para além disso, as minhas esculturas são obras de pequeno e médio porte, na sua maioria, pelo que não requerem grandes blocos de mármore para as fazer.

 

 

E o circuito comercial?

O circuito e o mercado das artes na área da escultura em pedra são bastante limitados. A escultura em pedra não é barata e, por outro lado, as pessoas estão mais ligadas às artes da pintura, quer pela cor, motivos e facilidade em transportar, e também porque é mais fácil encontrar um local para colocar nas suas casas. Os municípios, um pouco por todo o País, sofrem do mesmo mal crónico, ou seja, dão prioridade aos nomes emergentes das faculdades ou gente com fortes influências políticas ou outras que defendam os interesses. Já nós, os autodidatas, só temos lugar de destaque em época de eleições autárquicas e pouco mais. 

 

Qual a opinião sobre o estado da arte “escultura” em Portugal e no Alentejo?

Na minha opinião, não querendo ser redutor, os artistas, no geral, estão a passar por uma crise de valores humanos globais. Também o público já não dá a mesma atenção e valor às artes criativas como dava há uns 25 anos, em que as inaugurações enchiam de gente. Hoje vai um pequeno número de pessoas e muitos são familiares e amigos. Nunca, como agora, tivemos tanta qualidade e quantidade criativa, e nunca como agora tivemos tão pouca qualidade crítica.

 

Que sonhos artísticos moram em Leandro Sidoncha?

Gostaria de ter tempo para me dedicar a fazer escultura figurativa sacra. Sempre senti fascínio pela arte sacra clássica. Sou fã das obras de António Teixeira Lopes, de António Soares dos Reis, do mestre Santeiro Amálio Maia e, claro, do meu avô Júlio D. Souto Sidoncha, a quem devo o meu talento para a escultura ornamental.

 

O que está na “manga”?

Na manga tenho inúmeras ideias que pretendo levar a cabo nos próximos anos. Apesar da disponibilidade ser pouca, os sonhos e as vontades criativas são muitas. Tenho como pretensão atual fazer três esculturas por ano, para participar nos eventos dedicados às artes plásticas que acontecem um pouco por todo o País e além-fronteiras.

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