Diário do Alentejo

Jorge Buescu e a Matemática

27 de fevereiro 2023 - 09:00
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Texto José Valente

 

Jorge Buescu tem a minha idade. Nasceu em 1964, na cidade de Lisboa. Tirou o curso de Física na Universidade de Lisboa, o mestrado em Matemática no Instituto Superior Técnico e o doutoramento em Matemática na Universidade de Warwick.

 

Escreveu imensos artigos científicos, de divulgação científica e de caráter pedagógico. Lançou sete livros de matemática, publicados na coleção Ciência Aberta, da editora Gradiva, além de outros.

 

Foi, de 2016 a 2018, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, é atualmente vice-presidente da Sociedade Europeia de Matemática e teve o Prémio Rómulo de Carvalho de Investigação e Divulgação.

 

A Matemática é para ele uma verdadeira paixão. Adora divulgar a matemática e o que mais faz é contar histórias. Desta forma aceitou o convite para proferir uma conferência na Biblioteca Municipal de Beja (BMB) no dia 16 de fevereiro de 2023 e contar-nos as histórias referentes a três momentos cintilantes da matemática na Idade Média. Afinal, no domínio da matemática, a Idade Média não foi assim tão escura e aconteceram muitas coisas boas.

 

A seguir à conferência, na sessão de perguntas, questionou-se a aprendizagem da matemática, se era difícil ou não. O professor Buescu respondeu que era como subir um prédio. Não podemos ir para os andares superiores sem passar pelos inferiores. Temos de subir de andar em andar. Comentei que o professor Galopim de Carvalho me tinha dito que a aprendizagem da matemática é como subir uma escada. Podemos subir até onde queiramos desde que coloquemos os pés degrau a degrau. Antes de colocar o pé no degrau superior o outro pé tem de estar firme no anterior.

 

Quando se abordou a aprendizagem da matemática com jogos ou a aprendermos por nós próprio pelo método da descoberta, o professor disse que descobriu, com talvez oito anos, por si próprio, o Paradoxo de Zenão, tendo utilizado uma caixa que dividia a meio, numa metade de metade, dividindo sequencialmente sempre a meio a anterior fração pelo que o processo não tinha fim. Percebe-se que desde cedo ele tinha inclinação para o raciocínio matemático. No final da sua conferência confirmou que o mais importante para o professor de matemática ensinar bem é ter paixão.

 

No seu último livro trata da família de matemáticos Bernoulli num dos capítulos. Na presença da diretora da BMB, Paula Santos, perguntei ao professor Buescu em que outro capítulo falava do Feynman. Acabei por ler um pouco do que no livro estava escrito e ficámos encantados com a vida divertida e louca, bem como as descobertas fantásticas do Feynman, um dos maiores génios do século XX. No seu livro aborda, no último capítulo, os brinquedos do Dr. Tokieda, que provam que a matemática pode e deve ser divertida. Este sentido lúdico da matemática no seu ensino desde logo na escola primária foi desenvolvido de forma pioneira pelo professor bejense José Aiveca.

 

Ainda antes da conferência, conversei com o professor Buescu sobre o ensino da matemática e das ciências na escola primária praticado pelo pedagogo José Aiveca com muita criatividade, com metodologias novas e com total dedicação. Ele nunca ouvira falar na pessoa e ficou maravilhado.

 

Jorge Buescu gosta de ensinar e tem interesse pela estatística. Colaborou na análise matemática e estatística da evolução da pandemia covid-19 em Portugal. Ao ensino e à investigação dedica-se de corpo e alma. Contou-me que está a tentar resolver com um colega um problema de matemática complexo há quatro anos e ainda não terminou.

 

Em entrevista a Isabel Labouriau, para a “Gazeta de Matemática”, em julho de 2012, disse Jorge Buescu: “Todos devem aprender matemática! Mas não podemos ceder à tentação do facilitismo se queremos atingir a excelência”.

 

Nessa entrevista, Buescu esclarece-nos que não houve matemáticos de altíssimo nível no nosso país até ao século XX, com exceção de Gomes Teixeira e Anastácio da Cunha. Diz que isso é resultado do nosso mau sistema de ensino ao longo dos séculos. E da elevada taxa de analfabetização que era de 80 por cento quando comparada com países como a Alemanha, Inglaterra ou Dinamarca, onde foi inferior a um por cento. Diz que Pedro Nunes foi o maior matemático da Península Ibérica no século XVI, mas foi uma singularidade.

 

Durante anos discuti com os meus colegas professores sobre os sistemas de ensino dos vários países e fiz ver que os países do extremo oriente, como a Coreia do Sul e Singapura, têm tido os melhores resultados nas avaliações internacionais. O professor Buescu também concorda que o ensino da matemática nesses países está mais avançado e o Ocidente está a perder terreno.

 

Jorge Buescu, em entrevista a Isabel Tavares em junho de 2021, comentou que os novos programas de matemática representam um retrocesso de 30 anos e diz existir uma degradação do sistema de ensino em Portugal desde o ano de 2015. Ele tem vindo a afirmar em público que o ministro não ouve a Sociedade Portuguesa de Matemática, que tenta ajudar no diagnóstico e resolução dos problemas. Até quando?!

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