Diário do Alentejo

Crónica de Vanessa Schnitzer: Lacrima Vitis

30 de janeiro 2023 - 12:00
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Chega o novo ano, e imediatamente abre-se a janela que nos leva de encontro ao nosso estado de alma, ou mesmo para aquilo que nos rodeia. Apesar de parecer que somos ameaçados mais por uma espécie de automatismo social, do que propriamente uma nova estação de vida, o mês de janeiro força-nos, irremediavelmente, a um confronto com o verbo “recomeçar”. É um verbo tremendamente exigente, para quem se viu ontem de braço dado com o ano que passou.

 

É brutal, para aqueles que carecem de um certo revivalismo nostálgico, o bloqueio impiedoso mediante a chegada do verbo. Recordo-me do poema de Pessoa (“O Conde D. Henrique”): “Todo o começo é involuntário”. Um arranque forçoso, ao constatarmos que o tempo exterior não coincide exatamente com o nosso tempo interior. Contrariamente ao expectável, não deverá ser encarado como um obstáculo, mas como um convite para abraçar a aleatoriedade da vida.

 

A vida expressa-se num eterno ciclo, onde para coisa que finda, um novo começo que nasce. Se assim não fosse, não haveria a possibilidade de abraçarmos o novo e ir ao encontro de novos mundos, e ir à descoberta do desconhecido. Basta pensar no ciclo da videira, para garantir boas uvas, é preciso podá-la, e no exato momento em que acontece, não conseguimos evitar o fenómeno incontornável do “choro da videira” ou o “Lacrima Vitis”, que marca o início de um novo ciclo vegetativo da planta. Tal como acontece nas nossas vidas, somos convidados a fazer a uma poda, cortar os ramos mortos (apegos, medos, resistências) para ir ao encontro de uma nova aurora, para abraçar um novo amanhã, para ir à descoberta do tal “Quinto Império”.

 

Como aquela pergunta que o discípulo fez ao mestre Eduardo Galeano: “Caminho 10 passos e o horizonte corre 10 passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que nunca deixe de caminhar”.

 

E que este novo ano configure uma oportunidade para “criar uma utopia distinta, uma utopia contrária, uma nova utopia da vida, onde seja certo o amor e a felicidade, como uma segunda oportunidade sobre a terra…” (Gabriel Garcia Marquez).

 

Um feliz e utópico 2023!

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