Diário do Alentejo

A origem dos mamíferos | Parte II

17 de outubro 2022 - 10:00
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Texto José Valente

 

Desvendar a origem dos mamíferos é contribuir para a história do Homo sapiens, para a nossa própria história. Afinal de contas os seres humanos são mamíferos. Esta investigação não é fácil. Muitos dos fósseis que os paleontólogos encontram estão incompletos, podendo encontrar-se apenas o crânio, ou não mais que uma maxila ou uns quantos dentes. Outras vezes é o próprio crânio que falta. Alguns ossos podem estar partidos e espalhados na região.

 

Juntar as várias peças do fóssil é o mesmo que montar um puzzle. É um autêntico quebra-cabeças. Muitas vezes o fóssil está contido num bocado de rocha dura que é recortada e transportada para o laboratório. O local exato donde foi feito o achado deve ser devidamente anotado e referenciado. As peças fósseis são assinaladas. Algumas partes do esqueleto que faltem tentam-se deduzir por comparação com animais da mesma época ou inclusive com espécies da atualidade. O corpo do animal para além do esqueleto tenta-se reconstituir e na aparência global o mais difícil é deduzir a coloração original deste. Quanto às colorações são feitas comparações com os animais de hoje atendendo ao tipo de animal, ao meio ambiente onde viviam e às possíveis estratégias de camuflagem. Os fósseis de algumas espécies de animais mostram variações ao longo de milhões de anos. Uma das espécies melhor estudadas foi a do cavalo, cujos antepassados mais antigos chegaram a ter o tamanho de um pequeno cão. É o caso do denominado eohippus que viveu há 50 milhões de anos.

 

Nos antepassados do cavalo até ao cavalo atual, o equus, os ossos das patas e dedos tal como a dentição sofreram alterações contínuas. A mudança do meio ambiente também contribuiu para essas transformações. Mas, qual a razão por que as transformações das espécies ocorrem? Qual é afinal o motor da evolução das espécies? As espécies evoluem através do processo de seleção natural. As espécies menos aptas não sobrevivem para se reproduzir. Ao contrário, as espécies que desenvolvem novas características que lhes dão vantagem morrem mais tarde e reproduzem-se mais e mais. Ao longo das épocas há características que se vão acumulando e orientando as alterações dos seres vivos em determinadas direções. As novas espécies estarão assim seguramente mais bem-adaptadas aos novos meios ambientes.

 

Ao surgirem, os mamíferos eram certamente mais bem-adaptados do que as espécies anteriores que lhes deram origem. Mas, quais foram essas espécies que deram origem aos mamíferos? Houve uma modificação lenta dos répteis mamaliformes ou sinápsidos ao se aproximarem do aspeto de mamíferos e, com o passar dos anos, ficaram com o corpo quente e com pelugem. Na diferença de aspeto entre os mamíferos e os répteis salienta-se o facto de os mamíferos só conterem um osso na mandíbula inferior e os répteis conterem múltiplos ossos. Tem sido difícil descobrir uma sequência de animais que façam a transição dos sinápsidos até aos mamíferos. Esses possíveis animais ao terem um tamanho muito pequeno e com esqueleto frágil apresentariam um difícil processo de fossilização.

 

Os primeiros mamíferos eram semelhantes a pequenos musaranhos e os fósseis conhecidos são apenas mandíbulas e alguns dentes. Os sinápsidos caracterizam-se por terem desenvolvido uma única fenestra temporal pós-orbital na posição inferior (são aberturas no crânio, nos lados, atrás das cavidades oculares e que permitem a fixação dos músculos da mandíbula possibilitando ao animal morder com muito mais força). Dos sinápsidos houve evolução e surgiram os cinodontes. Houve, a partir destes animais, modificações que deram origem aos mamíferos, ao desenvolverem 4 tipos de dentes com aspetos e funções diferenciadas, ouvido médio com os 3 ossículos, o crânio relativamente grande e outras caraterísticas.

 

A dentição dos mamíferos permitiu-lhes mastigar melhor e comer mais alimentos, uma vez que a sua taxa metabólica é superior a outros animais. Os membros dos mamíferos diferenciam-se dos répteis, pois em vez de se situarem de lado, eles situam-se debaixo dos seus corpos permitindo um deslocamento ereto e possibilitando uma respiração mais eficiente à medida que caminham, bem como maior agilidade. Um cinodonte descoberto no início do século XXI foi o brasilodon quadrangularis que apresentava várias características semelhantes aos mamíferos atuais, colocando-o como um antepassado próximo dos primeiros mamíferos. O nome do animal é alusivo ao Brasil, o local da descoberta. Esse animal media cerca de um palmo de comprimento e pesava cerca de 15 gramas. Os seus hábitos eram noturnos, era insetívoro e também se alimentava de pequenos répteis e pequenos invertebrados. Tinha um instinto maternal cuidando dos filhotes em pequenas tocas. Este animal viveu há uns incríveis 225 milhões de anos!

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