Diário do Alentejo

Arinto: Frescura atlântica no Alentejo

02 de setembro 2022 - 18:00
Foto | Ricardo ZambujoFoto | Ricardo Zambujo

A casta Arinto está em franca expansão, tendo-se tornado nos últimos anos numa das variedades estruturais do vinho branco alentejano. A Arinto preserva uma grande frescura natural, com excelente equilíbrio entre o álcool e a acidez. Numa região quente como o Alentejo, surge em vinhos monovarietais, mas principalmente em lote com a Antão Vaz, Roupeiro, Verdelho e Alvarinho, aportando tensão, vivacidade e frescura atlântica.

 

Texto Manuel Baiôa

 

O VINHO BRANCO NO ALENTEJO

O Alentejo tem neste momento cerca de 12 por cento da superfície vitícola nacional e 14,6 por cento da produção (dados de 2019).

 

Contudo, no passado estes números eram bem mais baixos. Nos últimos 30 anos a área de vinha no Alentejo passou de cerca de 13 mil hectares para quase 23 mil hectares e de cerca de 40 produtores/engarrafadores passou-se para quase 250, tendo a produção de vinho crescido de cerca de 40 milhões de litros para mais de 125 milhões de litros em 2021.

 

Neste momento, a produção de vinho tinto tem a hegemonia na região transtagana. No passado havia um maior equilíbrio entre o vinho branco e o vinho tinto, embora existissem zonas, como na Vidigueira, entre outras, onde predominava o vinho branco. Nesses locais, quando se pedia um copo de vinho numa taberna era servido invariavelmente um copo de branco.

 

Os que gostavam de tinto tinham de pedir claramente ao taberneiro. Esta preferência pelo vinho branco explica-se pelo clima da região e pelos hábitos antigos, que privilegiavam o consumo deste tipo de vinho considerado mais puro e nobre desde a antiguidade clássica.

 

O Alentejo está neste momento mais associado ao vinho tinto, pois a área das castas tintas ultrapassa ligeiramente os 18 mil hectares, enquanto a área das variedades brancas não chega aos 5 mil hectares.

 

No entanto, a área dos vinhedos com castas brancas cresceu imenso desde os anos 80 do século passado, mas a um ritmo mais lento do que as tintas. Em 1989 a área de uvas brancas superava ligeiramente os 500 hectares e as castas tintas não chegavam aos 1200 hectares, embora muitas vinhas não estivessem inscritas legalmente.

 

Neste momento a DOC Vidigueira continua a ter a hegemonia na produção de vinho branco, logo seguida por Borba e Reguengos. A produção de vinho branco representa cerca de 22 por cento da produção total de vinho no Alentejo.

 

A modernização das adegas alentejanas foi fundamental para a melhoria e afirmação do vinho branco no mercado nacional. Desde o final dos anos 80 do século passado houve uma grande transformação das adegas e contrataram-se técnicos com formação superior que incentivaram a aquisição de tecnologias de ponta.

 

Adquiriram-se sistemas de receção de uva modernos, prensas pneumáticas, cubas de inox com sistemas de frio, que possibilitavam que a fermentação ocorresse a uma temperatura controlada baixa, em torno dos 12ºC a 18ºC. Surgiram ainda as primeiras barricas de carvalho francês para a fermentação e estágio dos vinhos.

 

Estas novas ferramentas possibilitam aos enólogos mostrar um perfil aromático do vinho branco alentejano até aí desconhecido, exuberante, fresco, frutado e limpo, abandonando definitivamente o perfil do vinho branco rústico e oxidado do passado.

 

Portanto, a região viveu uma autêntica revolução desde o final do século passado, com uma grande transformação também ao nível das castas, da condução e do local onde as vinhas foram plantadas. As antigas vinhas em taça, não aramadas, foram desaparecendo lentamente.

 

As novas vinhas do Alentejo começaram a instalar-se em locais onde nem sempre tinham existido. As novas vinhas foram plantadas com alinhamento e condução modernas, com rega gota-a-gota, com talhões diferenciados para cada casta e sem consociação com outras culturas. Reduziu-se o número de variedades plantadas, pois selecionaram-se as castas e os clones que naquele momento pareciam dar melhores garantias de sucesso. Entre as castas brancas que mais têm crescido no Alentejo destaca-se a Arinto.

 

ARINTO: UMA CASTA PORTUGUESA MUITO ANTIGA

A espécie “Vitis Vinifera” terá nascido no Cáucaso, embora estudos recentes apontem a Península Ibérica como outro local onde terão surgido as videiras ancestrais que dão origem ao vinho. Portugal é um dos países mais rico em diversidade de castas, tendo cerca de 250 das 5000 que estão registadas em todo o mundo.

 

De entre elas, destacamos hoje a Arinto, uma das castas portuguesas mais antiga, já identificada em alguns estudos do século XVIII. Terá nascido na região de Bucelas, tendo como progenitores a Branco Escola e a Castelão.

 

No passado pensou-se que poderia ter algum parentesco com a casta Riesling, devido à elevada acidez e às semelhanças ao nível do aroma e do sabor dos seus vinhos. Contudo, os testes de ADN demonstraram que é de ascendência portuguesa, da região Oeste de Lisboa.

 

É nessa zona que existe maior variabilidade clonal em vinhas velhas e é aí que atinge uma qualidade excecional devido ao clima temperado e aos solos calcários da região. Ainda assim, foi uma casta que viajou precocemente por todas as regiões portuguesas devido à sua grande capacidade de adaptação a diferentes terrenos e climas.

 

Por isso existem inúmeras sinonímias nas várias regiões onde se foi implantando, tais como: Pedernã na região dos Vinhos Verdes, Pé de Perdiz Branco, Chapeludo, Azal Espanhol e Azal Galego.

 

A CASTA ARINTO NO ALENTEJO

As castas têm características próprias que induzem nos mostos traços diferenciados, que por sua vez originam vinhos com perfis, sabores e aromas distintos. As castas constituem talvez a principal influência no estilo e caráter de cada vinho.

 

Embora este também seja altamente influenciado pelos solos, pela capacidade de retenção de água do local, pela altitude, pelo declive, pelo clima onde estão plantadas as videiras e pelo fator humano que intervém na viticultura e na adega, transformado as uvas em vinho. A este conjunto, castas, solos, local, clima e fator humano costuma chamar-se “terroir”.

 

Existem alguns milhares de variedades de uvas catalogadas em todo o mundo e Portugal é um dos países com mais castas indígenas, algumas delas exclusivas e inexistentes em qualquer outra nação.

 

Uma das castas nacionais que mais se tem destacado nas últimas décadas é a Arinto. É possivelmente a variedade branca melhor adaptada a todo o país, estando presente em todas as regiões.

 

Ganhou uma especial relevância no Alentejo nos últimos anos. Em 2021 a área de Arinto abrangia um total de 887 hectares, sendo a segunda casta branca mais plantada no Alentejo. É apenas superada pela Antão Vaz (1307 ha) e ultrapassou recentemente a Roupeiro (750 ha), que era no passado a casta mais importante no Sul de Portugal, mas que está a perder representatividade.

 

A Arinto tem vindo a ganhar peso na maioria das sub-regiões do Alentejo e está distribuída com alguma uniformidade, ao contrário da Antão Vaz que tem pouca relevância a Norte de Évora.

 

A Arinto é a casta branca mais plantada nas DOC de Borba, Portalegre, Évora e Moura, é a segunda na Vidigueira e a terceira em Reguengos, Redondo e Granja-Amareleja. Nas áreas de Indicação Geográfica Alentejano / Vinho Regional Alentejano é a segunda variedade mais plantada, sendo apenas superada pela Antão Vaz.

 

A Arinto tornou-se numa das castas mais consensuais do Alentejo, pois é polivalente, podendo fazer vinhos brancos ou espumantes de entrada de gama ou super premium, desde que seja conduzida desde a vinha até à adega para esse efeito.

 

É uma variedade plástica, que se adapta aos vários terroirs, e é amiga do enólogo na adega em monovarietais ou em lote com outras variedades. Ao ser rica em acidez natural é uma importante fonte de vivacidade e frescura, principalmente nas zonas mais quentes, como é o caso do Alentejo. A casta Arinto origina vinhos vibrantes, devido à sua elevada acidez, marcadamente minerais e com grande capacidade refrescante.

 

Em jovem tem habitualmente um aroma discreto, com apontamentos de maçã verde, lima, limão e um caráter vegetal condimentado por uma mineralidade picante. Sendo uma casta com excelente potencial de guarda, mostra passado alguns anos em vinhos mais ambiciosos aromas de mel, frutos secos, pederneira e querosene.

 

A enóloga Sandra Sárria, da Fita Preta, defende que a “Arinto é uma das grandes castas brancas portuguesas mais difundidas em Portugal, sendo a espinha dorsal da maioria dos vinhos brancos portugueses. No nosso caso, representa a maior parte dos nossos blends, permitindo um balanço perfeito entre as castas autóctones alentejanas que são pouco intensas, quer de aroma, quer de sabor. Produz vinhos cítricos e minerais, que podem durar por muito tempo”.

 

A enóloga Marta Pereira Verena, da Herdade dos Lagos, segue a mesma linha de raciocínio: “a casta Arinto é sem dúvida uma grande ferramenta nos lotes de vinhos brancos para os enólogos no Alentejo, pois esta casta permite dar a acidez natural aos vinhos, sem ser necessário a acidificação” induzida artificialmente.

 

A Arinto é uma casta plástica, que se molda a todos as regiões portuguesas, até nas mais extremas mostra as suas virtudes, como é o caso do vale do rio Guadiana.

 

Filipe Sevinate Pinto, enólogo da Herdade Vale D’Évora, refere que a “Arinto é uma casta que se adapta bem ao nosso terroir. É uma casta elegante, contida aromaticamente que deixa espaço à expressão do meio envolvente, seja nas estevas que rodeiam a vinha, muito presentes na flora de Mértola, seja no xisto que compõe os nossos solos e também na frescura que preserva num ambiente tão extremado, quente e austero como é o de Mértola”.

 

Multimédia0Foto | José Serrano

 

A ARINTO NA VINHA

A Arinto é uma casta muito vigorosa, tem poucos cachos, mas com um tamanho médio/grande, compactos e com bagos pequenos. Pode ser bastante produtiva no caso de ser podada a vara longa (Guyot), atingindo 12 a 15 toneladas por hectare em terrenos férteis.

 

Por isso, nos vinhos premium e super premium opta-se normalmente por uma poda curta ou mista, para se obter uma produção equilibrada, mas de grande qualidade, em torno das 6 a 9 toneladas por hectare.

 

A maioria dos produtores alentejanos estão inseridos no sistema de produção integrada e caminham para práticas de sustentabilidade, seguindo o programa de produção sustentável dos vinhos do Alentejo (PSVA), iniciativa criada pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana.

 

Óscar Gato, enólogo da Adega de Borba, defende que “com estes modos de produção de uva, conseguimos maior equilíbrio no ecossistema solo-vinha. O sistema de condução das plantas em cordão bilateral, com baixo número de gomos à carga, permite uma produção moderada na casta Arinto, pelo que existe uma autorregulação produtiva nesta variedade”.

 

Alguns produtores alentejanos estão a dar passos para o modo de produção biológico. Acreditam que alterando as práticas da agricultura convencional irão desenvolver um solo com vida, capaz de alimentar corretamente a videira, transmitir-lhe a sua essência.

 

Não utilizam agroquímicos, fazem poucas mobilizações do solo e favorecem a existência de um coberto vegetal na vinha, estimulando a biodiversidade, entre outras medidas agroambientais que implementaram. Pretende-se criar um ecossistema resiliente, em que as plantas e o solo encontrem o seu equilíbrio.

 

Contudo, esta mudança pode ser problemática nos primeiros anos, provocando uma baixa na produção. Mas os produtores acreditam que é compensada pela qualidade e pureza do vinho que passam a apresentar. A enóloga Marta Pereira Verena revela que esta foi a opção tomada há muito tempo pela Herdade dos Lagos. Nos 1000 hectares da propriedade, “praticamos as normas da agricultura biológica e desde junho de 2021, com certificação pelo programa de sustentabilidade dos vinhos alentejanos”.

 

Noutra propriedade vizinha, na Herdade da Malhadinha Nova, também se enveredou “desde 2016 por uma viticultura 100% biológica, tendo a Arinto uma produção média de seis toneladas por hectare”, conforme atesta o enólogo Nuno Gonzalez.

 

As parcelas de Arinto da Fita Preta, em Évora, são de sequeiro, instaladas em solos de saibros graníticos. Estão, segundo a enóloga Leonor Frazão, “em agricultura biológica desde o momento de plantação” em 2017.

 

Estes “terrenos estiveram séculos em pousio ou com ocupação de gado extensivo. As vinhas foram conduzidas em cordão bilateral com uma densidade de plantação de 3300 plantas/ha” procurando que o seu “rendimento não seja superior a sete toneladas por hectare”.

 

A Fita Preta também está em processo de certificação no programa de sustentabilidade dos vinhos do Alentejo – PSVA “o que implica inovação e aplicação de práticas sustentáveis tanto a nível da adega como a nível da vinha.

 

Foram várias as medidas tomadas neste campo, tanto a nível de alteração de algumas práticas agrícolas como de aquisição de equipamentos mais sustentáveis. Uma das medidas adotadas foi a introdução de ovelhas para controlo de infestantes durante o período de repouso vegetativo que para além de contribuir na gestão do enrelvamento ainda ajuda na adubação”.

 

As vinhas da Herdade do Rocim estão em conversão para o modo de produção biológico e a vinha que dá origem ao Grande Rocim Branco 2019 é conduzida em cordão bilateral com “uma produção contida às 5 toneladas por hectare para potenciar a qualidade do fruto”, concluiu o enólogo Pedro Ribeiro.

 

A qualidade de um vinho começa a ser determinada pela rocha-mãe onde está implantada a vinha. No caso da Arinto, os solos graníticos, xistosos e calcários parecem ser os mais indicados para a produção de um grande vinho.

 

O enólogo Alexandre Relvas acredita que o vinho Herdade de São Miguel Esquecido 2020, um 100 por cento Arinto, é marcado pelos “solos xistosos que transmitem ao vinho uma mineralidade quase salina, aportando-lhe uma enorme riqueza e complexidade”.

 

Dentro da mesma linha de pensamento, o enólogo da Quinta do Paral, Luís Morgado Leão, realça as qualidades dos “vinhos da casta Arinto no terroir da Vidigueira, pois apresentam uma enorme componente mineral no aroma com notas de sílex e pólvora, em boca muito frescos e complexos e com uma excelente capacidade de evolução em garrafa”.

 

Filipe Ladeiras, enólogo da Herdade da Cardeira, defende que os “solos argilo-calcários, combinados com o microclima muito característico da região de Borba e mais propriamente das nossas vinhas, permite-nos obter uma acidez natural muito vincada na casta Arinto, bem como uma concentração muito acentuada e elegante”.

 

A enóloga da Casa Clara, Alexandra Mendes, explica que “a casta Arinto está plantada na Herdade da Capela, freguesia de Pias, em solos pobres de origem calcária, conhecidos pelos “caliços de Pias”. O clima é marcadamente continental, com temperaturas máximas muito elevadas, temperaturas mínimas bastante baixas e enormes amplitudes térmicas, mesmo na época da maturação das uvas e vindima. Neste contexto a Arinto, denota frescura, quando vindimada mais cedo, alcançando vinhos frutados com características citrinas e muito personalizadas, bastante estrutura e persistência, que lhe confere excelentes condições para o envelhecimento dos seus vinhos”.

 

Uma forma de potenciar a sofisticação dos vinhos é fundir mostos provenientes de substratos rochosos diferentes, pois cada um deles aporta características únicas. É o caso do vinho LOU 2019, um 100 por cento Arinto proveniente de duas parcelas de vinha distintas da região de Estremoz: uma de solo calcário a 400 metros de altitude e outra de substrato de xisto a cerca de 300 metros de altitude. Segundo o enólogo Luís Louro, da Adega do Monte Branco, “a diversidade dos solos permite obter maior complexidade e textura”.

 

Este vinho mostra ainda uma “uma ótima acidez, que lhe da muita tensão e comprimento, e um bom potencial de guarda”.

 

Se é inquestionável o papel do solo na qualidade do vinho, a altitude e a latitude onde estão situadas as vinhas também desempenham um papel determinante.

 

Nelson Martins, enólogo da Reynolds Wine Growers, defende que “as nossas vinhas têm uma forte influência da Serra de São Mamede, permitindo ter um clima alentejano mais ameno. O solo é argilo-calcário e pouco profundo, dá abrigo a uma microbiologia autóctone que estimulamos e trabalhamos para obter um Arinto com assinatura própria do seu terroir”.

 

A data da colheita é crucial neste segmento de vinhos. Com o clima do Alentejo, atrasar-se um ou dois dias na vindima pode ser trágico, pois as uvas podem ficar em sobre maturação e com pouca acidez.

 

Para o enólogo Alexandre Relvas “tão importante como a vinificação, são as datas de colheita”. No caso do Herdade de São Miguel Esquecido 2020 é uma vinha de Arinto “que é vindimada em várias passagens com alguns dias de intervalo” para encontrar as maturações perfeitas das uvas.

 

Outra estratégia utilizada no Alentejo é colher algumas parcelas com maturações diferentes, umas com um potencial alcoólico baixo e outras alto. Depois estas parcelas poderão fermentar em separado ou em conjunto. No caso do vinho Grande Rocim Reserva 2019 o enólogo Pedro Ribeiro explicou que “dentro do mesmo bloco de Arinto de uma vinha de 20 anos temos duas zonas distintas. Uma parte de encosta que amadurece mais rápido e onde a acidez é habitualmente mais baixa e outra parte do vale onde a maturação alcoólica é mais lenta, mas a acidez se preserva melhor.

 

Deste «desequilíbrio» de contributos da mesma parcela, nasce o equilíbrio perfeito no lote”. Seguindo a escola clássica da enologia “teriam de ser colhidas em alturas diferentes, mas que neste caso foram vindimadas e vinificadas na mesma altura e em conjunto. É o excesso de maturação de um lado (álcool provável de 14,5 por cento) que fornece o volume de boca, concentração e estrutura. E a acidez marcante, frescura e mineralidade vincadas do lado em que a uva é colhida com maturação deficiente (álcool provável 10,5 por cento). Assim nasce o Grande Rocim”.

 

A ARINTO NA ADEGA

A Arinto é uma casta plástica e todo-o-terreno na vinha, mas também na adega, adaptando-se perfeitamente a todo o tipo de fermentações, estágios e perfis de vinhos. É por isso uma grande aliada dos enólogos.

 

A maioria dos vinhos da casta Arinto em prova realizaram a fermentação em inox, com temperatura controlada. Após o final da fermentação uma parte dos produtores opta por realizar uma “bâtonnage” em cuba, com regularidade semanal no levantamento de borras finas para reforçar a estrutura do jovem vinho.

 

A temperatura de fermentação é muito importante para definir o perfil do vinho que se vai engarrafar posteriormente. Com o uso de leveduras específicas, e principalmente, com uma temperatura de fermentação baixa, em tornos dos 14 graus, a Arinto poderá encaminhar-se para notas exuberantes de frutos tropicais.

 

Se a temperatura de fermentação ocorrer em torno dos 18/20 graus o vinho terá a fruta primária mais atenuada, mas ganhará corpo, textura, potencial de guarda e estabilidade aromática. No caso do vinho Herdade da Barroqueira 2021 optou-se pela fermentação em depósitos de inox a uma temperatura na ordem dos 14ºC, o que segundo a enóloga Inês Rosa “contribuiu para um maior teor de compostos aromáticos frutados”.

 

Uma forma de potenciar a complexidade e as texturas do vinho é diversificar o tipo de fermentações e estágio dos vinhos. Foi o que tentou o enólogo Luís Louro com o LOU 2019.

 

Este vinho resultou de três fermentações diferentes, em três barricas de 600 litros de carvalho francês: o mosto proveniente da vinha plantada em solo de xisto teve uma curtimenta de três dias, com a fermentação a ocorrer em barrica nova; o mosto oriundo da vinha de solos calcários, resultou apenas das primeiras prensas, sendo encaminhado diretamente para uma barrica de segundo ano sem clarificar; o mosto proveniente do terreno calcário resultou da prensagem, seguida da clarificação estática a frio e fermentação em barrica de terceiro ano.

 

Na elaboração do vinho Paço dos Infantes Garrafeira 2019 o enólogo da Enolea - Herdade da Lisboa, Ricardo Xarepe Silva, começou “por fazer uma curtimenta de 48 horas em lagar com ligeiras macerações, de forma a explorar a fração aromática da casta. Segue-se depois a fermentação alcoólica que ocorre em barricas novas de carvalho francês de 500 litros, com o objetivo de aumentar a complexidade, a estrutura e uma melhor integração da acidez”.

 

Por fim, um longo estágio em garrafa contribui para criar um grande vinho da Vidigueira proveniente de solos xistosos, um fator determinante “para evidenciar as sensações de mineralidade e frescura da casta Arinto”.

 

 

Quase todos os vinhos mais ambiciosos da casta Arinto têm estágio em barricas de carvalho francês, mas normalmente de segunda utilização e com uma capacidade de 500 a 600 litros, para dar textura e complexidade, mas sem marcarem muito o vinho.

 

Filipe Sevinate Pinto, enólogo da Herdade Vale D’Évora explica que “vinificam em bica aberta de inox, com 60% do volume do vinho fermentado em barricas de segunda utilização de 500 litros com “bâtonnage” inicial e estágio em cima das borras sem “bâtonnage” até ao engarrafamento”.

 

Duarte de Deus, enólogo da Torre de Palma, refere que as uvas da casta Arinto são “colhidas manualmente e arrefecidas antes de serem prensadas com cacho inteiro. A fermentação e o estágio de 6 meses são feitos em barricas usadas”.

 

Na Herdade da Malhadinha Nova, o enólogo Nuno Gonzalez privilegia a utilização de “leveduras mais discretas de aromas, que respeitam mais o caráter varietal da casta, para que o terroir também se reflita no vinho final.

 

Para as melhores parcelas de Arinto a fermentação alcoólica é realizada em barrica de 500 litros de carvalho francês com várias idades. Usamos tanto barricas de primeiro ano como barricas já com alguns anos de utilização. Neste tipo de fermentação pretendemos um vinho mais complexo, mais redondo, mas nunca perdendo o caráter distintivo da Arinto que é a sua frescura”.

 

Outra abordagem possível é fermentar o vinho só com as leveduras indígenas e sem controlo de temperatura, o que implica um maior cuidado no acompanhamento do vinho, mas vai ao encontro de uma tendência mundial de produzir vinhos conectados com o ecossistema com recurso a técnicas de vinificação ancestrais.

 

Este foi o caminho traçado pela Fita Preta com o vinho Branco de Indígenas.  Segundo a enóloga Sandra Sárria este vinho “resulta da fermentação espontânea a partir de leveduras indígenas, isto é, do local, do ar, do ambiente circundante, em barricas de 225 litros sem controlo de temperatura. O resultado é um vinho texturado, com alguma fruta limpa, misturada com uma boa componente tosca, que lhe dá a alma das coisas que não se conseguem controlar”.

 

VÁRIOS ESTILOS DE VINHO

Na prova realizada de vinhos monovarietais de Arinto, ou em que esta casta representa mais de 50 por cento do lote, constatou-se que existem vários estilos e perfis de vinhos e que se posicionam em segmentos de preços muito diferentes.

 

A Arinto era tradicionalmente a companheira ideal da Antão Vaz, principalmente a Sul de Évora. A Norte era usada principalmente como parceira da Roupeiro e da Fernão Pires. Recentemente começou também a ser usada em lote com algumas castas melhoradoras da região, como a Alvarinho, a Verdelho e a Viosinho.

 

A Arinto era usada para conferir a acidez ao lote, pois, por vezes, as castas regionais perdiam a frescura rapidamente. Contudo, hoje em dia, a Arinto vale por si mesma, conforme ficou demonstrado nesta prova, uma vez que alguns dos vinhos mais ambiciosos e de maior qualidade são monovarietais de Arinto.

 

Esta casta é possivelmente a variedade branca portuguesa mais regular em todo o país e a mais útil e polivalente, sendo amiga do viticultor e do enólogo, pois permite fazer vinhos de todos os segmentos de preços e com perfis muito diferentes.

 

No segmento de preço até 12 euros encontramos três estilos diferenciados.

 

O primeiro perfil é exuberante, fresco e frutado. Poderá ter uma vertente mais tropical como é o caso do vinho Herdade da Barroqueira 2021, ou cítrica, que surge nos vinhos Santa Vitória Seleção 2021, HDL 2021, ou mesmo mais vegetal, como acontece no vinho Vicentino Arinto 2018.

 

O segundo estilo corresponde ao Alentejo Clássico. Este perfil remete-nos para o Alentejo dos anos 90 do século passado, período em que este estilo ganhou relevância e com o qual conquistou grande parte dos consumidores mais fiéis dos vinhos alentejanos. Estes vinhos são elaborados maioritariamente com uma combinação de castas, onde o Arinto tem sempre uma presença assegurada.

 

A Arinto aporta acidez, tensão e mineralidade a as outras castas aportam perfumes e sabores florais e de fruta madura. Estas castas em comunhão e com um estágio em barricas de carvalho criaram o perfil de sucesso do vinho branco alentejano. Este perfil surgiu nesta prova através dos vinhos Adega de Borba Premium 2021 e Cardeira 2020.

 

Por fim, a terceira linha aposta no estágio em barricas de carvalho e/ou bâtonnage, conferindo aos vinhos cremosidade, textura e volume de boca. São vinhos mais untuosos e com mais corpo, características que encontramos nos vinhos Família Margaça Arinto 2020, Monte da Capela Reserva 2019 e Herdade de Ceuta Arinto 2021.

 

No segmento de preço acima dos 14 euros encontramos cinco estilos de vinhos.

 

O primeiro estilo corresponde ao Alentejo Clássico, com as características apontadas no parágrafo anterior. São vinhos que combinam a Arinto com a Antão Vaz e que revelam um excelente trabalho de barricas, presentes nos vinhos Discórdia Reserva 2020 e Vinha de Saturno Arinto & Antão Vaz 2018.

 

O segundo perfil é o Alentejo fresco e austero. Este novo estilo ainda é minoritário, mas irá certamente crescer, pois os mercados internacionais atuais privilegiam este tipo de vinhos. Para poder elaborar um vinho fresco e austero no Alentejo tem de se ter uma atenção redobrada à data de vindima, para colher a uva com boa acidez natural e níveis de álcool provável mais baixos.

 

Perde-se algum volume de boca, mas ganha-se em estrutura e nervo. São vinhos que privilegiam a frescura, precisão, tensão e mineralidade, em vez da untuosidade e exuberância aromática.

 

Por isso a casta eleita é quase sempre a Arinto, pois mantém níveis de acidez elevados e tem um aroma fresco e austero que encontramos nos vinhos Herdade de São Miguel Esquecido 2020, Torre de Palma Arinto Alvarinho 2021, Lou 2019 e Grande Rocim 2019.

 

O terceiro estilo designando de Alentejo moderno e internacional congrega vinhos provenientes de castas novas na região, como a Alvarinho, Viosinho, Viognier e Chardonnay, mas em que a Arinto tem a primazia no lote. É um estilo que privilegia a frescura e a pureza da fruta e uma fermentação muito cuidada em barricas de carvalho francês. São vinhos com volume de boca, equilíbrio, frescura e persistência e têm aromas e sabores que atraem um público sofisticado, pois têm similitudes com o que de melhor se faz em muitas regiões vinícolas do mundo, características que podemos encontrar no vinho Malhadinha 2020.

 

O quarto perfil designado de Alentejo antigo e ancestral abarca os vinhos que utilizam técnicas de vinificação do passado, como por exemplo não adicionar leveduras industriais e não ter controlo de temperatura na fermentação. Procura-se uma maior conexão com os lugares, transportando aromas e sabores silvestres, ecológicos e telúricos muito apreciados neste momento por alguns consumidores, características que podemos encontrar no vinho Branco de Indígenas by António Maçanita 2021.

 

O quinto estilo de vinhos foca-se na mineralidade e nos aromas de pederneira, querosene e pólvora que alguns substratos rochosos do Alentejo transmitem aos vinhos, casos da Quinta do Paral Colheita Selecionada 2018 e do Julian Reynolds Arinto 2021.

 

Por fim, o vinho Paço dos Infantes Garrafeira 2019 poderá enquadrar-se em alguns estilos atrás referidos, dado o tratamento de luxo que teve desde a vinha até à Adega. É ao mesmo tempo fresco e mineral, mas o excelente trabalho de barricas também o transporta para o Alentejo moderno e internacional.

 

O FUTURO DA ARINTO NO ALENTEJO

Em jeito de conclusão desta reportagem poderemos dizer que o aquecimento global e os novos hábitos dos consumidores que procuram vinhos frescos e menos alcoólicos colocam uma forte pressão sobre os vinhos alentejanos.

 

Por isso, a casta Arinto pode ser um poderoso aliado para que esta região continue no topo das preferências no mercado nacional e internacional, uma vez que aporta tensão, vivacidade e frescura atlântica aos mostos, contribuindo para o equilíbrio entre o álcool e a acidez.

 

Esta prova demonstrou que o Alentejo possui excelentes vinhos brancos premium e super premium com base na casta Arinto.

 

Os vinhos têm ainda estilos e preços muito diversificados, o que deve obrigar os produtores a um grande esforço de explicitação sobre o perfil dos vinhos que apresentam.

 

Uma boa comunicação, a par de uma boa história, é fundamental para conquistar e fidelizar o consumidor e a Arinto tem muito que contar.

 

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