Diário do Alentejo

João Magueijo em Beja

25 de julho 2022 - 12:00
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O auditório da Biblioteca Municipal de Beja José Saramago estava completamente cheio. Houve até necessidade de ir à sala do lado buscar mais cadeiras e mesmo assim houve pessoas de pé. Qual a razão para esta enchente? A razão foi a fama do conferencista, conhecido mundialmente. O cientista que desafiou Einstein com a Teoria da Velocidade da Luz Variável (VSL), João Magueijo.

 

João Magueijo é alentejano, nasceu em Évora em 1967. Doutorou-se em Física Teórica na Universidade de Cambridge. Em 1996 tornou-se professor no Imperial College de Londres e em 2006 já era Professor Catedrático. Passou pelas Universidades da Califórnia em Berkeley e de Princeton como Professor convidado. Leciona atualmente no Imperial College de Londres.

 

Texto José Valente, professor 

 

O PORTUGUÊS QUE DESAFIOU EINSTEIN 

O Ciclo de Conferências na Biblioteca Municipal de Beja “Os temas de Ciência do Ano” já conta perto de 30 conferências. No mês de junho de 2022, no dia 22, ocorreu mais uma das conferências de Ciência. O tema “O que havia antes de haver tempo” confronta-nos com o que se passou na altura da origem do Universo, no momento do “Big Bang”. O autor, João Magueijo, explica-nos como se formaram o tempo, o espaço e a matéria nesse momento de há cerca de 13,8 mil milhões de anos.

 

João Magueijo é autor da Teoria da Velocidade da Luz Variável que tenta aperfeiçoar a Teoria da Relatividade de Einstein e alterar um dos fundamentos dessa teoria, o princípio de que a velocidade da luz no vazio seria sempre constante ao longo dos tempos. Para Magueijo, no início do Universo, a velocidade de propagação da luz no vazio teria um valor diferente ao de hoje. Com estas ideias inovadoras fez correr tinta na comunidade mundial de físicos. Alguns dos maiores cosmólogos mundiais ouvem-no atentamente e levam-no muito a sério, como Lee Smolin ou John Barrow.

 

Durante os seus últimos 30 anos, o sonho de Albert Einstein foi combinar a Física Quântica com a Teoria da Relatividade, não o tendo conseguido. E, nas últimas décadas, dezenas de físicos em vários países tentaram esse feito e também não conseguiram essa “teoria final”. No entanto, muitas descobertas aconteceram com as inúmeras tentativas de unificar essas duas teorias, a Física Quântica e a Relatividade. Conseguiram-se até alguns prémios Nobel e a Física Teórica e a Cosmologia atingiram uma notável maturidade. A Grande Unificação ainda não foi conseguida, mas a unificação da Força nuclear fraca e da Força eletromagnética já foi brilhantemente efetuada.

 

Na corrida a estas descobertas estão-se a usar os maiores telescópios do Mundo com espelhos de até 10 metros de diâmetro, o maior acelerador de partículas do Mundo no CERN, com um perímetro de 27 km e considerado o maior laboratório que já foi alguma vez construído, e tantos e tantos laboratórios e equipamentos e até programas de Inteligência Artificial. O sonho de Einstein é também o sonho que João Magueijo quer concretizar, mas Einstein ficou a meio. Será que Magueijo poderá resolver os enigmas na base da grande unificação?

 

Na conferência de 22 de Junho de 2022, João Magueijo falou sobre a sua teoria VSL, da sua investigação para combinar a Física Quântica com a Teoria da Relatividade e da tentativa de descobrir coisas que ainda ninguém descobriu mostrando-nos a sua ousadia, muita imaginação e o seu trabalho com “matemáticas duras”. É a história do Universo, os seus protagonistas e as suas ideias “fora da caixa” que ele nos veio expor.

 

JOÃO MAGUEIJO: COSMÓLOGO E HUMANISTA

O professor Rui Agostinho, ex-diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, comentou comigo, enquanto falávamos da teoria VSL, que o João Magueijo é muito inteligente. Outra característica do Magueijo é que não se acautela muito com a linguagem, de espontâneo que é, e de vez em quando surge um palavrão. É também irreverente e talvez por isso foi expulso do Colégio Moderno.

 

Essa sua personalidade verifica-se nos seus romances “Bifes mal passados” e “Olifaque”. Acerca do livro sobre o Ettore Majorana, confessou que conheceu em Itália uma senhora ainda encantadora com mais de 90 anos e que esteve relacionada com uma paixão do Majorana. Olhou para ele com olhos brilhantes quando falaram no Majorana e, abraçou-o. Falando desse passado longínquo, em que Majorana acabaria por desaparecer misteriosamente. O caso torna o livro um sucesso, pelo mistério que envolve no seu desaparecimento e, por o físico italiano, ser considerado um dos mais inteligentes do Mundo, talvez um futuro Einstein.

 

 Das várias vezes que conversei com ele deu-me a ideia de ser uma pessoa transparente e preocupada com os direitos dos cidadãos e dos mais desfavorecidos ou dos não eleitos pela sociedade, não fosse ele um homem de esquerda. Racismo, nem pensar. Direitos humanos, sim. No meio de umas imperiais, após a conferência à noite realizada na biblioteca municipal, já quase a horas dos estabelecimentos fecharem em Beja, conversámos, eu, ele, a Paula Santos e o meu amigo Narciso, sobre Cosmologia e as discussões do Magueijo com os grandes estudiosos do tema a nível mundial que ele conhece melhor que ninguém e são seus amigos. A sua cultura é ampla e tem interesse profundo também por literatura, música e arte. Durante a conversa a diretora da Biblioteca, Paula Santos, bem que interpunha as grandes obras literárias, incluindo Saramago, e ele sempre tinha argumentos e novos exemplos a acrescentar aos romances, ficando nós com a certeza do seu profundo conhecimento literário. O Narciso, que é um artista com esse dom já de nascimento, mostrou-lhe algumas das suas pinturas e quadros em fotos no seu telemóvel e falou da simbologia dos mesmos garantindo o interesse do Magueijo que discutia esses temas com à-vontade.

 

Quando falámos de férias ele confessou que regularmente ia para a Grécia, fala corretamente grego e adora aquelas ilhas e aquele sol. Disse-me que se licenciou em Física talvez com uma média de 18,4 valores. Nos últimos anos do secundário, pelo menos a Física e Matemática, foi aluno de nível 20. Os seus gostos musicais também são ricos quer em música estrangeira quer nacional. O seu interesse pelo 25 de abril de 1974 e de um Portugal novo sempre existiu. E um dos grandes maestros que muito admira, enquanto músico e nas suas posições políticas, e que foi seu professor de música, Lopes Graça, é um defensor do marxismo.

 

Magueijo parece-me ser um homem de esquerda, mas com vistas largas ao ponto de me dizer que os Estados Unidos da América (EUA) têm o que há de pior, mas também o que há de melhor. Logo, as suas posições não me parecem extremistas e penso que há nelas um bom senso.

 

Nas suas conversas dá para compreender que valoriza também os pobres, as mulheres que durante muito tempo ficaram para trás e que o importante é o verdadeiro mérito. E não só. É também importante ajudar os mais fracos e desfavorecidos, e isso, é ser humanista.

 

Assim, penso que João Magueijo não só é um grande físico-matemático e cosmólogo como também tem um lado muito humano. E divertido e autoconfiante. Ao conversar connosco ele ri frequentemente ao ponto de parecer ainda mais jovem. Talvez como cientista que é, seja também um pouco como as crianças, muito curioso e os raciocínios científicos são como brincadeiras. Um lado interessante que demonstra, é que diz o que tem para dizer frontalmente. E sei isto tanto das conversas com ele como do que li dos seus livros.

 

O meu colega Fernando Carvalheiras, professor de Filosofia no liceu, disse-me durante uma conversa que não perguntou na conferência ao Magueijo se a sua teoria iria esperar 50 anos para ser confirmada, como a teoria associada ao bosão de Higgs (partícula que foi descoberta no CERN), pois que se esqueceu na altura de tal.

 

O conhecido médico oftalmologista bejense Dr. Lebre perguntou-me, na passada segunda-feira no restaurante Pulo do Lobo, se os cientistas tinham a certeza de ter acontecido o Big Bang. Uma vez que ele vai fazer 90 anos fiquei estupefacto com a nossa conversa sobre Cosmologia e Astrofísica envolvendo conceitos científicos avançados. E fiquei a saber que o mesmo ainda lê frequentemente as revistas em inglês da sua especialidade em Oftalmologia. Não duvido que tenha sido um médico conhecedor da sua ciência, mas discutir estes assuntos com a sua avançada idade é que me admira.

 

O professor António Carlos questionou no final da conferência sobre as partículas supersimétricas, assunto sobre o qual reconheceu saber pouco. Este assunto é muito complexo, de difícil trato e incluindo matemáticas avançadas. Na resposta ficou patente que tais partículas ainda não foram descobertas. E para quem as descobrir poderá até haver mais do que um prémio Nobel da Física atribuído.

 

A população está a colocar cada vez mais questões, na presença em Beja, destas conferências de Ciência. E isso notou-se bem após ter estado na Biblioteca o Magueijo. Até porque se trata de um cientista conhecido mundialmente.

 

Ora um dos meus objetivos em organizar as conferências na Biblioteca, escrever artigos de divulgação científica neste jornal ou promover Clubes de Ciência nas Escolas é precisamente levar a Ciência ao público, a todos os cidadãos mesmo sem serem alunos, aos jovens e aos mais idosos, às camadas sociais que têm menos dinheiro para comprar livros e possuírem recursos avantajados ou fazerem viagens a museus científicos no estrangeiro.

 

Uma população mais culta do ponto de vista científico poderá decidir melhor na governação comparticipada com escolhas acertadas e fundamentadas com o mínimo de coerência. Por exemplo: será que devemos construir uma central nuclear ou não? Há vantagens nisso, mas também há perigos. A população só poderá manifestar a sua opinião num possível referendo se souber o mínimo do assunto e se entender o que é a energia nuclear e a radioatividade. Quanto mais informada estiver a população mais saudável será a democracia que pretenda ouvir essa população culta. Não basta perguntar democraticamente às pessoas o que querem. Esse estado democrático tem também de facultar a essas pessoas a informação sobre esses temas. Veja-se a quantidade de pessoas que por falta de boa informação se recusaram a ser vacinadas contra a covid-19 pondo as suas vidas em risco e a dos outros. E se o Estado gasta dinheiro dos contribuintes na Ciência deverá ser obrigação desses cientistas explicar à comunidade como está esse dinheiro a ser gasto, o que têm descoberto e para que serve a Ciência.

 

Ao tentar comprovar se a teoria VSL está ou não correta, talvez no futuro se venham a gastar, só pela Europa, uns bons milhões de Euros. Então a conferência do Magueijo a falar nas suas teorias e qual a sua importância para a Humanidade valeu a pena. E o conhecimento é o bem mais precioso que nós temos!

 

OS CIENTISTAS E OS GÉNIOS SEGUNDO JOÃO MAGUEIJO 

 Na revista “Visão” o João Magueijo afirma que não há génio sem senão. E reflete como funciona uma Mente Brilhante, que é até o título do filme sobre o génio John Nash. Ele tira como conclusão: “Se é verdade que nem todos os doentes mentais são génios, já o oposto parece ser correto”. Pois, continua ele, “… pensam um bocado como as crianças: não distinguem fantasia e realidade (e daí a sua criatividade), sobrestimam as suas capacidades (e daí acusações de arrogância, mas também uma poderosa fonte de motivação) e têm uma atitude um tanto elástica face à lógica”.

 

João Magueijo disse-me recentemente que viu nos EUA o John Nash e que ele lhe queria tocar com um dedo porque talvez pensasse que ele seria um holograma ou que não existisse na realidade, mas sim fruto da sua imaginação. Não chegou a tocar porque talvez tivesse medo de se queimar ou coisa do género.

 

 Na entrevista que concedeu à “Visão” de 12/02/2016, ele diz:

“A dada altura ergueu um dedo, mas quando estava prestes a tocar-me afastou-o bruscamente, como se tivesse medo de se queimar ou de apanhar um choque elétrico.

Quando saímos do elevador, perguntei aos meus amigos, que já sorriam:

Mas quem é aquele idiota?

Aí é que eles desataram a rir às gargalhadas.

Aquele idiota ganhou o prémio Nobel no ano passado.

Era John Nash, recentemente falecido, um matemático genial, pioneiro da teoria dos jogos, notório por sofrer de esquizofrenia paranoica, o que o rodeava de figuras imaginárias e seres sobrenaturais, em alucinações tão vívidas que o deixavam incapaz de distinguir real e imaginário”.

 

A propósito do descobridor da extraordinária antimatéria, Paul Dirac, diz João Magueijo:

 

“As cartas de amor de Dirac à noiva são um monumento à falta de empatia. Quando a desgraçada se queixa de não lhe responder às perguntas, ele envia-lhe uma tabela, catalogando as cartas, as perguntas e as respostas omissas. Olhando para a sua produção científica, é óbvio que este tipo de pensamento descarrilado foi o que lhe permitiu descobrir matemática e física nova. Mas foi também algo que o torturou e afligiu a vida toda. A ele e aos que tiveram de o aturar”.

 

E desiludam-se quem achar que a personalidade do século XX, segundo a revista “Time”, Albert Einstein, o maior cientista do século anterior, não tinha defeitos. Diz ele:

“Foram precisas décadas até o mau feitio de Einstein, a sua vaidade e falta de simpatia com os outros, especialmente com as mulheres, terem transparecido nas biografias”.

 

E, depois disto tudo, devo perguntar: Então e se também João Magueijo fosse um génio? Será que esta hipótese se poderá verificar?

 

Eu acho que Magueijo, se não for o nosso génio, será pelo menos sobredotado. O pensamento dele é algo fora da caixa, criativo, inteligente e lá que é extravagante penso que também é!

 

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