Texto Manuel Baiôa
HERDADE DOS LAGOS
A Herdade dos Lagos situa-se junto a Vale de Açor de Cima, na zona norte do concelho de Mértola. É um território de transição entre a peneplanície alentejana e a zona mais acidentada, junto ao vale do rio Guadiana. Durante grande parte do século XX esteve associada ao cultivo de cereais, o que causou uma grave erosão e depauperamento dos solos pobres de xisto e barro, tornando algumas áreas quase estéreis.
No início dos anos 80 do século passado a propriedade foi adquirida pela família alemã Zeppenfeld-Kreikenbaum. O armador de Bremen, Horst Zeppenfeld, então ainda capitão, apaixonou-se por esta paisagem e procurou concretizar o sonho de produzir vinho, azeite, mel e outros produtos agrícolas mediterrânicos. Desde então muitas mudanças ocorreram na propriedade, com várias fases de investimento e experiências em diversas culturas. Em 2016, a filha, Antje Kreikenbaum, assumiu a administração da Herdade dos Lagos e a responsabilidade de avançar por novos caminhos com o apoio do marido, o arquiteto paisagista Thorsten Kreikenbaum, e do seu filho, Jannes Kreikenbaum (3º geração) que também participa nos destinos do negócio familiar. A propriedade conta atualmente com cerca de 1000 hectares, distribuídos por várias culturas.
AGRICULTURA BIOLÓGICA E SUSTENTÁVEL ADAPTADA AO TERRITÓRIO
A administração e os trabalhadores da Herdade dos Lagos têm vindo nos últimos 40 anos a adaptar a agricultura praticada ao ecossistema da região, que é caracterizado por solos pobres, muito desgastados pela agricultura intensiva do passado e por um clima quente e seco.
A Herdade dos Lagos realizou nas últimas décadas vários projetos de florestação e retenção de água. Nas antigas áreas destinadas aos cereais foram plantadas árvores autóctones. A florestação potência a formação e fixação de matéria orgânica no solo, melhora a infiltração de água na terra e reduz a temperatura do solo, contribuindo assim para atenuar os níveis de calor extremos. Ao longo dos anos, foram plantados mais de 600 hectares de novas áreas florestais. Neste momento a propriedade possui 200 hectares de azinheiras, 260 de alfarrobeiras, 30 de sobreiros, 20 de pinheiros, 80 de oliveiras e mais 15 com outras espécies de árvores, para além de 30 hectares de vinha.
Existem ainda cerca de 350 hectares destinados a culturas temporárias/forrageiras onde cerca de 1000 ovelhas se alimentam. As pastagens naturais têm vindo a ser recuperadas realizando correções calcárias e sementeira direta de leguminosas e de outras plantas autóctones, abandonando-se definitivamente a prática antiga de queimar matos e pastagens secas. A engenheira, Helena Ferreira Manuel, que coordena a parte agrícola da herdade, revelou que têm “instalado tapetes de vegetação nas vinhas e na floresta para reduzir o consumo de água e evitar a erosão”. Com estes tapetes “reduz-se a evaporação da água nos meses mais quentes e quando chove aumenta-se a infiltração da água no solo e reduz-se o arrastamento do solo”. Portanto, estas práticas ajudam a melhorar a fertilidade, a retenção de água, a estrutura do solo e a biodiversidade.
A zona de Mértola é uma das mais secas de Portugal com precipitações anuais baixas e irregulares, variando entre os 200 e os 600 mm, e secura total nos meses de intenso calor de junho a setembro. Por isso, para além da florestação da herdade, apostou-se na retenção dentro da exploração da maior quantidade de água possível, construindo-se para isso 5 barragens a partir das quais são irrigadas várias culturas nas estações secas. As barragens formam biótopos ricos, onde habitam espécies biodiversas, que contrastam com as áreas circundantes marcadas pela seca durante o verão.
Tem havido um grande esforço na regeneração dos recursos naturais e na sustentabilidade da herdade, sendo visível a redução de mais de 50% dos consumos de água na vinha desde 2015 e uma diminuição significativa no alfarrobal e no olival. Para atingir este objetivo foi muito importante a instalação de “diversos sensores que nos ajudam a decidir com maior rigor a quantidade de água que as plantas necessitam, evitando-se assim o excesso de rega. Reduzimos a rega, sem diminuir a produtividade das culturas”, concluiu a engenheira Helena Ferreira Manuel. Outra área sensível é o consumo de energia. Para se tornarem sustentáveis instalaram 4 parques solares que asseguram uma produção de energia superior ao seu consumo, permitindo a irrigação e a arrefecimento, ao mesmo tempo que alimentam a rede elétrica pública.
Como resultado deste trabalho de décadas, o microclima e a biodiversidade da Herdade dos Lagos tem vindo a mudar paulatinamente nos últimos anos, em particular após a transição para a agricultura biológica que teve início em 2009. Neste momento toda a produção da Herdade dos Lagos está certificada como agricultura biológica. Desta forma, não utilizam os produtos da agricultura convencional, apenas os aprovados para a agricultura biológica, sempre com o objetivo de minimizar a utilização de químicos, de preservar o solo, a água e os ecossistemas.
Houve um regresso a algumas práticas da agricultura antiga que desenvolvia um solo com mais vida, capaz de alimentar corretamente as plantas, promovendo a biodiversidade. Donde, fazem poucas mobilizações do solo, criaram enrelvamentos nas entrelinhas das culturas, plantaram faixas de plantas com florações ao longo do ano, sebes verdes e árvores. Criaram assim, ilhas de biodiversidade com plantações de diversas espécies bem adaptadas à região e com a construção de abrigos para uma fauna diversificada, que atraem alguns animais que auxiliam a agricultura biológica, controlando algumas pragas. Pretende-se criar um ecossistema resiliente, em que as plantas, o solo e os animais encontrem o seu equilíbrio. Por outro lado, com toda esta diversidade de culturas e com a presença associada de seres humanos e animais, o risco de incêndios periódicos florestais e matos foi reduzido, trazendo ao mesmo tempo vida e trabalho a estas terras que corriam o risco de ficar desertas.
A VINHA E O VINHO
A vinha é uma das culturas mais importantes da Herdade dos Lagos, tendo as primeiras plantações ocorrido em 2002. Neste momento estão plantados 30 hectares, com grande destaque para as castas tintas: Syrah, 8,8 hectares; Touriga Nacional, 8,4 hectares; Aragonez, 6,5 hectares; Alicante Bouschet, 1,5 hectares; Petite Syrah, 1,4 hectares; Tinta Caiada, 1 hectare. Nas castas brancas houve uma aposta na Arinto (1,4 hectares) na Alvarinho (0,5 hectares) e na Viosinho (0,5 hectares).
A Herdade dos Lagos criou uma das primeiras vinhas biológicas certificadas de Portugal (2012) e durante muitos anos a mais extensa. Aqui, como nas outras culturas, privilegiam-se práticas amigas do ambiente e deixou-se de utilizar os produtos da agricultura convencional, conforme referimos atrás. Nas entrelinhas da vinha são semeadas algumas plantas que fornecem azoto ao solo de forma natural. Estas plantas aumentam a fertilidade e estrutura do solo, bem como a retenção de água. Outra técnica utilizada é a “trituração da matéria orgânica das podas, o que ajuda a criar como que uma esponja que retém a água e aumenta a infiltração”, conforme nos explicou a engenheira Helena Ferreira Manuel. Para minimizar os efeitos do calor extremo não realizam a desparra, para aumentar assim as zonas com sombra, e orientaram a vinha no sentido de proteger os cachos do Sol.
A Herdade dos Lagos está focada na agricultura biológica, mas tem também preocupações de sustentabilidade da comunidade onde está inserida e de rentabilidade do seu negócio. Em 2021 receberam o selo de certificação de produção sustentável dos vinhos do Alentejo (PSVA), iniciativa criada pela Comissão Vitivinícola Regional Alentejana. Esta distinção reconhece os produtores da região que cumpram com os 171 requisitos estabelecidos pelo Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo. Este selo possibilita que o consumidor possa identificar os produtores alentejanos que cumprem com boas práticas de poupança de recursos, que promovam a biodiversidade, que utilizem energias renováveis, protejam os solos ou fomentem iniciativas que envolvem toda a comunidade na adoção de comportamentos sustentáveis. Ser sustentável também passa por ter negócios rentáveis, que contribuem para a dinamização da economia regional, que criam riqueza e geram trabalho, com salários justos para todos e com empenhamento na formação dos colaboradores.
Neste momento a Herdade dos Lagos tem um campo de ensaio com 35 castas maioritariamente portuguesas, onde são aplicadas algumas restrições de rega e avaliadas a sua adaptabilidade às condições da região. Estas castas são também testadas em diferentes ensaios de vinificação, para investigar a sua mais-valia do ponto de vista enológico. Deste modo, nas futuras plantações que estão planeadas para o próximo ano serão escolhidas as castas com melhor desempenho na vinha e na adega.
A grande diversidade de castas e as excelentes uvas biológicas produzidas na Herdade dos Lagos permitem que a enóloga Marta Verena Pereira crie diferentes lotes que são direcionados para um vasto portefólio. A gama de entrada inicia-se com o vinho tinto Atafona, logo seguido pelo HDL, nas versões branco, tinto e rosé. Na gama premium temos o HDL Aragonez, o HDL Touriga Nacional, o HDL Reserva e o HDL Seleção. Na gama super premium temos o HDL Grande Reserva e algumas edições especiais, das quais hoje daremos destaque ao HDL Granito e ao HDL Amphora. Os vinhos ostentam o selo da agricultura biológica, vegan e produção sustentável.
O vinho HDL Granito 2020 foi elaborado a partir das castas Syrah, Touriga Nacional e Alicante Bouschet, provenientes dos talhões mais velhos da propriedade de solos xistosos. A fermentação ocorreu em lagar de inox com pisa leve. Posteriormente o vinho foi transferido para um depósito de granito aonde fez a fermentação malolática e estágio durante 8 meses. A superfície rugosa do granito e a conservação natural da temperatura transmite ao vinho frescura e uma mineralidade intensa. É um vinho polivalente, podendo brilhar junto de carnes vermelhas, mas também em pratos de peixes gordos ou mesmo com comida vegetariana à base de leguminosas.
O vinho HDL Amphora 2020 foi elaborado com as castas Aragonez, Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet. A Herdade dos Lagos quis preservar e mostrar neste vinho a técnica antiga dos vinhos alentejanos. As uvas foram pisadas a pé, e a fermentação ocorreu numa talha espontaneamente, apenas com o contributo das leveduras indígenas. Após o fim da fermentação alcoólica, o vinho fica em contacto com a “mãe” (massas) durante alguns meses. Não é um vinho de talha certificado, pois a propriedade está fora dos limites da DO Alentejo. Este vinho surpreendeu pela excelente frescura e autenticidade dos aromas e sabores. É uma excelente companhia para os pratos de outono, inverno e primavera da culinária alentejana.
Em suma, a Herdade dos Lagos é um exemplo de uma propriedade alentejana que soube regenerar-se e adaptar-se ao desafio da mudança climática, promovendo a sustentabilidade do território, a preservação ambiental e o desenvolvimento da biodiversidade.
HDL GRANITO 2020 - Vinho Regional Alentejano, Tinto - Herdade dos Lagos
Castas: Syrah, Touriga Nacional e Alicante Bouschet.
13% vol. / PVP: 22 €
Descrição: O vinho apresenta aroma com apontamentos de frutos vermelhos e algumas notas florais. Na boca mostra uma estrutura robusta, que nos remete para o Alentejo interior, mas ao mesmo tempo percecionamos frescura e mineralidade, o que torna este vinho muito harmonioso e apetecível.
HDL AMPHORA 2020 - Vinho Regional Alentejano, Tinto - Herdade dos Lagos
Castas: Aragonez, Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet
13,5% vol. / PVP: 22 €
Descrição: O aroma remete-nos para odores vegetais e de fruta vermelha. Na boca sentimos um primeiro impacto de frescura e apontamentos terrosos provenientes da fermentação e estágio em talha. Este vinho surpreende pela boa acidez e pelo equilíbrio. É um dos grandes “Amphoras” da região e merece ser conhecido por todos os que amam os vinhos autênticos e históricos do Alentejo.