Diário do Alentejo

Cláudia Banza: "Não temos uma sociedade que cultive as artes"

23 de março 2022 - 15:15

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Cláudia Banza nasceu em Aljustrel há 47 anos, e por lá ficou até aos 18 anos, altura em que deixou a vila mineira e correu atrás de um sonho que morava em Lisboa. Com a licenciatura em Design de Moda concluída, começou a trabalhar na área, mas deu-se conta que o conhecimento é inesgotável, deu-se conta que o desenho começou a evoluir digitalmente, deu-se conta da importância desta valência do saber, e sentiu a necessidade de acompanhar o progresso tecnológico, e sentiu a necessidade de se licenciar em Artes Plásticas e Multimédia, curso efetuado na Escola Superior de Educação de Beja.

 

Ao longo do percurso profissional, experimentou áreas distintas, como as telecomunicações, o design, a ilustração e o marketing digital, tendo participado em vários projetos, dos quais se destacam: a criação de uma coleção para a marca Mango, enquanto designer de moda; e a realização de algumas exposições de fotografia e pintura/ilustração.

 

Atualmente, reside em Lisboa e desenvolve a sua atividade profissional colaborando com editoras e agências de marketing na área do design/ ilustração.

 

Quando e como foi descoberta a vocação para a arte?

Não considero que tenha existido uma descoberta, mas sim o desenvolvimento de um gosto que fui descobrindo com o crescimento e que me foi sendo incutido pelos meus pais, que sempre me apoiaram nas minhas criações de criança e me deram a liberdade para eu poder expor o que desejava, da melhor forma possível. A banda desenhada também teve a sua influência, permitindo-me ir testando os meus dotes e, ao mesmo tempo, dar azo à imaginação. Com o crescimento, verifiquei que não era uma vocação, mas sim uma paixão e, como tal, decidi investir no desenvolvimento da mesma. E comecei por criar moda, até porque, nos anos 90, com o aparecimento da Modalisboa, nós achávamos que iríamos se a próxima Chanel ou Yves saint Laurent. Não aconteceu!

 

Que papel desempenha o Alentejo nas criações de Cláudia Banza?

No tipo de trabalho que crio/realizo nas minhas ilustrações, não está muito presente o Alentejo. Não perdi as minhas raízes, mas vivendo em Lisboa há já alguns anos, o Alentejo não tem muita influência nas minhas criações, até porque as minhas ilustrações ou desenhos enveredaram por outros caminhos: a inspiração na pop art, o Roy Lichestein, o Tony Sandoval, o Tim Burton, Andy Warhlol, Toulouse Lautrec, Paula Rego. A moda, a fotografia, o digital e a publicidade, acabam por estar mais presentes no que faço. Contudo, noutra das minhas paixões, que é o design gráfico, como estou ligada à área do marketing digital, crio imensos posts (criativos) para as redes sociais, blogues, entre outros, e acabo por aplicar, por vezes, o estilo/cultura alentejana, as paisagens únicas e o dialeto, seja através de fotografia, ilustração ou frases nossas.

Também, num dos trabalhos que fiz para a ASSESTA, evoquei o Alentejo. Fiz uma aguarela com a paisagem alentejana e as nossas tão amadas espigas. Existe sempre ocasião para se falar e criar sobre o nosso belo Alentejo, até porque o pão e o vinho são únicos no mundo. Nós podemos viver no mundo inteiro, mas o Alentejo está sempre presente no nosso coração. Podemos sair do Alentejo, mas o Alentejo nunca sai de nós!

 

 Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, alguns que tenham sido mais marcantes?

Os trabalhos que me deram um enorme prazer realizar e que são marcos na minha carreira são as ilustrações distintas que realizei para dois livros: “Contos Breves”, da escritora Olinda P. Gil, no qual realizei todas as ilustrações. O outro livro, foi a criação de ilustração erótica para o livro que o escritor Isidro Sousa, que lamentavelmente já não está entre nós, publicou.

 

Que critérios estão presentes na escolha das temáticas?

 Identifico-me como sendo espontânea em tudo o que crio, não escolho uma temática específica, a não ser que me seja solicitada nalgum trabalho. As minhas criações nascem muitas vezes de momentos que podem surgir da nostalgia, de estar aborrecida sem nada para fazer, da alegria, de um acontecimento diário que visualizei e que ficou gravado na minha memória, assim como pode acontecer somente de uma vontade de desenhar ou de ilustrar sem qualquer motivo, e transmitir, pelas ilustrações, o que vou sentindo, fazendo o que me apetece, sem ter uma explicação “científica ou filosófica”.

 

 Qual a opinião sobre o universo artístico em Portugal e no Alentejo?

O universo artístico em Portugal é um filho abandonado por inúmeros e sucessivos governos, que, conjuntamente, com a falta de adesão da sociedade à cultura, ficou isolado e sem teto, pois, quando chove, molha-se, e, quando existe muito sol, tem exposições solares e queimaduras de elevado grau. No Alentejo, o que acontece com o universo artístico é exatamente o mesmo. Por mais adaptações, reinvenções e evoluções que os artistas têm feito e comprovado que a sociedade necessita de cultura, o Governo, e depois a sociedade no geral, não contribuem para a sustentabilidade das artes no que se refere ao campo comercial, ou seja, não compram nem frequentam locais artísticos que tenham custos, pois preferem investir o dinheiro noutro tipo de acontecimentos.

 

O que pode ser feito para mudar o paradigma?

A mudança passaria por ter uma cultura mais abrangente e reeducar os mais novos para essa sensibilidade, porque é uma forma de viver, é um trabalho como outro qualquer. Essa sensibilização devia começar em casa, com o incentivo dos pais, passando depois para as escolas. O que acontece é que muitos talentos acabam por ficar pelo caminho, porque ainda existe muito a mentalidade que não se ganha dinheiro, «vais tirar um curso desses e vais para o desemprego», não devia ser assim, mas, infelizmente, é. Não temos uma sociedade que cultive as artes. Esta mentalidade passa também pelos empresários, se bem que já se nota evolução. Há uns anos fui contactada por uma empresa para fazer umas ilustrações num catálogo de produtos de beleza e a conversa do dono era «são só uns bonecos, isso não dá trabalho nenhum». Esta atitude ilustrava bem o universo do pensamento na altura. Atualmente, já se nota uma pequena evolução, e já não são só “uns bonecos”, são sim todo um trabalho que está por detrás do produto final, são as pesquisas, os estudos de figuras ou formas, os esboços, tudo faz parte de um trabalho “simples” que pode demorar horas ou dias.

 

Que sonhos e ambições artísticas moram em Cláudia Banza?

 Moram algumas ambições. Uma delas é que o meu nome e o meu trabalho sejam reconhecidos, pois isso permite “ganhar” nome no mercado e, como tal, ser convidada a participar em novos e diferentes desafios. Quanto aos sonhos, eles são utopias que desejamos poder realizar, mas, como tal, não podem viver em mim. Se me fosse possível, gostava de poder gerir a minha vida somente com os rendimentos auferidos dos trabalhos artísticos, situação que atualmente não me é permitido.

 

 O que está na “manga”?

Neste momento tenho em desenvolvimento um projeto relacionado com o lançamento de uma marca de t-shirts e canecas personalizadas com desenhos e frases temáticas. Está a decorrer a minha exposição individual de ilustração, no Centro de Artes, em Aljustrel,  desde o dia 19 de março de 2022. E estou a dar os últimos retoques num pequeno livro escrito e ilustrado por mim, uma mini história infantil, que será lançado por um destes dias

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