Diário do Alentejo

À Mesa: O Chouriço, vizinho do “calcanhar do mundo”

02 de fevereiro 2022 - 15:50

Texto António Catarino

 

Freguesia centenária do concelho de Montemor-o-Novo – foi criada em 1918 – São Cristóvão, sensivelmente a meio caminho entre esta cidade e Alcácer do Sal, vive dias comuns à maioria das povoações do despovoado interior de Portugal. A quebra da população residente foi acentuada, mas há sinais geradores de comedido otimismo quanto à inversão daquela desastrosa tendência.

 

Por aqueles lados, território de montado, tudo é tranquilidade e o apelo à comunhão com a natureza surge de modo automático, embora o património monumental mereça um olhar mais atento. Nas imediações, tomando a estrada para o Escoural, perto da Quinta do Gato, hoje em ruínas, o conjunto megalítico do Tojal, formado pelo cromeleque com 17 menires e sete sepulturas, que pertenceram a um povoado da era do Calcolítico, atesta a presença humana na região desde tempos imemoriais.

Mais recente é a igreja, cuja construção remonta ao século XIV e que alberga uma imagem quinhentista do santo padroeiro da localidade.

 

Entre o casario da “aldeia branca e acolhedora, sorrindo a cada instante”, importa localizar a rua de S. João de Deus, que pode levar ao “calcanhar do mundo”, um enorme penedo no apertado vale por onde corre a ribeira que tem o nome da povoação. É nessa artéria em plano inclinado que fica o restaurante O Chouriço, onde a cozinha tradicional é objeto de especial carinho, tanto mais que foi nesta freguesia montemorense que terá sido elaborada, em pensão que fechou portas há décadas, a receita do tão apreciado coelho à São Cristóvão.

 

O espaço desta casa sem luxos, mas confortável, divide-se pelo tradicional e despretensioso café, à entrada, e pela sala do restaurante, à esquerda e em plano ligeiramente inferior. O desnível é vencido por degraus, o que obriga a cuidado redobrado. Na sala, com decoração rústica, a lareira é valência apreciada no tempo frio. Amesendação simples e copos adequados para o vinho, fator nem sempre acautelado na maioria dos restaurantes.

 

A ementa está escrita numa lousa, colocada na parede, bem ao alto. Leitura fácil, evitando manuseamentos passíveis de gerar desconforto em tempo de pandemia. No topo da lista, pouco extensa, com meia dúzia de pratos, a sopa de Santa Teresinha, uma clássica no seu género e única no dia em que, depois de um queijinho de ovelha, saboreámos um arroz de coentros acompanhado com carapaus fritos, os tradicionais jaquinzinhos.

 

Peixe fresco, fritura no ponto e um arroz seco, solto, que agradou sobremodo, embora traindo de algum modo a expetativa, pois imaginava-se um arroz algo caldoso. Dose generosa, satisfação plena com a escolha feita entre outras opções interessantes e que passavam por migas de bacalhau; carne do alguidar ou cabidela.

 

Noutro registo, mais substancial, propostas de pratos de caça: veado estufado e Javali à casa ou no forno. Menos entusiasmante, o trivial esparguete à bolonhesa. No rol das especialidades, figuram ainda a sopa de cação e a galinha do campo. O capítulo de sobremesas é dominado pela doçaria tradicional alentejana, de resto bem representada.

 

Garrafeira de bom nível, com os vinhos de produtores da região em maioria. Com tão bons predicados, O Chouriço satisfaz quem lá vai para apreciar uma cozinha feita sem concessões a modernismos.

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