Diário do Alentejo

À Mesa: Molhó Bico na cidade branca

23 de dezembro 2021 - 16:40

Texto António Catarino

 

Cidade branca, rodeada de olivais e resguardada por muralhas quadrangulares, testemunhas de episódios guerreiros e feitos heroicos, Serpa é uma das joias do Baixo Alentejo. Rica pelo passado histórico, tornada “notável” pelo título conferido por D. Pedro II em 1674, Serpa guarda no âmago múltiplos encantos, descobertos a cada passo, nas estreitas e labirínticas ruas, artérias serpenteantes que conduzem ao castelo, sacudido por violenta explosão no alvorecer do século XVIII, em plena Guerra da Sucessão.

 

As ruas de casas de piso térreo e chaminés de forma quadrangular, num total de 32 espécies diferentes, têm topónimos curiosos: Mal Lavadas; Fidalgos; do Assento (onde fica o Museu do Relógio); Farizes, Prior ou Quente. É, precisamente, nesta rua que podemos encontrar reconforto estomacal após uma caminhada ao longo da qual surgiu, certamente, oportunidade para contemplar as Portas de Beja, com as duas torres redondas, a Torre do Relógio, com uma escadaria de 82 degraus, e o imponente palácio dos Condes de Ficalho, com o extenso aqueduto de 19 arcos.

 

Na estreita Rua Quente, a Adega Molhó Bico é casa que mantém a tradição da boa cozinha alentejana. As talhas da área vestibular recordam o passado de produção vínica da primitiva adega, onde um bom petisco e um copo de vinho colocavam ponto final em mais um dia de duro trabalho rural.

 

A velha casa de pasto evoluiu para restaurante, que começa por encantar pela decoração rústica, tipicamente, alentejana, e pela lareira, que proporciona maior aconchego nos dias em que o frio aperta. Duas salas, uma com maior capacidade, acolhem quem aprecia a cozinha regional, expressa na lista que apresenta as tradicionais açordas, sopas e pratos de carne de porco preto e de borrego.

 

Saborosos petiscos marcam as entradas: famoso queijo de Serpa DOP; cachola de borrego frita; queijo de cabra curado; peixinhos da horta e o guloso paté de linguiça constituem parte inicial de uma refeição alentejana em toda a essência: caldo (ou sopa) de cação; açorda de bacalhau ou de pescada; migas com carne de porco preto frita: costeletas de borrego (fritas ou grelhadas) e carne do alguidar.

 

O coelho bravo frito, para duas pessoas é um dos mais apreciados e famosos pratos da casa, em particular na época de caça, período em que a lebre com feijão branco é pitéu a ter em conta, tal como espetada de novilho à Molhó Bico; lombinho de porco preto grelhado com queijo e ainda dobrada com feijão branco e maminha de vitela grelhada.

 

A lista apresenta alternativas relevantes – bochechas de porco fritas; espetada de novilho à Molhó Bico e surra-burra (ou moleja), designação curiosa de uma receita típica do Baixo Alentejo que aproveita, na altura da matança, o sangue e o fígado do porco. A doçaria regional – migas doces, pão de rala, sericaia e tarte de requeijão – está bem representada no capítulo de sobremesas.

 

Garrafeira com referências regionais em maioria nesta adega onde sabe bem ir, logo, Molhó Bico.

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