Diário do Alentejo

José Teles Lacerda: “Prefiro o romance"

03 de novembro 2021 - 08:00

José Teles Lacerda nasceu em 1970, em Évora, mas foi a vila do Vimeiro, concelho de Arraiolos, que o viu fazer-se menino e rapaz. Em 1998 fixou residência em Alcáçovas. Desde o ano de 1993 que é professor e, nos tempos livres, revela que “vai escrevendo de forma furtiva, escondida e clandestina”.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

 

Da sua bibliografia destaca-se o romance de estreia “A Vingança das Vagas”, publicado em 2012 pela editora Esfera do Caos, e vários textos feitos contos, editados em múltiplos projetos literários: “Terno Tesouro”, incluído na coletânea “Contos de Caneco”, uma edição da Admira, em 2013; “Entre o Sado e a Solidão”, incluído no projeto de literatura de viagens “Stories do Alentejo”, edição da Lugar da Palavra, em 2013; “A ilustre luta dos leitores de pensamentos”, integrado na obra “Contos Assesta – Alentejo”, uma edição da Assesta – Associação de Escritores do Alentejo, em 2015; e “Sedento”, incluído na coletânea “Contos Assesta – A Água”, publicado pelo grupo Narrativa, em 2019.

 

Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?

Entre os 17 e os 20 e poucos anos, eu era um insaciável devorador dos livros de Lobo Antunes, Saramago e Garcia Márquez. Contudo, gostava muito de pintar e canalizava a minha necessidade criativa para essa atividade. Para me entreter durante as férias escolares, comprava umas telas, umas bisnagas de tinta de óleo, aquelas que continham as cores básicas, e uns frasquinhos de óleo de linhaça e terebentina. E lá passava o tempo a inventar formas e a chafurdar nas cores. Com o passar do tempo e com o aumento das responsabilidades laborais e familiares, apercebi-me que aquele era um passatempo caro. Por volta dos 25 anos comecei a dedicar-me à invenção de personagens e peripécias. Afinal, uns papéis e uma caneta eram utensílios baratos e também permitiam que eu desse asas à vontade de disseminar emoções. Aos poucos, descobri que aquelas criações me davam uma inesperada tranquilidade e um especial prazer. Posso dizer que a escrita se tornou essencialmente uma atividade terapêutica, altamente recomendada contra os inquietantes ‘stresses’ do quotidiano ou os tédios causados pelas rotinas diárias.

 

Qual a valência literária de eleição?

Como gosto muito de escrever, prefiro o romance, correndo o risco de enfastiar os leitores com tantos enredos e teorias.

 

Quais as motivações para escrever?

Não sei se são motivações. Serão mais necessidades. A necessidade de retirar de dentro do cérebro ideias que por lá andam a saltitar, por vezes durante vários dias, meses ou até anos. A exigência de criar uma narrativa que seja uma forma de pelejar contra todas as atitudes que considero injustas, mas que teimam em proliferar pelo mundo. Vivemos tempos tão absurdos! O nosso modo de vida está a ser colocado em causa por radicalismos políticos e religiosos. A poluição e as pandemias ameaçam a nossa existência. Basta ver os noticiários televisivos e encontramos logo diversas temáticas que facilmente serviriam de base para um bom romance.

 

E o Alentejo, também pode ser um bom mote de inspiração?

O silêncio do Alentejo é uma enorme vantagem e as paisagens, amplas e luminosas, são sempre inspiradoras. O Alentejo é o cenário de todos os contos que publiquei e também está presente em muitos dos capítulos do romance “A Vingança das Vagas”.

 

Ser alentejano e viver no Alentejo representa algum tipo de constrangimento para o consolidar da carreira literária?

Qualquer escritor que viva no interior do País pode queixar-se de constrangimentos, tal como a maioria dos empresários ou dos trabalhadores de variadíssimas áreas que pretendam divulgar e desenvolver as suas atividades. Claro que, na atualidade, os meios de comunicação digital permitem uma aproximação mais célere e mais fácil às grandes editoras sediadas em Lisboa ou no Porto. Contudo, os mais importantes eventos literários continuam a ocorrer nessas grandes cidades ou em cidades relativamente próximas delas.

 

Dos trabalhos desenvolvidos ao longo da carreira, quer destacar algum mais marcante?

Tenho de nomear “A Vingança das Vagas”, pois foi o único romance que publiquei. Publiquei a obra em 2012 e nunca mais a reli, pois tenho muitas dificuldades em dar as coisas por terminadas e tenho a certeza que, caso a voltasse a ler, ficaria profundamente irritado, pois descobriria três ou quatro capítulos para alterar ou eliminar. Acho que a minha urgência em publicar o primeiro romance e os prazos impostos pelo editor foram adversos para a revisão e maturação do que já estava escrito. Atualmente, já não sofro dessa pressa. Escrevo demoradamente, calmamente, verdadeiramente à alentejana. E sigo uma premissa que ouvi numa entrevista ao escritor António Lobo Antunes: “Não é escritor quem escreve 300 páginas. É escritor aquele que após escrever 300 páginas só aproveita uma”.

 

Que opinião tem sobre o universo literário em Portugal?

Vou expor aqui a minha opinião dando um exemplo que terá de ser interpretado nas entrelinhas. Para se colocar no mercado um livro com hipóteses de ter bons índices de vendas são necessários um bom escritor e um bom editor. O autor está encarregue da função de mãe. Ele traz o livro dentro de si, durante muitos meses, e vai parindo a obra aos poucos para o papel. Também cabe ao autor ler e reler a sua criação até que a considere suficiente madura para ser enviada para o editor. Atingida a fase em que há interesse pela publicação da obra sugerida, o editor terá de assumir-se como uma parte bastante importante no desenvolvimento do livro. Terá de fomentar os esforços necessários para que o livro beneficie de um apurado processo de revisão. Posteriormente, após a edição da obra, e antecipando a sua chegada às livrarias, o editor deverá concretizar uma eficaz promoção do livro. Em Portugal existem algumas editoras que trabalham desta forma, outras não.

 

E o novo acordo ortográfico?

Como sou professor, uma das minhas funções é o ensino da leitura e da escrita. Deste 2012 que essa função obedece às normas do novo acordo ortográfico. Seria uma hipocrisia da minha parte escrever de uma forma diferente daquela que ensino. Por outro lado, embora tal provoque repulsa nalgumas pessoas, sinto um especial prazer quando escrevo as palavras: seleção, ação, direção, proteção…

 

Como tem vivido este período de ‘stand by’ no mundo?

Em ‘stand by’. Contudo, devo salientar que o confinamento também pode ser um aliado de quem se dedica à escrita. A elaboração de um livro exige sempre uma grande dose de confinamento. Já a venda do dito livro só se conseguirá concretizar se existir um certo… desconfinamento.

 

Que sonhos literários “moram” em José Teles Lacerda?

Muitos, sempre muitos, e a empurrarem-se uns aos outros dentro do meu cérebro. Em simultâneo, todos exigem a tal passagem para o papel.

 

O que está na “manga”?

No mês passado dei por terminado um romance. Não sei muito bem o que vou fazer com ele. Talvez propor para edição, talvez enviar para algum concurso literário. É um romance que tem algumas potencialidades interessantes, mas por enquanto está trancado na gaveta onde coloco as obras já terminadas. O tempo dirá se o enterrei na gaveta ou se o semeei. Se o que escrevi naquelas folhas for editado, poderei afirmar que se deu o parto de um livro. Caso nenhum editor se interesse pela obra, então ocorreu um aborto feito de páginas e de palavras.

Não estou muito preocupado com isso, já ando entretido com a escrita de outro romance.

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