Diário do Alentejo

“Vi a bateria, ouvi aquele som e foi amor à primeira vista”

06 de outubro 2021 - 17:00

Texto Luís Miguel Ricardo

 

João Pina, 41 anos, natural de Beja, licenciado em Estudos Portugueses pela Universidade do Algarve, professor de português desde 2008 no externato António Sérgio, em Beringel, é formador, explicador e, entre outras coisas mais, músico.

 

Quando e como surgiu o gosto pela música?

Na verdade, o gosto pela música surge muito cedo. Penso que se deve aos meus pais. Cresci a ouvir Zeca Afonso, Vitorino, Chico Buarque, Janis Joplin, Creedence Clearwateer Revival, Pink Floyd, Bob Marley, Chopin, Vivaldi, e tantos outros. Penso que era difícil e estranho não gostar de música.

 

Dos vários trabalhos e projetos já realizados há algum que queira destacar?

Apesar de considerar todos os projetos relevantes, porque toquei com muito boa gente, fiz amizades para a vida, aprendi bastante, quer a nível pessoal, quer a nível musical e vivi (e vivo) momentos espetaculares, é óbvio que o projeto Hochiminh será sempre de realçar. Foram 18 anos, de 2001 a 2019, com muitos ensaios, muitos concertos de norte a sul do País, gravações de EP´S, álbum, vídeo, e uma grande amizade que nos unia e une, apesar de já ter deixado essa grande banda de metal.

 

Sempre integrado em banda? Ou alguma vez a solo?

Os meus primeiros passos na música foram num registo diferente. Com oito anos comecei por estudar piano e flauta na antiga Academia de Música de Beja, que deu lugar ao Conservatório. Aos 14,15 anos, desisti e a culpa foi da bateria. Vi uma bateria de um amigo, dei uns toques e perdi a vontade de estudar a música clássica a que me tinha dedicado até então. Ou seja, vi a bateria, ouvi aquele som de perto e foi amor à primeira vista. Desde então integrei sempre projetos de originais, na área do punk/hard-core e metal, à exceção de Três e Roda. É uma banda de versões acústicas que comecei com o Luís Fernandez e a que se juntou o João Nunes. É o único projeto que tenho de momento e também tem sido uma grande aprendizagem pois nunca toquei versões e como é um som acústico não toco bateria, optei pelo cajon.

 

Bateria e cajon, ou há mais instrumentos no percurso de João Pina?

Considero-me o homem do ritmo, que faz os ‘beats’, o motor da coisa. Para além da bateria e do cajon, dou uns toques nos bongós, nas congas, no djembé, na darbuk e até no tampo de uma mesa ou num corrimão se faz uma boa batida. 

 

Usando uma metáfora do futebol, o baterista é o guarda-redes da banda. Quais as emoções que se experimentam em palco?

Estar em palco como baterista ou percussionista, para mim, é uma emoção muito grande. Adoro. Sim, guarda-redes é uma metáfora que se enquadra muito bem naquilo que faço em palco, pois considero que estou lá para “segurar o resultado”. O ritmo não pode falhar, não pode faltar. Todos os chamados “pregos”, na gíria musical, são para evitar, mas se a batida falha é como se falhasse o coração. Se este falha, todo o corpo sofre. Também é bastante emocionante tocares com gente boa, para gente que te quer ver e ouvir. Tenho tido essa sorte. Divertires e distraíres as pessoas com a tua música ou com música de outros interpretada por ti é lindo, não tem preço. Outros aspetos que sempre me emocionaram e que vivi principalmente com a banda Hochiminh são, por exemplo, ouvires o público a cantar os refrões das tuas músicas, ou estares na outra ponta do País e o teu vocalista apresentar a banda e dizer: “Somos de Beja”. 

 

Ser do Baixo Alentejo ou começar na região uma carreira artística apresenta alguma forma de constrangimento?

Ser de Beja, ter uma banda de originais e querer fazer carreira não é fácil. Digam aquilo que disserem, esta é a minha opinião. Vamos pensar num aspeto que parece elementar, mas começa por aí toda a diferença: lojas de música – até há bem pouco tempo tínhamos só uma, e agora já nem uma temos. Podemos falar também de locais para ensaiar: é uma luta para os ter e, por vezes, uma luta maior para os manter. Eu não posso tocar bateria se vivo num apartamento, quanto mais ensaiar com uma banda. Podemos falar também de espaços para tocar ao vivo. São bons, mas poucos. Podia também abordar questões como os acessos, as pessoas, que cada vez são menos no nosso Alentejo, e menos pessoas, menos público, mas isso são outros assuntos. Mas tudo é possível com trabalho, amor à causa e resiliência. Sou otimista, acredito sempre e temos poucos, mas bons exemplos, de que é possível “vencer”.

 

O Alentejo também pode ser fonte de inspiração?

Ser alentejano é um estado de alma e eu sou um alentejano com muito orgulho em sê-lo. Mas, na verdade, não tenho tido o Alentejo na minha música. É algo que gostava de aprender e mais tarde explorar, pois a nossa música tradicional é riquíssima e gosto bastante. Talvez um dia surja a tocar nesse registo. Se acontecer, será uma honra.

 

Que papel desempenham as novas tecnologias na carreira musical do João Pina?

As novas tecnologias são importantíssimas. Facilitam tudo. Para aprenderes a tocar um instrumento, tens de trabalhar muito, mas hoje em dia tens aulas ‘online’, tens o Youtube, tens uma infinidade de instrumentos. Se tiveres um computador e um bom programa, e jeito para a música, podes fazer coisas fantásticas sem sair de casa. Há quem grave álbuns ou comece carreiras de grande sucesso. Outro aspeto prende-se com as redes sociais, que são uma arma inigualável na divulgação de tudo, e a música não é exceção.

 

Alguns momentos inusitados vividos ao longo do percurso artístico?

Passei e passo momentos muito divertidos em ensaios, na estrada, em concerto, porque, lá está, felizmente tenho tocado com pessoas que são mesmo “boa onda”. Momentos caricatos ou curiosos, há muitos. Por exemplo, uma vez a tocar com os Hochiminh, uma rapariga, mesmo em frente ao palco, decide fazer um ‘strip-tease’. Nós olhávamos uns para os outros, surpreendidíssimos. Eu tinha uma vontade de rir brutal. Também me lembro de um rapaz vir ter comigo a dizer que adorava a banda, que já tinha visto muitos concertos e que até tinha partido uma orelha, na ‘mosh’. Uma orelha!? Achei e continuo a achar caricato.

 

Como tem sido vivido este período de ‘stand by’ no mundo?

O período de confinamento, para mim, foi um período de paragem a nível musical. Vivo num apartamento e não posso tocar bateria lá. Até com o cajon tenho receio de incomodar os vizinhos. Mas se pudesse tocar, não sei se teria disponibilidade, pois a dar aulas ‘online’, cumprindo o horário como se de aulas presenciais se tratasse e três crianças em casa… enfim, não foi fácil, mas teve de ser. Os meus alunos tinham de ter aulas e os meus filhos a minha atenção. Consegui e já voltei à música.

 

Que sonhos e ambições moram em João Pina?

Sonhos todos temos e já concretizei alguns, como tocar com algumas das minhas bandas preferidas ou dar concertos em certos locais. Para o futuro quero continuar com Três e Roda, devo continuar nas tertúlias musicais e a compor com o Fernandez. Temos uma boa química e talvez saia alguma coisa intere

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