Texto Júlia Serrão
Monumento Nacional desde 2007, o Palácio dos Condes de Ficalho, encaixado nas muralhas do castelo medieval de Serpa conserva um riquíssimo acervo histórico, que testemunha o percurso dos Mello de Serpa por quase 600 anos. Também referido como Casa do Castelo, é uma casa senhorial cujo nome corresponde ao dos seus proprietários, os condes e marqueses de Ficalho, também conhecidos como os Mello de Serpa.
Partilhar com o público o seu espólio valioso, que soma quase seis séculos de história da família, era um projeto da sua proprietária atual, Matilde Maria de Mello, que se materializou desde o passado dia 18 de maio. “A abertura do Palácio Ficalho ao público é um sonho antigo, agora concretizado por três mulheres: eu e as minhas duas filhas. O palácio é um património único, que sentimos que deve ser partilhado pela comunidade e ser um contributo para a região”, observa Matilde de Mello.
A vontade da família “foi tecnicamente apoiada” pela Patrimonium – Gestão e Promoção de Bens Culturais, uma empresa ou marca criada pelo historiador e especialista em património histórico Joel Moedas-Miguel. “Em colaboração com as proprietárias, depois de um processo de investigação e inventariação, organizámos a museografia do espaço, o guião e o percurso de visita, de forma a tornar possível a abertura ao público com realização de visitas guiadas”, explica o especialista, sublinhando que a sua missão e a da empresa "é valorizar, promover e comunicar o património que não está acessível ao público”.
Nesta primeira fase apenas poderão ser realizadas visitas guiadas, mas para breve prevê-se a abertura da residência palaciana a eventos, alojamentos e residências, o que se processará de forma faseada.
A CHEGADA DOS MELLO A SERPA
A história do Palácio Ficalho começa no século XV, quando o futuro copeiro-mor do rei D. Afonso V, João de Mello, é nomeado fronteiro, em 1442 – sete anos depois seria elevado à categoria de alcaide-mor de Serpa e senhor da Quinta de Ficalho. Por este tempo já existia uma construção primitiva nas muralhas, onde vivia João de Mello e a sua família. Mas o início da edificação do palácio, propriamente dito, data da segunda metade do século XVII por desejo dos irmãos Pedro e Martim Afonso de Mello, bispo da Guarda.
O projeto arquitetónico - imbuído no seu interior do espírito tardo-seiscentista (bem patente, por exemplo, na azulejaria azul e branca) - foi atribuído a Mateus de Couto (sucessor do seu tio, com o mesmo nome, nos encargos de arquiteto das ordens militares e engenheiro régio), que havia desenhado a Igreja do Salvador e os retábulos da Igreja de Santa Maria de Serpa, panteão dos Mello.
No início do século XX, o espaço nobre e privado ganha uma nova vida abrindo-se ao publico. Foi intervencionado por iniciativa de António Martim de Melo (1916-1990), 4.º marquês de Ficalho e da sua esposa Maria das Dores de Eça de Queirós (1918-2004), neta do escritor José Maria de Eça de Queirós. Entre as muitas figuras que assinalaram a história do Palácio Ficalho destaca-se o botânico e letrado Francisco Manuel de Mello Breyner (1837-1903), 4.º conde de Ficalho, ilustre membro dos Vencidos da Vida – grupo informal constituído por personalidades intelectuais relevantes da cultura portuguesa nos últimos 30 anos do século XIX, com fortes ligações à Geração de 70, a que pertenceram os escritores Eça de Queirós, seu amigo, Ramalho Ortigão e Guerra Junqueiro.
Francisco Manuel de Mello Breyner deixou vasta obra publicada: contos e livros de História e de Botânica, como "Flora dos Lusíadas" (1880), "Memória da Malagueta" (1883), "Uma Eleição Perdida" (1888) e "Viagens de Pêro da Covilhã" (1898). No campo da flora, desenvolveria uma tese sobre as rosáceas de Portugal, que publicou nos boletins da Sociedade Broteriana de Coimbra, entre 1877 e 1879. Sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa, fundou ainda o Jardim Botânico, em Lisboa, inaugurado em 1878, com a colaboração de Andrade Corvo, à época ministro dos Negócios Estrangeiros.
DESCOBRIR OS JARDINS
Banhado pela luz do sol alentejano refletido na cal, o jardim é mais um ponto de atração e beleza do Palácio Ficalho, em Serpa. As árvores por detrás dos muros escondem este espaço onde se revela a abundância da água, associada à nora e ao aqueduto que um dia forneceram a casa senhorial em exclusivo, a partir de uma poço situado na extremidade sul da muralha. Num primeiro olhar, pode-se criar a expectativa de um jardim islâmico que rapidamente se dissipa. Só mesmo o laranjal pode enganar. Um protocolo entre a Câmara de Serpa e a proprietária do palácio prevê a utilização pública do jardim e a instalação de um quiosque no local.