Diário do Alentejo

Nascido em plena pandemia, Aqui não Comes chega a Lisboa

01 de março 2021 - 15:20

Aqui não Comes é o nome do mais recente projeto de Francisco George, João Carlos Soares e Luís Mestre, um negócio de venda de comida tradicional e caseira, ultracongelada. A ideia, dizem, é “facilitar a vida das famílias modernas”. Aberto em plena crise pandémica, na cidade de Beja, o projeto tem dado cartas e já se expandiu para Lisboa.

 

Texto Rita Palma Nascimento

 

Francisco é proprietário de uma tabacaria e trabalhou durante vários anos no setor da restauração em Beja e em Lisboa. João é administrativo e trabalhou em bares, foi proprietário de uma casa de fotocópias, formador e colaborou com empresas de eventos diversos. Luís conta com um percurso de três anos em comunicação social, tendo passado pela Rádio Pax, Rádio Voz da Planície e “Imenso Sul”, e soma 24 anos de trabalho como técnico de informática nas Câmaras de Castro Verde, Mértola e Beja, tendo ainda dedicado cinco anos a um café da cidade. Agora são também cozinheiros.

 

“Os nossos avós tiveram uma única profissão, aprenderam um ofício ao qual dedicaram toda a sua vida, foram sapateiros, costureiras, agricultores, vendedores. Os nossos pais, penso que a maioria, já passou por duas ou três atividades e nós, a geração Y e Z, somamos diferentes experiências, díspares entre si, numa necessidade constante de reinvenção, realização e sobrevivência”, diz João Carlos Soares.

 

A ideia de negócio surgiu por acaso e, asseguram, veio “preencher um espaço vazio na restauração” da cidade. “Inicialmente não fomos muito crentes… ultracongelar uma açorda de gambas ou um cozido de grão faria sentido? Ultrapassariam os bejenses o estigma da comida congelada? Entenderiam o conceito? Certo é que os maridos jantam sempre, apesar das dietas das esposas e do nariz torcido das crianças. Talvez fizesse, de facto, sentido ter diferentes embalagens no congelador, prontas a serem consumidas em qualquer ocasião”, brinca João Soares.

 

Era preciso arriscar. E assim fizeram. Arrendaram um espaço, investiram em arcas congeladoras, num abatedor de temperatura e criaram uma ementa com 50 pratos. As doses rondam os 300 gramas e as opções vão desde pratos tradicionais como o cozido de grão ou o cozido à portuguesa, favas com entrecosto ou açorda de gambas, arroz de pato ou borrego à pastora, às opções mais simples como caril de frango, ‘fusilli’ à carbonara, lombo assado no forno, bacalhau com natas ou espiritual, passando pelas variedades vegetarianas como a feijoada de cogumelos, sopas de beldroegas com ovo e queijo fresco ou grão à indiana. Mas também há sopas, acompanhamentos diversos e sobremesas.

 

Asseguram os empreendedores que a frescura dos produtos é “uma garantia” e o processo de ultracongelação “bastante seguro”. Assim, “depois de descongelar e aquecer, o prato apresenta-se como se tivesse sido acabado de confecionar. As refeições são embaladas na loja sofrendo, posteriormente, com recurso ao abatedor de temperatura, o processo de ultracongelação. Este equipamento permite preservar a qualidade dos alimentos, garantindo que todas as suas propriedades se mantêm inalteradas”, refere João Soares. “O maior problema com que nos deparámos foi, precisamente, descobrir a forma ideal de ultracongelar produtos muitos diferentes. Uma açorda de gambas, por exemplo, não assume um processo idêntico ao de uma massada de peixe. Foram sete meses de experiências antes de podermos abrir portas”.

 

LOJAS EM BEJA E LISBOA

Se a abertura em Beja ocorreu há meio ano, já em 2021 o Aqui não Comes abriu em Lisboa, na Rua de Entrecampos junto ao Campo Pequeno, pelas mãos de Margarida Sequeira e Ana Rita Aguilar, duas ex-bancárias. O conceito despertou-lhes o interesse de levar para a capital o que de mais tradicional existe na gastronomia alentejana, num modelo que dizem estar “perfeitamente adaptado ao estilo de vida lisboeta e à atual situação pandémica”. Ambos os espaços contam com serviço ‘delivery’ e ‘take-away’.

 

Quanto ao futuro, embora com planos para alavancar o negócio, Luís Mestre mostra-se cauteloso: “Para já queremos manter o crescimento sustentado das lojas de Beja e Lisboa, para no futuro avaliar a abertura de novos espaços noutras cidades”. Setúbal e Faro apresentam-se na corrida, mas segundo João Carlos Soares, “as máquinas de venda automática poderão vir a ser equacionadas em pontos estratégicos, como grandes empresas, por considerarmos que faz todo o sentido colocar à disposição dos trabalhadores uma panóplia selecionada de pratos prontos a servir nas horas de refeição”.

 

Sobre o atual momento que o país, a Europa e o mundo atravessam, os três amigos não escondem a preocupação. “Não é possível falar em justiça social quando há setores mais penalizados do que outros. Na restauração, por exemplo, tal como no setor cultural, os apoios são insuficientes, ou inexistentes. Estamos a caminhar para um beco sem saída e a hipotecar o futuro. Não só o futuro das empresas, como o nosso futuro e o dos nossos filhos. Quando tudo for nada, o que é que resta?”.

 

Os três jovens empresários garantem que a comunidade bejense “tem respondido de forma exemplar” a este negócio: “É quem o faz funcionar. É a proximidade, a familiaridade, a envolvência e a partilha. Têm sido um apoio fundamental, o nosso suporte”. É o que os leva a afirmar tratar-se de uma “aposta ganha”, apesar de recente. “Desde início que estivemos confiantes em relação ao sucesso deste projeto, com ou sem pandemia. A originalidade do conceito não seria afetada pelo atual contexto em que vivemos”, conclui Francisco George.

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