Nos últimos anos, os vinhos da talha começaram a ser muito procurados, nomeadamente por um nicho de consumidores que privilegia o caráter, a autenticidade e a história que este tipo de vinhos traz consigo. O vinho de talha começou a ser olhado como uma oportunidade de negócio, pelo que muitas empresas de referência começaram a fazer experiências. Isso levou a que um número progressivamente maior de produtores começasse a apostar na talha como um produto diferenciador.
O vinho de talha passou das tabernas do Alentejo, onde ainda se bebe, para as mesas mais exigentes das grandes metrópoles do mundo. O preço, naturalmente, acompanhou a mudança. Os dois vinhos provados chegaram-nos de Vila de Frades, para muitos a “Capital do Vinho de Talha”. O Peculiar 2017 foi elaborado a partir das castas Aragonez e Trincadeira provenientes de solos xistosos. Revelou-se quente e poderoso, com aromas de frutos pretos maduros. Na boca mostrou-se complexo, com os taninos bem integrados e sem que a graduação alcoólica elevada perturbasse a prova, pois apenas mostrou o caráter e a identidade da terra que o viu nascer.
O vinho Honrado Talha Edição Limitada 2017 foi elaborado com um ‘blend’ das castas Aragonez, Alicante Bouschet e Tinta Grossa. No aroma patenteou frutos vermelhos e na boca mostrou grande frescura, mineralidade e persistência. Foram dois bons exemplos de estilos diferenciados de vinho de talha que o consumidor tem à sua disposição e que continuarão a dar prazer durante muitos anos. O vinho de talha deixou de ser um vinho passageiro do inverno e da primavera alentejana, para se tornar num vinho duradouro, aberto ao deleite de todos os que o souberem apreciar.
ALICANTE BOUSCHET, A CASTA QUE SE NATURALIZOU ALENTEJANA
O terceiro estilo de vinho que identificamos gira em torno da casta Alicante Bouschet. Esta casta tintureira (com matéria corante na polpa) nasceu em França em meados do século XIX pela mão de Henry Bouschet, que conseguiu cruzar as variedades Grenache e Petit Bouschet (cruzamento das castas Teinturier du Cher e Aramon). Pensa-se que terá entrado em Portugal no início do século XX, para acentuar a cor aos vinhos licorosos da Herdade do Mouchão.
Em França, foi plantada principalmente no sul, na região do Languedoc, mas não obteve grande sucesso. Em quase todas as regiões de clima quente, onde foi plantada, é considerada uma casta secundária, usada para dar cor e tanino ao lote, nomeadamente na Califórnia e no Chile. Nos Estados Unidos da América atingiu alguma popularidade durante os anos da “Lei Seca”, pois a sua cor intensa permitia que os contrabandistas misturassem água e açúcar no vinho. No entanto, parece que o Alicante Bouschet encontrou a sua casa no Alentejo, dado que é a base de alguns vinhos lendários da região de Estremoz (Mouchão e Quinta do Carmo) desde meados do século XX. Contudo, só recentemente é que ganhou projeção em outras sub-regiões, transformando-se na espinha dorsal da maioria dos grandes vinhos do Alentejo. A área desta casta no Alentejo está a crescer rapidamente, tendo chegado aos 16 por cento. Por isso, muitos defendem que o Alicante Bouschet é a casta tinta que melhor define a identidade do velho e do novo Alentejo.
O Alicante Bouschet adaptou-se maravilhosamente ao clima e ao ‘terroir’ alentejano. Sendo uma casta internacional, tem um coração regional. Contudo, tem que ser bem trabalhada para dar vinhos de extrema qualidade. Em jovem deve ser contida na produção com mondas rigorosas. Necessita de maturações delicadas, vinificações com algum engaço e estágio prolongado em garrafa para mostrar todos os seus atributos. Se for demasiado extraída, pode ficar com os taninos rústicos. Para além da cor retinta, esta casta dá uma estrutura taninosa, sólida e densa ao vinho, embora possa ser, por vezes, um pouco rude e opulenta. Por outro lado, transmite acidez, frescura e longevidade aos vinhos do sul. Ao nível aromático predominam os frutos silvestres, a azeitona, os vegetais secos, o mentol, o eucalipto, o chocolate amargo, o café e a pimenta.
O enólogo Paulo Laureano, grande conhecedor da casta, distingue algumas diferenças no seu comportamento nas várias regiões onde está plantada: “na Vidigueira o Alicante Bouschet tem diferenças bem marcadas quando comparado com o Alentejo mais a norte, onde as notas de prova são marcadas por um eucalipto forte e uma menta verde e, no caso da Vidigueira, mais pasta de azeitona e frutos negros muito maduros”.
O Grande Rocim Reserva 2017 foi elaborado a partir de uma vinha velha de Alicante Bouschet plantada em solos xistosos da Herdade do Rocim. Revela um aroma balsâmico de grande complexidade com fruta preta. Na boca mostra-se opulento, mas fresco, com notas vegetais e de menta. É, nas palavras do enólogo Pedro Ribeiro, um “gentle giant”. Isto é, “um vinho poderoso, com grande capacidade de evolução, mas ao mesmo tempo elegante e cheio de detalhes”.