Diário do Alentejo

Vanessa Schnitzer: O triunfo do simbolismo sobre o quotidiano

08 de janeiro 2021 - 19:00

Texto Vanessa Schnitzer

 

O inverno cai sobre o hemisfério norte. Os dias tornam-se mais curtos, as noites frias e longas, e a escuridão prevalece. Diz a tradição que o dia de Natal foi fixado na data em que os romanos festejavam o sol pelo solstício de inverno, para afirmar o novo sol, Jesus que vinha iluminar toda a humanidade.

 

Chegou ao fim 2020, o ano por muitos considerado como o pior das suas vidas, dilacerado por uma pandemia global, eleições controversas, uma economia fraturada, racismo, as 'fake news' ou as teorias da conspiração. Este ano deu direito a tudo e a um pouco mais. Imaginem que até o "deus" do futebol morreu. Diante deste penoso cenário, ficámos presos na armadilha do medo, em estado de alerta máximo, provocando uma resposta pavloviana a qualquer estímulo de medo ou de perigo. Como saímos desta armadilha?

 

A solução poderá ser encontrada nas nossas raízes. A festa de Jul, que ocorre nesta altura, remonta a uma das civilizações mais antigas e é considerada a mais importante festividade pagã do norte da Europa, que celebra precisamente o solstício de inverno. Na noite mais longa do ano, quando o gelo e a escuridão pareciam não ter fim, homenageava-se a natureza e faziam-se oferendas aos deuses, pedindo para que o inverno passasse depressa.

 

Jul significava a luz num mundo de trevas. Neste momento em que parecemos entrar numa espécie de Idade Média, torna-se fundamental encontrar a luz.

 

Estes estranhos tempos mascaram coisas positivas. “Tenho paciência e penso: todo o mal traz consigo algum bem”, disse o génio imortal Beethoven. Um dos efeitos benéficos com que 2020 nos brindou foi a oportunidade única de reviver o espírito genuíno desta época do ano; sermos poupados ao habitual 'stress' natalício e ao terrorismo das compras. Uma excelente oportunidade de fazer triunfar o simbolismo sobre as triviais disrupções consumistas do quotidiano. O que representa uma oportunidade única de viver o outono nas nossas vidas: varrer as folhas que já não interessam e plantar as sementes na nova estação, para depois vir a colher as flores na primavera.

 

Para o novo ano, o mais importante é mergulhar no fundo das nossas almas e resgatar o que verdadeiramente interessa; aquilo que ficou. Pois tudo o que é verdadeiramente significativo na vida está no que resta quando tudo se apaga.

 

E para ajudar a acender a luz da alma, que tal regá-la abundantemente com a bebida da imortalidade, o vinho? E constatar que “no meio do inverno, finalmente aprendi que havia dentro de mim um invencível verão”, como nos ensinou Albert Camus.

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