Diário do Alentejo

São dois concertos. Mas não são apenas dois concertos. Pelo palco do Teatro Municipal Pax Julia, em Beja, vão passar Daniela Helena (esta noite) e António Caixeiro (amanhã). Fado e cante. Sendo que, além dos espetáculos ao vivo, os concertos serão transmitidos em ‘streaming’. Ao vivo, o bilhete custa dez euros. Quem quiser assistir ‘online’ paga dois euros. É a primeira vez que uma iniciativa do género é realizada em Beja.

Voz revelada no cante alentejano, desde muito jovem que ligação de António Caixeiro aos Ceifeiros de Cuba marca uma relação afetiva com as sonoridades do sul, que mais tarde se fortalecem na criação do grupo Coral Bafos de Baco, também de Cuba. A sua voz distinta e poderosa passou a ser uma imagem de marca também de muitos projetos que integrou com artistas locais, nacionais e internacionais, experimentando novas sonoridades, tendo sempre por base cante e o cancioneiro tradicional alentejano.

“É a primeira vez que atuo a solo no Pax Julia, uma sala emblemática. Já lá cantei como participante em diversos projetos, mas ter a oportunidade de atuar com o meu projeto é muito especial. Espero que o público aprecie este espetáculo, que é muito intenso e vivo”, diz António Caixeiro ao “DA”, reconhecendo o “sabor especial” de uma atuação ao vivo numa época de pandemia em que as atividades artísticas foram especialmente penalizadas. “Tínhamos previsto lançar o CD em abril e já tínhamos mais de 20 concertos agendados… foram todos cancelados. Estar muitos meses parado e sem perspetiva de futuro não é nada agradável”.

Para o músico, o regresso aos palcos significa um momento de “esperança” e de “reencontro” com o público.  Enquanto o CD não é lançado, António Caixeiro aproveita a oportunidade para dar a conhecer, ao vivo, o seu trabalho. “É um projeto com muitas influências musicais mas que tem sempre o cante e o cancioneiro tradicional como elemento condutor”.

Sublinhando que os tempos de pandemia têm sido particularmente difíceis para quem vive da música e da cultura – “temos que encontrar alternativas porque o setor não pode continuar a definhar, perdem-se talentos, perde-se o saber e desmembram-se equipas que levaram anos e muito investimento para serem construídas e consolidadas” – o músico diz que o modelo desenhado para este fim de semana [com concerto ao vivo e transmissão pela Internet] irá funcionar: “Tudo o que possa ser feito para recuperar o contacto com o público e permitir que possamos trabalhar é muito importante. E a ideia de partilhar num só concerto uma relação com o público presente e com público à distância é uma nova experiência, que espero que resulte para ser repetida noutros locais e assim nos permitir voltar mais cedo aos palcos”.

“UMA ENORME ALEGRIA”

Com o concerto de António Caixeiro agendado para amanhã, sábado, pelas 21:30 horas, esta noite, à mesma hora, pelo palco do Pax Julia – ou de um écran de um computador perto si – irá passar Daniela Helena, a voz revelação do fado, vencedora do Grande Prémio do Fado da RTP 2019. Genuína e intensa, juntou no seu primeiro CD a eloquência dos fados tradicionais com a musicalidade fresca de alguns temas escritos para si por Carlos Paiva e Paulo Abreu Lima, com direção musical de Valter Rolo e arranjos de Lino Guerreiro.

A sua voz distinta que transmite o sentimento das histórias que o fado conta, como se o destino se revelasse no seu canto, é uma marca da grandiosidade da jovem fadista, que agora inicia uma carreira a solo, que se engrandece nas mais prestigiadas casas de fado e eventos, não deixando ninguém indiferente.

“Este vai ser um espetáculo muito emotivo e especial, pois vou estar a cantar novamente na minha cidade e a promover o meu primeiro trabalho. Será um espetáculo mais intimista mas muito intenso, com temas tradicionais e outros originais”, diz Daniela Helena, reconhecendo que os tempos de pandemia têm sido “muito difíceis” para o setor: “Não é fácil lidar com incerteza, olharmos em frente e não encontrarmos o horizonte e, na nossa área, essa é uma frustração diária, mas temos que seguir acreditando e trabalhando para tornar o regresso à vida normal algo de positivo, de extraordinário. O fado precisa desse reencontro com as pessoas, com os ambientes, com a vida”.

No caso da fadista, a confinamento e o fim dos espetáculos com público coincidiu com o início do seu projeto a solo. “Todos os objetivos definidos para lançar a minha carreira e o CD [editado em novembro do ano passado] ficaram suspensos, os espetáculos foram cancelados e tudo fica por realizar, mas acredito que virão novas oportunidades e sairemos mais fortes desta realidade”.

Segundo Daniela Helena, agora é tempo de “testar novas soluções que permitam o reencontro com o público e a capacidade de desenvolver espetáculos”. O concerto desta noite partiu de uma iniciativa da Panóplias d’Encantos (agência dos dois músicos) e da Videoplanos. “Até ao momento a recetividade do público tem sido positiva e, se resultar, poderemos repetir noutras salas e reforçar a aposta na cultura. É uma experiência nova que me deixa um pouco apreensiva, pois o concerto ser transmitido online pode criar algum nervosismo extra”.