“Sou uma rapariga da terra. Sou natural de Beja, nasci em 1981, a minha família é de Barrancos, mas nós, desde muito pequeninas, vivemos em Barrancos. As férias são lá, toda a minha história tem sido naquela terra, por isso, dizer que sou de Barrancos também me dá muito orgulho. É uma terra com a qual me identifico muito. Nem sei muito bem explicar, mas sinto que ser barranquenho é uma coisa que levamos para todo o lado. Vivemos 365 dias à espera dos finais de agosto para estarmos todos juntos e estamos felizes durante quatro dias”.
Texto e Foto Firmino Paixão
Ana Isabel Ângelo, de 38 anos, é docente, na área das ciências, em Odemira. Desde que, no último dia de abril de 2017, se estreou no II Trail Solidário de Vilanueva del Fresno, município da estremadura espanhola, já correu, até aos dias de hoje, cerca de meia centena de provas de trail e de estrada.
Tal como na sua missão de professora, tem percorrido os quatro cantos do Alentejo, também na corrida, apesar da escolha criteriosa, tem sido um pouco “omnipresente”. O atletismo entrou nos seus hábitos de vida de uma forma muito peculiar, revelou: “Senti necessidade de fazer qualquer coisa. Ou fazia isso, ou entrava num mundo depressivo, porque, ter uma vida muito complexa, dar aulas longe de casa, ter crianças, ter toda uma dinâmica familiar por trás, a que temos que dar resposta, não é fácil. Então, aproveitei o facto de o meu marido querer correr e eu corria atrás dele. Depois, os meninos começaram também a fazer atletismo no Beja Atlético Clube e eu deixava-os no treino e, enquanto eles treinavam, corria também”.
O seu crescimento como atleta foi rápido. Hoje já não corre atrás do marido, é, invariavelmente, ao contrário. Não tem treinador, é autodidata, lê quanto baste e quando tem dúvidas pergunta mas, na sua definição da corrida, tem interessantes noções: “O trail não se treina, pratica-se” ou “No trail importa ser destemido perante o desafio”. E adianta: “No trail partilhamos a água com o parceiro e seguimos ambos com sede, mas quem vence uma prova de trail não é só quem sobe ao primeiro lugar do pódio. São todos os que chegam ao final”. Aprovada com distinção, não fosse até o caso de as salas de troféus, repartidas entre a casa dos pais e a sua própria residência, já denotarem falta de espaço.
Na adolescência esteve sempre muito ligada ao desporto escolar. “Não havia muita oferta, aproveitávamos o que a escola nos proporcionava. Fiz basquete, pratiquei andebol, mas nunca me direcionei muito para a corrida”. Tudo mudou. Tudo começou em Barrancos e a “culpa” foi desse inigualável runner Francisco Bossa “A equipa do Barrancos Futebol Clube surgiu há cerca de três anos e foi curioso, porque eu também dei aulas em Barrancos. Quando o ‘Ico’ Bossa nos lançou o desafio de fazermos uma equipa de atletismo, eu disse logo que sim. Os meus alunos, na altura, questionaram-me ‘A professora vai correr?’. ‘Claro que vou e ainda vos ganharei’, respondia-lhes, na brincadeira. Mas já lhes ganhei mesmo”.
O entusiamo, a alegria e a motivação que durante os percursos partilha (além da água) com quem vai ao seu lado já lhe deram a notoriedade que muitos laureados, em pódio, nunca conseguirão, mas Ana Ângelo, sem correr desmesuradamente atrás da glória, sempre procura os melhores registos: “A superação é, apenas, uma satisfação muito própria, pois não tenho quaisquer objetivos ao nível do desporto, nem sempre tenciono ser federada. Levo a camisola do Barrancos porque me identifico muito com a equipa, mas já tenho representado outras. A superação é, apenas, minha, é um desafio meu”.
Ana Ângelo corre trail (o Iberlince de Barrancos é a sua referência) e corre em estrada (a última prova foi a Corrida Monumental, em Évora) mas também já cumpriu, com distinção, a Meia-maratona Melides-Troia (no areal da costa atlântica).
O sonho que está por tornar realidade é competir numa prova com três dígitos na quilometragem, mas as próximas metas estão definidas. “Correr uma maratona de estrada, com a camisola do Beja Atlético Clube, porque quero fazer essa homenagem aos meus filhos, que são atletas deste clube. Estou tentada a fazer a maratona do Douro, no final do ano. Depois, em 2020, tenho algumas provas de renome. Portalegre, o Trilho dos Reis, na serra de São Mamede, o Trail dos Abutres, na serra da Lousã, e ainda aquelas por quem já tenho algum carinho, nomeadamente, a de Vilanueva del Fresno, onde me estreei. O outro sonho que falta realizar é concluir o doutoramento em Ciências: “Estou a ver se os meninos crescem um pouco mais, para me dedicar um bocadinho à minha tese e terminá-la”.
Ser mãe de duas crianças e, simultaneamente, professora e atleta, será algo que facilita a relação com os seus alunos? “Costumo dizer que os professores têm dois momentos. Um, antes de serem pais, outro, depois de o serem. Antes de sermos pais, somos os melhores professores do mundo, temos as pedagogias todas presentes, quando somos pais as pedagogias vão água abaixo. Percebemos que a realidade é outra. O valor humano e a forma diferente como olhamos as crianças foi algo que surgiu a partir do momento em que fui mãe. Os meus alunos não gostam muito de mim, é inevitável eles não gostarem de um professor de físico-química, mas damo-nos bem. Gosto muito de reencontrar os meus ‘meninos’ de Vila Nova, de Ficalho, de Serpa, enfim… Hoje somos todos muito amigos”, concluiu.